PENSÃO ALIMENTÍCIA PODE MATAR (CONFISSÃO)

Senhor juiz! Sou enfermeira e meu ex-marido é mecânico de automóvel. Permita-me dizer-lhe que casei ainda menina, no entusiasmo, sem o mínimo preparo.

A vida no começo foi difícil, mas nos amávamos e fomos superando todos os problemas. Tivemos três filhos seguidos.

Entretanto, lentamente, ele começou a mudar. Aos poucos passei a sentir que o tratamento que me dispensava não era o mesmo de antigamente, o carinho desapareceu, passou a chegar tarde da noite e às vezes nem vinha dormir em casa.

Até o dia em que desapareceu de vez. Levei duas semanas para encontrá-lo. Ele desculpou-se, mas disse que estava bem e não voltaria.

Mas nossos filhos?

Você que é a mãe deles, respondeu. Um deles ainda mama e eu não tenho leite. É sua obrigação cuidar deles.

Nossa separação judicial foi traumática. E a fixação dos alimentos no patamar mínimo, pois nunca fiquei sabendo quanto ele realmente ganhava.

Mas isso não é tudo meritíssimo. Ele nunca pagou certo. Eu até acho que sou a campeã das ações de alimentos. Nestes quatro anos que estamos separados tive que propor vinte e duas ações para receber alguma coisa.

Cumpro um verdadeiro rosário. Hoje ele tem a sua oficina mecânica própria. E tenho certeza que poderia ajudar a criar seus filhos. Mas é liso como a peste. Diz que não ganha quase nada e está sempre com dívidas. Mas encontro-o todas as noites nos bares gastando o que tem com bebida e sempre acompanhado de alguma vagabunda.

Tem também um carro tipo esporte, muito incrementado, para rodar adoidado nas madrugadas.

Foi então que soube que o Roberto tinha se ferido gravemente num acidente com seu carro. Não me surpreendi, pois ele costumava participar de rachas com outros malucos como ele.

Resolvi procura-lo no hospital. Não pude vê-lo porque estava na UTI. E ali passou duas semanas entre a vida e a morte porque quebrara quase todos os ossos.

Consegui visitá-lo vinte dias após. Estava imobilizado na cama, pendurado e amarrado em talas e dele só se viam os olhos.

“- Você me ouve, cafajeste? Parece que recebeu a lição que merecia. Disseram que você já está fora de perigo. Só vai ficar um pouco torto. Volto semana que vem. E trarei as crianças para lembrar do pai.

Deixei-o entalado como o encontrei. Mas, em casa mudei de idéia. Porque comecei a arquitetar um plano para vingar-me de quatro anos de canseira forçada.

Dois dias depois, entrei no hospital disfarçada de médica. Carregando maleta e com estetoscópio pendurado no pescoço.

Passei pela sala de enfermagem. - Boa tarde. Sou a doutora Sueli e vim visitar meu paciente Roberto no quarto 72. Obrigado.

Entrei. Ele arregalou ainda mais os olhos grandes quando me viu de branco.

Aproximei-me dele e sussurei-lhe no ouvido.

Beto. Devo pedir-lhe desculpas pelo que vou fazer, mas acho que chegou sua hora.

Retirei da maleta uma seringa e duas ampolas.

Pensei bastante e resolvi ministrar-lhe esses dois medicamentos. Um deles o fará dormir como um anjo. Mas o segundo fará com que seu coração de malandro pare de bater.

Ele começou a se debater e a resmungar. O pouco que conseguia, porque estava firmemente preso na cama e aparelhos.

Veja! Você não sentirá absolutamente nada. Nem a picada, pois vou injetar essa droga aqui na base do soro.

E efetivamente fiz isso.

Ele se debatia como louco.

Sabe Betão. Você nunca quis pagar a pensão dos seus filhos. Mas com você morto eles receberão religiosamente sua aposentadoria. Até a maioridade. Você não acredita?

Calma! Não se afobe! Tranquilize-se! Nada mais poderá ser feito porque as drogas já estão circulando no seu sangue.

Logo você começará sentir uma leve sonolência e irá dormir. Não morrerá de estilingada, mas morrerá como um passarinho. Sem sentir nada.

Entretanto eu acho que você não vai virar anjo. Nem subir. Mas descer. Porque seu lugar será o inferno!

Aos poucos seus olhos foram fechando e ele parou de resistir.

Beto! Você ainda me ouve? Saiba que seus filhos agradecem. Agora devo deixá-lo. Desejo-lhe bons sonhos.

Tomei-lhe o pulso e auscultei seu coração. E saí do quarto. Passei pelas enfermeiras.

“-Ministrei uma medicação forte no Roberto do quarto 72 e ele irá dormir até amanhã cedo. Logo pela manhã estarei de volta. Obrigado.

E retirei-me.

Excelência perdoe-me contar-lhe agora, os motivos pelos quais não devo ser condenada.

Primeiro porque ele não morreu. Na realidade apenas apliquei-lhe um forte sonífero e ele acordou revigorado no dia seguinte. Quis apenas dar-lhe um susto. E consegui fazer isso.

E sabe, meritíssimo, que deu certo? Quando saiu do hospital imediatamente veio ver as crianças, aumentou generosamente a pensão, paga pontualmente, faz questão de visitá-las toda semana e não deixa faltar nada. Só não dá de mamar porque eles não estão mais na idade.

Chegou até a pedir para voltar a viver comigo!

Recusei, claro. Já tenho três crianças. Não agüentaria cuidar de quatro!