DELIVERIES  CURITIBANAS

Quando eu era guri na Curitiba de 1960, com cerca de dez anos de idade flagrei meu pai comentando com um vizinho que fulano de tal não valia nada, que era um gigolô. Pelo teor da conversa deduzi o que deveria ser um gigolô, imaginando na minha pueril cabeça como deveria ser o seu semblante: olhos caídos e debochados, um sorriso abestalhado, e duas ou três obturações de ouro nos dentes frontais.
Perto da minha casa, no bairro Mercês, havia um armazém que vendia de tudo, frutas, cereais, enlatados, pães, frios, artigos escolares e ferramentas. O proprietário inovou com sucesso na época, e foi precursor dessas entregas tão comuns hoje em dia, conhecidas como deliveries. Contratou um ajudante que circulava pra lá e pra cá numa bicicleta com uma cesta metálica na frente e uma placa publicitária do armazém atrás. Quando uma dona de casa queria fazer uma compra, parava o rapaz na rua e lhe entregava uma lista com os itens desejados, para que levasse em mãos ao dono do armazém. Este separava os produtos e anotava os preços em um caderno com o nome da freguesa, para que o total gasto fosse pago pelo seu marido ao final do mês (prática bastante comum naquela época e da qual nasceu a conhecida expressão ‘freguês de caderno’). A seguir, o rapaz colocava as compras na cesta da bicicleta e saía para fazer a entrega, aproveitando depois para dar um giro nas ruas do bairro, à cata de alguma outra encomenda.
Na primeira vez que vi esse rapaz, imediatamente o identifiquei com o retrato imaginado em minha mente para o ‘gigolô’ da história do meu pai. Seu nome eu desconhecia, mas a partir daquele momento decidi que o chamaria de ‘gigolô’. E, de fato, assim o fiz entre meus irmãos, amigos e vizinhos, que riam pra valer com isso. O apelido pegou de uma forma tal e com tão espantosa velocidade, que em questão de um ou dois meses praticamente todos os moradores da vizinhança também estavam chamando-o de ‘gigolô’. Ele não se importou com o apelido, ao contrário, parecia até gostar, e cordialmente atendia a todas as solicitações, sem demonstrar qualquer mágoa ou rancor.
Meu pai, totalmente alheio a essas bobagens, era médico e tinha o seu consultório ao lado da nossa casa, na Rua Tinguís. Uma bela tarde, ele atendia seus pacientes enquanto meus amigos e eu vadiávamos na esquina da Prudente de Morais. De repente, de dentro de casa, minha mãe avistou o rapaz circulando em sua bicicleta, e como precisasse de algumas mercadorias desceu na sua ingenuidade até o jardim, e se pôs a chamar: _”Gigolô! Gigolô! Gigolô”! Ehehehehehe, ela nem sabia direito o que significava, porque naquela época as mulheres entendiam muito pouco de palavras assim. Ao ouvir aquilo sem poder acreditar, meu pai largou a consulta pela metade e saiu correndo pra fora, dizendo:_”Que é isso mulher, ficou louca !? O que você está fazendo ??? _”Calma, Mario..! Eu estou chamando o gigolô pra me trazer umas coisinhas do armazém”. –“Gigolô..!? Que gigolô ???". _”É o rapaz que faz entregas, Mario, quem mais poderia ser?”. Nesse exato momento achei melhor intervir e explicar a meu pai que eu era o responsável por aquela confusão, que tinha sido eu quem havia dado tal apelido. Muito admirado, ele quis saber se o rapaz explorava alguma mulher da vizinhança. Eu disse que não, e que dei o apelido só porque tinha achado ele com cara de gigolô.
–“Ahh, com cara de gigolô é..? E o que um piazinho de bosta como você entende desse assunto !?!?”
(Marco Esmanhotto)
Marco Esmanhotto
Enviado por Marco Esmanhotto em 23/09/2020
Reeditado em 18/10/2020
Código do texto: T7070423
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.