Nulo da Silva, candidato a prefeito - entrevista - parte 5 de 10 - publicado no Zeca Quinha Nius

Todos de barriga cheia, de todos satisfeita a gula (e o senhor Nulo da Silva comeu como um frade), serenados os ânimos (para tranquilizar a alma nada melhor do que um banquete opíparo), pudemos retomar a entrevista. E o senhor Nulo da Silva, candidato a prefeito pelo Partido Extraordinário de Inteligentes Democratas e Eminentes Intelectuais (PEIDEI – mas não fui eu), antecipando-se ao entrevistador, respondeu a uma pergunta, que ele não lhe fez:

NULO DA SILVA: Os políticos sabemos (aqueles que sabem, obviamente; muitos, ignorantes e incultos – a maioria – ecoam, acriticamente, lugares-comuns, que os ventos lhes levam até a cabeça oca, que não pode, devido à sua ocacidade, impor-lhe resistência, e oscilam, caoticamente, de um lado para o outro) os políticos sabemos, prossigo, quais políticas beneficiam o povo, enriquecem-lo, quais contribuem para a sua riqueza cultural e intelectual, e as evitamos, melhor, não as implementamos, e torcemos e retorcemos a realidade, e apresentamos como favoráveis ao povo aquelas políticas que o prejudicam, enormemente.

ENTREVISTADOR: O senhor pode dar-nos alguns exemplos?

NULO DA SILVA: Se posso!? Milhares de milhões de exemplos nosso dar a você e a quem mais mos pedir. Em síntese, digo: Todas as políticas, que, dizem os políticos, beneficiam o povo, na verdade o prejudicam. Se o povo não acolhesse os discursos dos políticos como reproduções fiéis das intenções deles, mas apenas como ferramentas de persuasão, que nenhuma relação têm com os reais propósitos de quem os pronunciam, não seria tão facilmente ludibriado por quem só quer lhe retirar das mãos as riquezas. Um exemplo clássico: Passagens de ônibus gratuitas para velhinhos, ou idosos, ou, como é de bom tom dizer politicocorretamente, as pessoas da terceira idade. Políticos adoram se apresentar como benfeitores do povo quando estão a prejudicá-lo. Para oferecer aos velhinhos encanecidos, de pele enrugada, despelancados, flácidos e desmiolados...

ENTREVISTADOR: O senhor está sendo desrespeitoso com os idosos, senhor candidato.

NULO DA SILVA: Vá tomar banho no Tietê, senhor perguntador. Desrespeitoso é a sua avó. Os políticos prejudicam, enormemente, o povo, e, depois, e ao mesmo tempo, oferecem-lhe uma ajudinha, que em nada o favorece, e apresentam-se, nas propagandas, como benévolos governantes, generosos benfeitores, idôneos bom-samaritanos, pessoas de alma impoluta.

ENTREVISTADOR: E os idosos não são beneficiados ao receberem passagens de ônibus gratuitas tendo-se em vista a aposentadoria que recebem, todo mês?

NULO DA SILVA: Você é uma anta, e daquelas bem quadradas. Vá ser burro lá onde Judas perdeu as botas, cabeça de ostra desmiolada! Você já se perguntou porque o poder aquisitivo das aposentadorias é tão baixo? Os velhinhos, pense, bestalhão, empatam boa parte de seus recursos com remédios e cuidados médicos, certo? Pergunto: Qual é a incidência de impostos nos remédios e nos serviços médicos?

ENTREVISTADOR: O governo administra farmácias populares...

NULO DA SILVA: Raciocínio típico de uma besta quadrada, e daquelas bem quadradas. Você é uma anta besta elevada à décima potência.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: O governo encarece os remédios e os serviços médicos, dificultando, portanto, a vida do povo, e atribui aos capitalistas todos os males que eles, políticos, produzem, e, depois, oferecem-lhe alguns beneficiozinhos, e apresentam-se como benfeitores, pessoas de boa índole, de bom coração, coração de ouro, e protetores, impedindo-o que ele caía nas garras dos gananciosos empresários, sempre os malditos empresários, no caso, os da indústria farmacêutica.

ENTREVISTADOR: Mas...

NULO DA SILVA: Mas você tem de calar sua boca, e deixar-me concluir o meu pensamento acerca das passagens de ônibus gratuitas.

ENTREVISTADOR: Fique à vontade.

NULO DA SILVA: Já estou. Dizia eu: Os políticos impõem aos empresários do setor de transporte de pessoas normas que os impedem de oferecer ao povo serviços de boa qualidade, e cobram-lhes impostos, e mais impostos, e mais impostos, e não apenas deles; cobram muitos impostos dos seus fornecedores de ônibus, peças sobressalentes, combustíveis, e dos mais variados serviços: mecânica, contabilidade, limpeza, e inúmeros outros, e lhes impõem uma legislação trabalhista, que tira-lhes, melhor, arranca-lhes, os olhos da cara. Assim, impedem que mais empresários invistam no setor, criando uma reserva de mercado para alguns poucos empresários, e grandes empresários, os que têm laços estreitos com os políticos, e estes empresários, ao mesmo tempo que gozam de tal benefício, a inexistência de concorrência, têm de aceitar certas práticas que os impedem de atuar, livremente, no setor, cerceados, pelos políticos, que intervêm nas empresas, em sua liberdade de fazer uso de sua própria propriedade. O resultado de tal aliança é o encarecimento do serviço. E aqui entra, na história, os movimentos sociais, que, hostis, à propriedade privada dos meios de produção e ao lucro, movimentos sociais que almejam destruir o livre-mercado – o pouco que há – e defendem ideologias estatistas, e comunistas revolucionárias, manifestam-se em defesa, ou da gratuidade das passagens de ônibus, se não para todos os passageiros, para os estudantes e para os desparafusados valetudinários da terceira idade, e quando os empresários do setor anunciam o aumento do preço das passagens de ônibus, entram em ação, e partem para o quebra-quebra. E os empresários insistem no amento do preço das passagens, e os manifestantes quebram tudo o que encontram pela frente, e entram em cenas os políticos. Resumo da ópera: Para convencer os empresários a não aumentarem os preços das passagens de ônibus os políticos lhes oferecem subsídios, e eles, os empresários, recuam da política de reajuste de preços, e todos vivem felizes para sempre. Todos, não; quero dizer os empresários, que recebem os subsídios, os políticos, que atuam, em benefício do povo, segundo as propagandas oficiais, protegendo-o da sanha capitalista dos empresários, e os manifestantes, que seguem sendo financiados pelas mesmas pessoas contra quem eles batem-se e os aliados delas. Nesta história, só o povo perde, pois os subsídios que os políticos pagam aos empresários saem do seu, do povo, bolso, e para manter os subsídios os políticos inventam mais alguns impostos, elevam as alíquotas dos já existentes, criam alguns impostos ocultos, aqueles que ninguém vê mas que todo mundo paga, altera a fórmula de cálculo de alíquotas de impostos de modo a elevar a arrecadação.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, o senhor falava da oferta, pelas empresas de ônibus, para os idosos...

NULO DA SILVA: Ai meu Deus do céu! Dai-me paciência, Senhor. Senhor entrevistador, vá ser burro no quinto dos infernos! Peste! Por que Deus deu a você uma cabeça, ô, ameba?

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, esclareça o seu argumento...

NULO DA SILVA: Mas que diabos! Você quer que eu esclareça o que está claro!? Diabos! Pense, peste! Por que os idosos têm direito à passagens de ônibus gratuitas? Dado tudo o que eu já disse, a resposta é óbvia: Os empresários e os políticos são aliados, não leais, claro, pois a aliança é forçada, pois os políticos têm mais poder do que os empresários, afinal, são eles que ditam as regras, afinal, eles têm o poder nas mãos, e os empresários que a eles se aliam caem do cavalo e têm de dançar conforme a música que os políticos tocam, pois estes dependem de subsídios e têm de amansar a ânsia dos políticos por mais intervenção nas empresas e mais regulamentações no setor. E os políticos, agora que os empresários do setor de transporte de pessoas comem-lhes nas mãos, criam políticas sociais para beneficiar, segundo eles, claro, os idosos, isto é, as passagens de ônibus gratuitas para os velhinhos desocupados. E ai dos empresários se eles reclamarem. Se reclamam, os políticos implementam, no setor, regras que os prejudicam, tais como aumento de alíquotas de impostos, inventam impostos, e deles disseminam imagem negativa, de capitalistas inescrupulosos, sórdidos, insensíveis aos sofrimentos dos velhinhos malucos, que, coitados, mal têm dinheiro para comprar o feijão-com-arroz de todo dia.

ENTREVISTADOR: Entendi, senhor candidato. Então o senhor, senhor candidato, irá implementar, no setor de transporte de pessoas, uma política que beneficiará de fato os idosos, e não supostamente; isto é, o senhor reduzirá os impostos para os empresários do setor, criará regras que favoreçam a concorrência...

NULO DA SILVA: Você é burro, demasiadamente burro.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: Você é um asno.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: Você tem cabeça de lesma e inteligência de caramujo.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: No lugar do cérebro você tem paçoca.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: Você é um intelejumento.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: Você quer que eu dê um tiro no meu pé? Eu criarei normas para dificultar a vida dos empresários do setor de transporte de pessoas, para encarecer o serviço, e os empresários me solicitarão subsídios, e eu lhos concederei, e estenderei o alcance das garras da prefeitura, e ampliarei os programas de gratuidade de passagens para os velhinhos... Enfim, ganharei dividendos políticos com a desgraça alheia. E serei aplaudido, ovacionado. Para muita gente serei um benfeitor.

Nota: O entrevistador perdeu as estribeiras, e, os nervos à flor da pele, levantou-se da cadeira, e avançou, como um touro desembestado, na direção do senhor Nulo da Silva, que sorria, vitorioso, ao vê-lo tão irritado e descomposto, e enviou-lhe um beijinho de desprezo. Interceptamos o entrevistador, impedindo-o de pular sobre o senhor Nulo da Silva. Foi um Deus nos acuda!

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 25/10/2020
Código do texto: T7095609
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