Entrevista com o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito - parte 2 de 5 - publicada no Zeca Quinha Nius

ZERO À ESQUERDA: Antes de falar das minhas propostas de governo, digo que elas são minhas, e não dos outros dois candidatos, concorrentes meus à cadeira de prefeito, que é minha por direito divino. Se o povo se negar a me eleger seu governante; se o povo decidir negar-me o que é meu; se o povo não entender que as minhas propostas de governo são melhores do que às dos meus dois concorrentes, e decidir eleger prefeito um deles, e não eu, dará provas cabais de que não tem cérebro, de que tem, no interior da caixa craniana, uma substância fétida. E repito: São minhas as minhas propostas; minhas, e de mais ninguém. E que isso fique claro, bem claro. Não admito que me tirem o que é meu por direito divino. As minhas propostas de governo eu as pensei tendo em mente o bem-estar do povo que irei governar, povo incapaz de assumir responsabilidades, povo inculto, insensato e estúpido, que, talvez, tenha, no dia da eleição, um lampejo de sabedoria, e eleja-me seu governante; e caso o povo não seja agraciado, por um instante que seja, com a virtude da sabedoria, que seja governado por um dos meus dois adversários, tipinhos patéticos e ridículos.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, uma das suas propostas de governo contempla a proibição de venda de melancia com mais de cinquenta sementes. Fale-nos um pouco dela.

ZERO À ESQUERDA: Você está me pedindo para falar da melancia, ou da minha proposta de governo?

ENTREVISTADOR: Da sua proposta de governo.

ZERO À ESQUERDA: Não seja ambíguo. Faça-me perguntas claras e diretas, sem duplo sentido. Se é seu desejo solicitar-me informações acerca de uma das minhas propostas de governo, digne-se a dirigir-me uma pergunta objetiva, sem usar de termos que produzem ruídos na comunicação, prejudicando-a. Eu não gosto de perder meu tempo, e tampouco fazer com que as pessoas percam o tempo delas, seja o tempo delas muito, ou pouco, ou nenhum.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, a sua proposta...

ZERO À ESQUERDA: Eu não me esqueci da pergunta que você me fez. Se você, ao me chamar a atenção para a minha proposta, a respeito da qual antes de você, me perguntando, chamar-me atenção para ela, proposta que diz respeito à proibição de venda de melancia com mais de cinquenta sementes, teve a intenção, e sei que foi a sua intenção, de se fazer de importante e superior, e de me humilhar, dando a entender que eu tenho deficiências de memória, saiba que entendi o que você fez, e que, se eleito, eu darei um fim à sua carreira de jornalista e às atividades do jornaleco para o qual você trabalha.

ENTREVISTADOR: Trabalho para um hebdomadário digital, e não para um jornal.

ZERO À ESQUERDA: Não me interessa para que tipo de imprensa você dedica o seu tempo e a sua pouca inteligência. Não me interessa! Você me faltou com o respeito. E de você exijo retratação. Caso você se negue a se retratar, processarei o jornaleco que a você paga pelos seus serviços de gentinha estúpida.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, eu não posso me retratar: Não sou fotógrafo.

ZERO À ESQUERDA: Não se faça de desentendido, paspalho.

ENTREVISTADOR: Eu não faltei, senhor candidato, com respeito ao senhor. Ao insistir na pergunta acerca da sua proposta, eu quero apenas manter o foco, do qual o senhor afastava-se.

ZERO À ESQUERDA: Você está me dizendo, zé-mané, que eu sou desfocado?

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, entenda...

ZERO À ESQUERDA: Já entendi, zero à esquerda.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, zero à esquerda é o senhor.

ZERO À ESQUERDA: Não permito trocadilhos com o nome da minha família, nome de uma família de nobres, de pessoas renomadas, decentes, que muitos bens fizeram ao povo, povo ingrato, desta cidade, povo que, segundo a mais recente pesquisa de intenções de voto, irá eleger seu governante um dos meus dois oponentes. Retrate-se, inútil!

ENTREVISTADOR: Inútil, senhor candidato, é um dos outros dois candidatos.

ZERO À ESQUERDA: Verme! Você insiste em me faltar com o respeito que me deve!? Se prefeito, irei regulamentar as atividades jornalísticas, aqui, nesta cidade, e dar cabo de você e de tipinhos iguais a você, para, assim, melhorar a nossa decadente democracia. Você e outras espécimes da sua raça são tumores cancerígenos metastáticos a matar a Liberdade, a Justiça e a Democracia.

Neste momento, o senhor Zero à Esquerda, visivelmente alterado, bufando de raiva, com o dedo em riste no nariz do entrevistador, fuzilando-o (o entrevistador - e também o nariz dele) com seu olhar furibundo, levantou-se da cadeira, pronto para desfechar uma saraivada de impropérios, e catilinárias e filípicas, e maldições, contra o entrevistador e toda a equipe do Zeca Quinha Nius, o maior e melhor hebdomadário digital do orbe terrestre; a tempo, contivemo-lo de descarregar a catadupa de ofensas e palavrões antevista pelo nosso sempre atento editor-chefe e chefe do editor do Zeca Quinha Nius, e seu primeiro e único fundador, o senhor Zeca Quinha.

Já acalmado dos nervos o senhor Zero à Esquerda e orientado por nós o entrevistador, retomamos a entrevista.

ZERO À ESQUERDA: Uma das minhas preciosas propostas de governo, e é minha a proposta, e de nenhum dos meus concorrentes, e não admitirei, em hipótese alguma, que eles ma roubem, consiste na proibição de venda de melancia com mais de cinquenta sementes, e não apenas proibirei a venda de melancia com mais de cinquenta sementes; proibirei, também, a compra de melancia com mais de cinquenta sementes. Eu não faço só a metade de um trabalho; eu o faço por inteiro.

Na próxima edição do hebdomadário digital Zeca Quinha Nius, o maior e melhor do orbe terrestre, publicaremos a terceira parte da entrevista que o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito, nos concedeu.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 04/11/2020
Código do texto: T7103692
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