A triste e hilária estória de Frei Bento

Já devem conhecer esta estória, contada popularmente como uma anedota. Mas em vista do seu significado, não resisti recontá-la na forma de um pequeno conto.

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Frei Bento era um exemplo de humildade, bondade e simplicidade. Desde menino a vocação religiosa lhe fora nítida, e dedicou toda sua vida ao trabalho junto aos pobres e sofredores dos arrabaldes, não medindo esforços para consolá-los e encorajá-los, para tanto passando ele mesmo por muitas privações.

Até que, velho, cansado e sábio, a morte o envolveu com seu inclemente e imparcial abraço.

Justiça lhe foi feita, e à porta do firmamento aguardava-o o igualmente bondoso e sereno Pedro, que o acolheu muito afetuosamente.

─ Salve, salve querido Frei Bento! Seja bem-vindo às plagas celestiais. Ainda queríamos que ficasse mais um tempo a praticar o bem na Terra, mas seu tempo de penitência já se cumpriu. Já era hora de vir ter cá conosco.

Ainda um tanto desnorteado com o que lhe parecia um irreal sonho, Frei Bento mal balbuciou algo em resposta:

─ Salve, salve... Estou mesmo onde estou pensando que estou?

─ Está sim, e estou aqui para guiá-lo à sua nova moradia neste nosso mundo. Vamos lá?

E Pedro conduziu Frei Bento primeiro através do portal luminoso que se erguia à frente deles, depois por verdejantes campos e bosques com riachos de águas cristalinas e exóticas aves, até chegarem a uma estação de trem muito moderna, o frei nunca vira alto tão sofisticado. Embarcaram no trem e por ele, em alucinante velocidade, chegaram a uma cidade, penetraram-na até o centro, e lá desembarcaram.

Logo ao desembarcarem, Frei Bento notou uma majestosa mansão no alto de uma colina, contrastando com as casas confortáveis mas mais simples situadas à sua volta. Constrangido perguntou:

─ É a casa do... do... responsável por este local?

─ Não, não. O senhorio habita outra dimensão, ou outra cidade, como queira. Aquela ali é a casa de nosso advogado. É ele quem cuida de nossas pendengas. Ultimamente temos sido acusados de muitas embrulhadas lá na Terra.

─ Ah...

E foram seguindo, afastando-se da estação e do centro da cidade. Frei Bento notou que, tal como na Terra, à medida que caminhavam as casas iam ficando menores e mais simples, até tornarem-se habitações muito humildes, bem como nas periferias das grandes cidades que conhecera. Já quase ao fim da cidade, pararam em frente a uma daquelas casinhas, e Pedro anunciou:

─ Aqui está, frei. Esta é sua moradia neste nosso mundo. Esperamos que goste!

Ainda um tanto embaraçado, o santo frei encontrou coragem para perguntar:

─ Mas... mas... Tem certeza que é esta a moradia que me é destinada? Toda minha vida dediquei aos pobres e sofredores, sem nunca pedir nada em troca...

Pedro consultou a planilha que trazia à mão e respondeu com segurança:

─ É aqui mesmo! Esta casa é vizinha a outras casas com religiosos que tiveram vida dedicada ao consolo dos mais sofridos, bem como foi a sua. Vai se dar bem com sua vizinhança.

Contendo uma indignação que não lhe era comum, Frei Bento ainda questionou:

─ Mas... por favor! Pode explicar-me uma coisa: como é que os religiosos que tiveram uma vida de dedicação e sacrifício são destinados a moradias tão simples, enquanto o advogado que vimos lá na cidade mora em palácio tão luxuoso?

─ Ah, frei, isso é fácil explicar. Bondosos religiosos que aparecem por aqui são muitos. Mas advogado, e ainda não entendemos bem como se deu tal milagre, é só aquele lá!

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Observação: o profissional raro no firmamento pode não ser um advogado. Pode ser um político, um juiz, um militar, um policial...