Nulo da Silva, candidato a prefeito - entrevista - parte 6 de 10 - publicado no Zeca Quinha Nius

Deus acudiu-nos! Não se engalfinharam o entrevistador e o senhor Nulo da Silva, candidato a prefeito pelo Partido Extraordinário de Inteligentes Democratas e Eminentes Intelectuais (PEIDEI – mas não fui eu). Após contermos o decomposto e enraivecido entrevistador, e persuadirmos o senhor Nulo da Silva a tratá-lo com mais civilidade, pudemos dar sequência à entrevista. E ao senhor Nulo da Silva perguntou o entrevistador:

ENTREVISTADOR: Quais são as políticas, senhor candidato, que, se implementadas, beneficiarão o povo?

NULO DA SILVA: Antes de responder à pergunta, digo: Sei quais são, e não as implementarei, pois elas não me trazem dividendos políticos.

ENTREVISTADOR: Mas, senhor candidato, se o senhor não as implementa, perde apoio popular.

NULO DA SILVA: Esforço-me para não ofender você. Quero, do fundo do meu coração, ver em você uma pessoa inteligente, mas diante de mim só há um asno.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: Não implementarei as políticas que beneficiam, de fato e não supostamente, o povo, por duas razões: Não ganho dividendo políticos, isto é, não obterei apoio de outros políticos e organizações que me financiam, e potenciais financiadores; e o povo não tem opções: ou votam em mi, ou em políticos, que se dizem meus adversários, que implementam, mesmo que não o digam com a franqueza com que eu o faço, políticas, não direi semelhantes, idênticas às minhas. O povo não sabe que vota não importa em quem vote, sempre a favor da mesma política, que o oprime. Desviamo-nos da pergunta que você me fez; retomo-a, e dou-lhe a resposta. Eu sei quais políticas beneficiam o povo, e apresento uma pequena lista com elas: redução dos impostos, da burocracia estatal e de regulamentos; respeito à propriedade privada; a criação de mecanismo, na área educacional, que concedam aos professores irrestrita liberdade para, cada qual, criar os seus métodos pedagógicos, e, o mais importante, o essencial, incutir, na cabeça de cada pessoa, o respeito por si mesmo, instigando-o a fazer uso da sua inteligência para seu próprio benefício e da sociedade, em vez de desestimulá-lo a agir por si mesmo, e induzi-lo a jamais tomar uma iniciativa a respeito da sua própria vida e a recorrer ao estado para obter benesses: creche de graça, escola de graça, tratamento médico de graça, remédios de graça, passagens de ônibus de graça, meia-entrada no cinema, e inúmeras outras.

ENTREVISTADOR: E por que o senhor não implementará as políticas que beneficiam o povo, se sabe quais são?

NULO DA SILVA: Eu e muitos políticos sabemos quais políticas beneficiam o povo, mas não as implementamos porque não queremos atirar nos nossos próprios pés. E há políticos que não sabem quais políticas beneficiam o povo, pois são burros e incultos, e, mesmo que sejam intencionados, implementam as políticas que prejudicam o povo, certos, mas estão errados, de que o beneficiarão.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: E entenda o seguinte, senhor entrevistador: Eu, um político, quero o controle da economia, da educação, da cultura, da política, enfim, quero controlar, governar o povo; e para o sucesso do meu projeto, o de governar o povo, tenho de impedi-lo de ser livre, e conheço duas maneiras de obter o que desejo: Os métodos violentos, apontando um canhão de tanque de guerra para a cabeça de cada cidadão; e os métodos suaves, controlando as fontes de informações, as manifestações culturais, e o pensamento e o comportamento de todos via um sistema educacional que a todos emburrece, e dissemina mentiras históricas. Assim, consigo apresentar-me ao povo como um benfeitor; e como benfeitores aqueles que o beneficiam: os empresários, a Igreja, a família, a sociedade.

ENTREVISTADOR: Intelectuais, segundo estudos recentes, e pesquisas, apontam o capitalismo como a causa de injustiças sociais e do aquecimento global, as indústria automobilística como vilã, e a indústria tabagista...

NULO DA SILVA: Não seja tolo, meu amigo. Quem financia as pesquisas? O capitalismo produziu, de 1900 até hoje, riqueza imensurável; todos sabemos que o socialismo produz miséria e sofrimento...

ENTREVISTADOR: Mas o sistema capitalista produz injustiça...

NULO DA SILVA: O capitalismo, melhor, o livre-mercado, não é perfeito; seres humanos o movimentam, então, comete injustiças. É compreensível, mas é o próprio livre-mercado que tem as ferramentas para se corrigir, e não os governos.

ENTREVISTADOR: Mas a família, que é patriarcal...

NULO DA SILVA: Papo furado, bestalhão. A família é o alicerce da sociedade. E todos os políticos sabemos disso. Destrua-a, e estará aniquilada a sociedade, e produzirá o caos, e a convivência entre as pessoas será impossível. E estará instituído o inferno na Terra.

ENTREVISTADOR: E as religiões...

NULO DA SILVA: As religiões! Você foi lobotomizado pelos progressistas.

ENTREVISTADOR: O senhor, senhor candidato, não é progressista, da esquerda? Então...

NULO DA SILVA: Então o que, cara pálida!? Sou progressista e esquerdista por conveniência. Ao defender políticas progressistas e esquerdistas, e confundem-se estas com aquelas, e aquelas com estas, obtenho dividendos políticos, e sobrevivo neste ecossistema onde vivem apenas os mais aptos, isto é, os psicopatas.

ENTREVISTADOR: Mas...

NULO DA SILVA: Mas você tem de assinar o seu atestado de alforria, escravo. Retomando a questão da religião, saiba que não haveria a civilização se não houvesse religiões, o judaísmo, o cristianismo, o islamismo, o xintoísmo, o budismo estão na origem das civilizações. E não condene a Igreja Católica, que erigiu uma civilização, e retirou os humanos de um estado de selvageria, de barbárie, elevando-os à condição de uma espécie superior, grandiosa. E não se deixe seduzir pelas campanhas difamatórias, que pintam a Igreja como a fonte de todo o mal que grassa na Terra.

ENTREVISTADOR: Então, o senhor, senhor candidato, apóia a Igreja?

NULO DA SILVA: Claro que não! Eu a exploro em meu benefício. Concedo-lhe alguns favores, para que ela coma nas minhas mãos, e a difamo, e abertamente, nos meus jornais, nas minhas revistas, nas minhas rádios. E se eleito prefeito, usarei os recursos púbicos para intensificar os ataques à Igreja, afinal, se fraca, débil, impotente, ela desmorona, e o povo fica ao deus-dará, e, angustiado, deprimido, desesperançoso, carecerá de arrimo espiritual, e eu lho oferecerei, mas, não o farei, digo, antecipando-me à uma pergunta, que você porventura pensou em me fazer, eu oferecerei, prossigo, ao povo, conforto material, e conselhos, que o afastem ainda mais dos princípios religiosos, e o domino, criando, nele, dependência por mim.

ENTREVISTADOR: O senhor é maquiavélico.

NULO DA SILVA: Eu sei. Você me elogia uma vez mais.

ENTREVISTADOR: Diabólico!

NULO DA SILVA: As suas palavras aos meus ouvidos são sinfonias.

ENTREVISTADOR: Pervertido!

NULO DA SILVA: Prossiga.

ENTREVISTADOR: Nefasto! Sórdido! Calhorda!

NULO DA SILVA: Prossiga. Prossiga.

ENTREVISTADOR: Desprezível!

Nota: É digno de nota o contraste entre o semblante alterado do entrevistador indignado e o semblante sereno do regozijado senhor Nulo da Silva. Pareceu-nos que este estava no céu, e aquele no inferno.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 26/10/2020
Código do texto: T7096384
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