Nulo da Silva, candidato a prefeito - entrevista - parte 7 de 10 - publicado no Zeca Quinha Nius

Publicamos mais um trecho da entrevista que nos concedeu o senhor Nulo da Silva, candidato a prefeito pelo Partido Extraordinário de Inteligentes Democratas e Eminentes Intelectuais (PEIDEI – mas não fui eu).

ENTREVISTADOR: Qual será a sua política educacional, senhor candidato, se eleito prefeito?

NULO DA SILVA: Melhorarei as estatísticas.

ENTREVISTADOR: O senhor pode esclarecer... Melhorar as estatísticas... O que o senhor quer dizer com melhorar as estatísticas?

NULO DA SILVA: Melhorar as estatísticas quer dizer melhorar as estatísticas.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: Não se irrite, senhor entrevistador. Eu queria irritar você. E você se irritou. Mas não se irrite. Melhorar as estatísticas!? O que quer dizer melhorar as estatísticas? A sua pergunta diz respeito à educação, então... Pense, burro asnático. Pense. Então, as estatísticas referem-se à educação. E quais são as estatísticas na área educacional que se costuma divulgar? A da evasão escolar, a repetência e as avaliações.

ENTREVISTADOR: E como o senhor irá melhorar tais estatísticas?

NULO DA SILVA: Que falta de imaginação, jornalistazinho lobotomizado de cérebro repleto de caraminholas progressistas e patranhas esquerdopatas! Sabe-se, é público e notório: No Brasil são altas as taxas de evasão escolar e a de repetência, e baixas as notas dos alunos nas avaliações de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia; enfim, em todas as disciplinas, o desempenho dos alunos brasileiros é sofrível. E não sou eu quem digo isso. São institutos nacionais e internacionais de avaliação.

ENTREVISTADOR: E o que o senhor propõe para alterar o cenário educacional brasileiro?

NULO DA SILVA: Farei o mais fácil, que é mais visível, e ao que políticos, intelectuais e mídia dão destaque, isto é, reduzirei as taxas de evasão escolar, e a de repetência, e melhorarei o desempenho dos alunos nas sabatinas, como se dizia antigamente.

ENTREVISTADOR: E como será a política?

NULO DA SILVA: Você não tem imaginação, mesmo. Como se reduz a taxa de evasão escolar? Como se reduz a taxa de repetência? Como se melhora o desempenho dos alunos nas provas? Para a primeira pergunta, respondo: Todos os professores serão obrigados a dar, nas aulas, como presentes todos os alunos, e quando eu digo todos os alunos incluo os ausentes. Para a segunda pergunta, respondo: Todos os professores serão obrigados a fazer tudo ao seu alcance para evitar a repetência de alunos.

ENTREVISTADOR: Irão ministrar-lhes aulas de reforço?

NULO DA SILVA: Não. Pra quê? Os professores entregarão duas folhas, no dia das provas, para os alunos, uma, com as perguntas; outra, com as respostas. E orientará os alunos. Para que ninguém desconfie dos professores, que usarão de tal artifício, os alunos, respondidas as perguntas, entregarão as duas folhas aos professores, que queimará as folhas que têm as respostas.

ENTREVISTADOR: Haverá suspeitas, se todos os alunos responderem corretamente todas as questões.

NULO DA SILVA: Que falta de imaginação, senhor entrevistador. Eu já pensei nisso. O professor ou combinará com os alunos, orientando-os a escreverem, para duas ou três perguntas, respostas errada, a critério de cada aluno, ou, na folha de respostas, incluirá algumas respostas erradas, não as mesmas para todos os alunos; como esta opção é muito trabalhosa, embora mais engenhosa do que a primeira, é provável que adotemos a primeira.

ENTREVISTADOR: E se algum aluno contar para os pais...

NULO DA SILVA: Ai! Meu Deus do céu! Dai-me paciência. Tenho de explicar tim-tim por tim-tim para esta anta! Nenhum aluno dará com a língua nos dentes. Com tal pergunta você prova-me que desconhece o que se passa nas salas-de-aula. Os alunos formam um público cativo dos professores, que não são por eles questionados, e injetam-lhes cabeça adentro todas as idéias que desejam. E se os alunos questionarem o professor, este lhes dirá: “Querem fazer uma prova bem difícil para tirar zero? E vocês terão de apresentar o boletim para seus pais, que... O que os seus pais dirão para vocês, se abrirem o boletim, e só verem notas zero?” Qual aluno, ao ouvir tal ameaça, ousará desafiar o professor, senhor entrevistador? E, antes que você me pergunte, os pais não verão nada de estranho ao ver só notas azuis, e nenhuma vermelha, nos boletins escolares de seus filhos; eles abrirão um sorriso de felicidade, de uma orelha à outra, contentíssimos, certos de que seus filhos são estudiosos, e têm futuro brilhante, e espalharão a notícia nos quatro cantos do universo. E os alunos irão de uma série para a outra, e para a outra, e para a outra, e, após longa ornada estudantil, serão agraciados com o tão suado diploma. O que eles aprenderão? Nada. Todavia, estarão felizes, pois têm diploma para ostentar. E quem deseja saber o que os professores ensinaram e o que os alunos aprendem? Felizes os alunos, que ganharão diploma, os professores que veem diplomados os seus pupilos, e os pais, olhos brilhando de alegria, o diploma à mão dos filhos. E a harmonia está estabelecida. Felizes, os pais nada encontrarão de errado. E por que encontrariam algo de errado nos seus “filhos estudiosos”? Ocupados com os seus afazeres diários, trabalhando do nascer até o pôr do sol para ganhar o dinheiro para comprar o arroz-e-feijão de todo santo dia, e sendo que muitos dentre eles são analfabetos e semianalfabetos, não se ocuparão em pôr à prova seus filhos.

ENTREVISTADOR: Muito maquiavélico.

NULO DA SILVA: Grato!

ENTREVISTADOR: E quanto à terceira pergunta: Melhorar o desempenho dos alunos.

NULO DA SILVA: As respostas que dei às duas primeiras respondem à terceira.

ENTREVISTADOR: E se os alunos participarem de avaliações nacionais e internacionais...

NULO DA SILVA: Proibirei as inscrições de alunos do sistema de educação municipal em tais avaliações, ou, então, apresentarei as notas dos alunos, os boletins, para persuadir os representantes dos organismos nacionais e internacionais do alto desempenho dos alunos. Usarei de todo o meu arsenal de floreiros oratórios, que é inexaurível, para persuadi-los do que digo.

ENTREVISTADOR: E se não os persuadir?

NULO DA SILVA: Caso eu não possa contornar a situação, e evitar a inscrição de alunos deste município, nas avaliações que não estão sob o meu controle, terei de improvisar um artifício, ou selecionar para as provas apenas os alunos que escaparam da influência da minha política, e apresentá-los às provas, dando-os como espécimes comuns.

ENTREVISTADOR: E qual objetivo o senhor pretende atingir com tão nefasta política?

NULO DA SILVA: Qual objetivo, não; quais objetivos, sim. E por que você me pergunta, em tom de censura e indignação, que objetivo pretendo atingir? Atingirei dois objetivos, que por outros meios outros políticos já os atingiram.

ENTREVISTADOR: Quais?

NULO DA SILVA: Emburrecer e idiotizar o povo; e granjear reputação de político competente e dedicado à instrução do povo.

ENTREVISTADOR: É mentira que outros políticos já tenham atingido tal objetivo.

NULO DA SILVA: Mentira, anta? Você, educado, ou melhor é dizer deseducado?, você, já emburrecido e idiotizado, não está em condições de avaliar o mal que a você fizeram, nas escolas.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: Vamos a um lanchinho, para recompor as energias cerebrais. Antes, porém, digo: Por que eu instruiria o povo? Por que eu iria oferecer ao povo ferramentas para ele usá-las, depois, contra mim? Para que torná-lo culto, e capaz de pensar com a própria cabeça? Para ele me contestar, e, consequentemente, pôr-me em maus lençóis? Olhe para a minha testa. Nela está escrito idiota? Os políticos emburrecemos o povo para dominá-lo.

Nota: O entrevistador levantou-se, abruptamente, e retirou-se, a passos pesados, da sala, e bateu a porta. E sorria o senhor Nulo da Silva...

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 27/10/2020
Código do texto: T7097182
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.