Nulo da Silva, candidato a prefeito - entrevista - parte 9 de 10 - publicado no Zeca Quinha Nius

Satisfeita a gula, o senhor Nulo da Silva, candidato a prefeito pelo Partido Extraordinário de Inteligentes Democratas e Eminentes Intelectuais (PEIDEI – mas não fui eu) regressou à sala de entrevistas, onde o entrevistador, apático, seguia a olhar o vazio desde o momento em que da sala retirara-se o senhor Nulo da Silva. O senhor Nulo da Silva sentou-se na cadeira que lhe estava reservada, e aguardou o entrevistador emergir da letargia em que mergulhara minutos antes. Decorridos alguns minutos, o entrevistador, imóvel, alheado, a olhar o vazio, o senhor Nulo da Silva levantou-se, foi até ele, e sapecou-lhe um tapa na nuca:

NULO DA SILVA: Acorde, besta!

ENTREVISTADOR: Hã! Quê! É o senhor, senhor candidato?

NULO DA SILVA: Não, bronco. É o papa Chiquinho, o metido à pobretão.

ENTREVISTADOR: Onde estávamos?

NULO DA SILVA: Você estava aqui; eu, na outra sala, fazendo uma boquinha.

ENTREVISTADOR: Não... É... Quero dizer... A entrevista. Em que ponto estávamos, na entrevista?

NULO DA SILVA: No ponto em que moí o seu cérebro com a revelação de verdades que você não deseja conhecer.

ENTREVISTADOR: Então...

NULO DA SILVA: Então, eu darei as cartas neste atual trecho da entrevista, pois já vi que você está num estado de total alheamento mental, e não tem condições de apresentar-me uma pergunta sequer.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: Falávamos da política dos políticos. Que frase esclarecedora! Os políticos, como eu dizia, senhor perguntador, entregam ao povo muitas benesses, após, claro, não podemos ignorar, e nem esquecer, surrupiarem-lhe boa parte da riqueza que ele cria com o suor do próprio rosto. Década após década, geração após geração, enfia-se, na cabeça do povo, idéias, que lhe debilitam a fibra, e o fazem abandonar o desejo de viver, plenamente, a vida, e a perder a vontade de lutar em defesa de seus próprios interesses. E como se faz isso? Com a inserção sub-reptícia, sorrateira, de valores que lhe são prejudiciais, persuadindo-o a adotá-los, e contra ele mesmo, contra seu bem-estar, até criar um consenso, que é falso, artificial, acerca de todas as questões, em especial da moral, que deixa de ser a antiga, a milenar, a universal, e passa a ser a nova, a moderna, a politicamente correta, enfim, a comunista. Enfim, o resultado de tal política é a acefalia do povo, que perde critérios para avaliar as coisas da vida; cria-se, assim, uma cultura amorfa, tola, desprovida de substância moral.

ENTREVISTADOR: É tão simples assim?

NULO DA SILVA: Não. Aparentemente é simples. Mas não é, daí a necessidade de muita paciência, e décadas de ininterrupta propaganda comunista, que nem sempre está abertamente apresentada como comunista, mas como democrática, em defesa da justiça social, e dos direitos dos trabalhadores, das mulheres, dos homossexuais, e hostis ao Ocidente, apresentadas de modo a impedir que os ocidentais percebam que são o alvo dos ataques e a induzi-los a adotar os novos valores como se fossem seu próprios, e não dos seus inimigos.

ENTREVISTADOR: E...

NULO DA SILVA: E, também, com a ampliação dos poderes do Estado. Aumenta-se o setor público, contratando muita gente, inchando o Estado, que desperdiça bilhões e bilhões de recursos públicos; e para manter a burocracia estatal em pleno funcionamento, isto é, desperdiçando dinheiro público, cobra-se impostos, e muitos impostos, do povo, que sempre paga a conta.

ENTREVISTADOR: Ciente de que a ampliação dos gastos públicos prejudica o povo, o senhor os reduzirá?

NULO DA SILVA: Você despertou, mas ainda continua a ser uma anta, a mesma de sempre.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: Claro que não reduzirei os gastos públicos. Se eu o fizer perderei apoio político daquelas organizações que me sustentam e me apóiam.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato...

NULO DA SILVA: Você ainda não despertou. Sua voz, tatibitate. Uma das ferramentas, e muito eficaz, de opressão é a socialização das pessoas, forçada, diga-se, desde os primeiros anos escolares. Os alunos não aprendem matemática, língua portuguesa, história; aprendem a socializar-se, e jamais a respeitar a sua própria individualidade. Censura-se a introspecção; louva-se a extroversão. Ser um indivíduo, único, autêntico, é censurável; todos têm de pertencer ao grupo, submeter-se ao grupo.

ENTREVISTADOR: Eu nunca havia pensado nisso.

NULO DA SILVA: Não me surpreende. E digo: O povo só aprende a ouvir discursos, e jamais a avaliá-los, e tampouco é instruído a conceber o que se passa nos bastidores, e a detectar identidade entre o teor dos discursos e a prática daqueles que discursam.

ENTREVISTADOR: É verdade.

NULO DA SILVA: Enfim, parece-me, o seu cérebro está adquirindo consistência. E digo: O assassinato de reputações de pessoas honestas, de fibra, de moral ilibada é uma arma extraordinariamente poderosa; destrói quem tem coragem, e desmoraliza quem o apóia e o defende. É tiro e queda.

ENTREVISTADOR: Sei...

NULO DA SILVA: Você ainda está tonto. Metade de seu cérebro continua a ser inteiramente de paçoca; a outra metade começa a adquirir consistência. Há... Direi as últimas palavras deste trecho da nossa entrevista, para, depois de mais uma boquinha, encerrarmo-la.

ENTREVISTADOR: Já estamos no final?

NULO DA SILVA: Esta é a penúltima parte; a próxima será...

ENTREVISTADOR: A última?

NULO DA SILVA: Gênio! O seu cérebro está funcionando. Digo, para encerrarmos esta parte da entrevista: Consultarei o povo só quando eu tiver a certeza de que ele me apoiará em minhas políticas; do contrário, sancionarei uma lei, que atende os meus interesses e os daqueles que me financiam e me sustentam, de modo que o povo jamais saiba o que fiz; e para ser bem-sucedido, conto com a mídia, que é chapa-branca. Outro ponto muito importante, essencial para a manutenção do meu poder, e da classe política, é conservar o simulacro de debate, de oposição entre eu e meus adversários. A oposição entre eu e eles se passa no proscênio de um teatro. E o que se passa nos bastidores? Só quem está lá sabe. Há unidade ideológica na pluralidade de partidos. O povo não sabe identificar a essência dos partidos políticos; deles só vê os logotipos e as siglas, e dos políticos ouve os discursos; e assiste às propagandas. E para arrematar: Eu sou sincero. Se não gosta o povo de um político sincero, que vote nos insinceros, que implementarão as mesmas políticas que eu disse que irei implementar. Meus adversários dizem que irão fazer o oposto do que farei, mas farão o mesmo. Vote no Nulo da Silva, candidato a prefeito pelo PEIDEI - mas não fui eu. Para muita gente, votar no Nulo é o mesmo que jogar o voto na lata de lixo. Cá entre nós, é preferível jogar o voto na lata de lixo do que na rede de esgoto.

Nota: O senhor Nulo da Silva levantou-se da cadeira, deu um tapa na nuca do entrevistador, então petrificado, tirando-o de sua imobilidade, e puxou-o, pelas mãos, levantando-o. E ambos rumaram, o senhor Nulo a gargalhar e o entrevistador a rir constrangido, para a sala contígua, para um lanchinho.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 29/10/2020
Código do texto: T7099208
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