Raimundão e Ferreirinha

Conto agora essa historia, pra que entendam os fatos pertinentes àquele que vocês conhecem como Ferreirinha e o que Raimundão tem a ver com o mesmo...

Parte I

Todo município pra ser emancipado como cidade tem que ter três coisas primordiais, uma paróquia, uma praça e um cabaré. Tabuleiro, décadas antes da Terciola abrir as portas de sua casa, já contava com dois cabarés, os saudosos “Caneco Amassado” que ficava próximo a lagoa do Saco do Barro e o “Cabaré de Eulália” que ficava na estrada da Barrinha.

Em minhas visitas a Tabuleiro, sempre fiquei hospedado na casa de Tereza, prima que mora no Poço Barrento. Na cidade, sempre procurava os amigos de infância Eudes e Gilvanes, ficávamos lembrando as traquinagens de menino e nos embriagando entre o bar de Zé Maria de Pedro aleijado e o bar do Lailson. Numa dessas visitas, depois de muitas cervejas fui dormir e passei direto da entrada do Poço Barrento, entrei muito adiante e me perdi, parei o carro ao ver um pedestre e perguntei onde eu estava e como fazia pra ir pro Poço Barrento, ele disse que eu estava na Barrinha, e era melhor voltar pelo mesmo caminho, perguntei a ele pra onde estava indo e me disse que ia pra casa de Dona Eulália, falei pra ele entrar no carro que o deixaria lá. Depois que ele entrou fiz o retorno e perguntei;

- Amigo, essa dona Eulália é aquela do cabaré?

Notei nele certo constrangido ao me responder;

- Mãe Eulália agora é evangélica.

Calei-me diante da gafe e fiquei pensando comigo mesmo. Quase todo aquele, que aos olhos do mundo vive em pecado, quando está chegando ao final da vida procura encontrar redenção.

De repente o rapaz aponta pra uma casa do lado do passageiro onde tem uma pequena aglomeração e diz;

- O senhor pode parar ali onde tem aquele pessoal.

Parei no local. Era uma casa simples tendo na frente uma porta com uma janela em cada lado, acima da porta uma lâmpada incandescente iluminando o terreiro. Paro o carro. Ao abrir a porta e sair, ele me olha e diz;

- Moço muito obrigado, o senhor gostaria de participar do culto pra encontrar Jesus?

Respondo prontamente;

- Amigo, vou me encontrar com ele depois que eu partir pra eternidade.

Sigo em frente, pois já sabia onde estava. Pego o asfalto de volta a Tabuleiro até localizar a entrada do Poço Barrento. Chego finalmente à casa de Tereza, a rede já estava me esperando na sala pra dormir.

O sono demora a chegar então fico pensando na vida, Eulália e suas meninas que só conheci pelas histórias que alguns amigos contavam, onde os pais os levara pra iniciar-los na vida sexual. Lembrei que meu primo Butim trabalhou no dito cabaré como pedreiro fazendo um banheiro com um tanque todo no azulejo para as mulheres tomarem banho e que ele havia falado que ela tinha lhe roubado o melhor servente que ele já teve.

Eulália ficou impressionada com a disposição daquele garoto magricela, que passava o dia todo puxando água da cacimba pra misturar o barro e cal pra caliça da obra. Ao termino do banheiro ela pagou Butim que comprou lá mesmo um litro de cachaça, depois montou na sua vespa e saiu desembestado levantando poeira e esquecendo o servente.

Eulália perguntou ao garoto:

- Meu filho, como é seu nome?

O garoto responde;

- Senhora, todo mundo me chama de Pirambu.

Eulália olha com se tivesse lendo a alma daquele menino e pergunta;

- Pirambu quer ganhar um dinheirinho pra vir todo dia encher o tanque do banheiro?

Pirambu encontrou-se nesse trabalho. Com pouco tempo Eulália comprou-lhe uma bicicleta e ele foi incumbido de outras tarefas. Pela manhã ia comprar pão na padaria de seu Abílio, depois do café, enchia o tanque do banheiro, então ia pro açougue pegar a carne que Eulália sempre encomendava a Pedro Braga no dia anterior. Ao voltar ajudava na cozinha, depois do almoço ia pra aula no Avelino Magalhães. Ao chegar o final da tarde varria o ambiente pra receber os clientes da casa. Depois disso podia dormir num quartinho que Eulália descontava o aluguel dos seus parcos ganhos. Ao menos tinha um lugar certo pra ficar, sem depender da caridade alheia, foi crescendo e criando corpo se tornando um belo rapaz, despertando o interesse das moças da casa, estas começaram a ir tomar banho exatamente na hora que Pirambu começava a encher o tanque e se despiam ali mesmo na frente do inexperiente rapaz. No inicio era um constrangimento por parte dele, depois elas começaram com brincadeiras ao ver que algo dentro do calção do garoto crescia sem que tivesse uma cueca pra segurar, foi quando passaram a disputar pra ver quem iria quebrar o cabresto dele. Afonsina a mais antiga da casa foi quem venceu a disputa, daí por diante ele passou a ser o consolo e conforto daquelas mulheres, demonstrando grande carinho e amizade por todas.

Foi então que vinda de Mossoró pra trabalhar no cabaré, chegou Luciene, uma belíssima morena, filha de um fazendeiro, que se perdeu com um vaqueiro que trabalhava pro seu pai. Este com medo do que poderia lhe acontecer, sumiu sem deixar rastro e o pai expulsou Luciene de casa, que desamparada caiu na vida.

A paixão de Pirambu pela nova aquisição de Eulália despertou ciúmes nas outras moças, que antes dividiam a atenção dele sem nenhum problema, mas agora viam que ele só tinha olhos pra recém chegada.

Pirambu também ficava enciumado toda vez que um cliente escolhia a sua amada, o que acontecia a toda hora, já que a bela morena era a novidade da casa. Foi então que apareceu um cliente numa sexta-feira que pagou o melhor quarto por um final de semana pra ter Luciene com exclusividade. Foi à gota d’água pra Pirambu, que ainda tinha que levar café da manhã pros dois antes deles levantarem.

Logo na manhã do sábado o cabra fez uma reclamação pra Eulália, disse que o café tinha chegado frio e o rapaz que tinha levado parecia que tava chupando tamarina.

No Domingo Pirambu chegou de madrugada no quarto quando o galo ainda nem tinha cantado, aproveitou que os dois estavam dormindo e cagou dentro das botas do sujeito, saiu e foi comprar o pão. Ao voltar levou uma bandeja com o café da manhã ao quarto, seu desafeto abriu a porta descalço, mas já vestido e foi calçar as botas. Pirambu olhou pra ele com um sorriso de satisfação, enquanto colocava a bandeja em cima da penteadeira, depois saiu no rumo da cozinha. Pouco tempo depois o homem chega, vai até Eulália e diz que já está de saída, pois tem um trabalho pra fazer em Alto Santo, acerta o pagamento com ela e antes de sair diz:

- O café hoje tava ótimo, quando voltar quero ficar novamente com a morena, mande ela se guardar pra mim, o rapaz hoje tava mais simpático, mais mande ele tomar um banho, pois desde que, entrou no quarto que fiquei sentindo um cheiro de merda.

Dito isso saiu, entrou num Fiat 147 que estava com um motorista a sua espera e sumiu na poeira da estrada. Eulália se benze e Pirambu lhe pergunta;

- Madrinha quem é esse homem?

- Pirambu esse aí é o diabo em forma de gente!!! Você acabou de conhecer o pistoleiro Mainha... Responde Eulália enquanto se benze três vezes.

Pirambu sentiu um arrepio na espinha e pergunta;

- Madrinha, posso arrumar seu quarto?

Eulália faz um gesto com a mão indicando pra ele se retirar e Pirambu entende que sim.

Ao chegar ao quarto, Pirambu vai direto à gaveta da cômoda onde ele sabe que está às economias de Eulália, pega parte do dinheiro e deixa um bilhete com a frase escrita: Um dia volto pra lhe pagar esse empréstimo.

Parte II

O sujeito entra no ambiente e grita:

- Meninas chegou o homem mais gostoso que vocês já conheceram na vida;

Então dois cães enormes que estavam dormindo debaixo de uma das mesas despertam e partem pra cima dele, chuta um que cai nos pés de uma moça, pega o outro pelo pescoço e coloca debaixo do braço e fica dando tapas no focinho do pobre animal enquanto ele gania e esperneava pra se libertar. Foi então que chegou um garoto com a cara fechada e disse;

- Se o Senhor não soltar meu cachorro agora lhe dou uma facada!!!

Nisso mostra uma pequena faca de mesa. O homem soltou o cão ao mesmo tempo em que dava uma gargalhada escandalosa, o pobre animal correu pro lado do garoto e ficou rosnando pro homem em tom ameaçador, o outro levantou e se juntou aos dois

O homem pergunta gritando;

- Cadé a dona deste puteiro?!!

Uma senhora se aproxima, o garoto e os cachorros se retiram, a senhora pergunta;

- O que o senhor deseja com ela?

O homem olha demoradamente pra ela, vai em sua direção e lhe abraça levantando a mesma do chão enquanto fala alto;

- Afonsina sua puta velha!!!

Afonsina surpresa com a atitude do homem, se desvencilha olha demoradamente pra ele e exclama numa alegria incontida;

- Pirambu, seu moleque sem vergonha, quanto tempo!!! Como você cresceu, tá bonito feito um conde com essa barba e roupas de artista de novela...

- Agora tenho até nome de gente, Raimundo Cavalcante dos Santos, Raimundão pros amigos.

Disse caindo numa gargalhada e fazendo uma reverencia, então pergunta.

- Cadê a madrinha? e Luciene ainda tá por aqui?

Afonsina o pega pela mão e puxa, enquanto diz.

- Vamos sentar, temos muita coisa pra colocar em dia. Primeiro me conte por onde andou esse tempo todo...

Parte III

Meu primo Odeon estava fazendo armários embutidos pra construtora Omega em Fortaleza, quando foi convidado pra trabalhar em São Luis. Foi a Tabuleiro, pegar o irmão Oberdan, que trabalhava na serraria de João Batista, aproveitou pra fazer uma farra com Butim, que entre uma dose e outra falou pra Odeon;

- Tem um rapaz que tá escondido na casa de mãe, você pode levar ele e jogar por lá? Ele diz que tá fugindo de um pistoleiro que quer matar ele, tirando as mentiras ele é bem esperto e aprende rápido.

Odeon toma um gole de cerveja e diz com jeito de gente importante;

- Preciso de alguém pra cozinhar pro pessoal. Traga ele com os documentos pra gente fichar na firma, viajamos depois de amanhã.

Butim chega na casa da mãe “chei dos paus” desse cambaleando da vespa entra e fala pra Pirambu;

- Prepare seus panos de bunda, amanhã você vai pra Fortaleza e de lá pra São Luis do Maranhão.

O ônibus da Vale do Jaguaribe dirigido por Hozanam parava mais que jumento de verdureiro, chegaram a Fortaleza atrasados e foi só descer no terminal rodoviário Engenheiro João Thomé e subir num ônibus da Expresso de Luxo rumo a São Luiz. No ônibus já estavam três outros contratados pra obra. Odeon olha pros três e se queixa;

- A porra do atraso do ônibus me impediu de tomar umas antes de embarcar.

Um dos rapazes fala pra Odeon abrindo uma mochila e mostrando dois litros de Chave de Ouro.

- Pode até faltar combustível no ônibus, mas nós estamos abastecidos até a próxima parada.

Odeon olha pro mesmo e diz.

- Zé Luis, você acaba de ser promovido a mestre carpinteiro!!!

Pirambu senta ao lado de Oberdan, o ônibus inicia a viagem, Oberdan quebra o silêncio.

- Então amigo, ouvi dizer que tem um pistoleiro afamado atrás de você é verdade?

Pirambu responde.

- Sim é, mas ele vai ter o maior azar quando eu for atrás dele.

Oberdan dá de ombros, pega o copo que Odeon lhe entrega e diz pra Pirambu.

- Vamos nos embriagar que a estrada é longa e a vida tem curvas...

Parte IV

Primeira leva de armários concluídos, saldo recebido em dinheiro vivo, Odeon que já havia rodado e conhecido São Luis de ponta a ponta, chega na Combe da firma e diz;

- Turma, vamos comemorar a entrega desses armários e o fechamento de mais cem armários, que vamos iniciar na próxima semana, assim que chegar o material.

O “Cabaré da Rita” era um casarão localizado no Turu, próximo à Avenida São Luis Rei de França.

Ao chegar no local com sua equipe, Odeon chama a Rita, depois de alguns cochichos entre os dois, sobe numa mesa, começa a tirar a roupa falando alto pros presentes;

- Atenção pessoal!!! Aluguei esse cabaré por uma semana, tudo que for bebida e comida, incluindo as mulheres, vai ser por minha conta. Quem quiser pode sair, não pode mais é entrar. Porém pra continuar aqui dentro, tem que estar totalmente nu!!!

Finaliza tirando a cueca, ficando somente com uma capanga a tira colo, que era onde supostamente estava todo o dinheiro. Olha pra Rita e diz;

- Aquele magricela ali é o Pirambu, mande sua menina mais experiente tirar o cabaço dele.

Rita coloca a mão nas ancas, olha pra Pirambu e diz;

- Cabaço é minha especialidade, deixe comigo que cuido dele.

Pega Pirambu pela mão e o puxa pra um dos quartos.

Parte V

Pirambu, agora rebatizado Raimundo Cavalcante dos Santos, toma um longo gole de cerveja e fala pra Afonsina;

- Estou morando em São Luis, Maranhão. Lá conheci Rita, Dona de um cabaré e nos tornamos amantes, sob meus cuidados o negocio foi diversificado e hoje temos uma rede de restaurantes e lanchonetes, fechamos o cabaré, que não tava mais dando renda por causa da AIDS, foi então que a Rita me propôs casamento, aceitei, mas disse que antes vinha aqui resolver algumas pendências e cá estou pra pagar o empréstimo que fiz a madrinha e matar a saudade de vocês. Então onde madrinha está?

Alfosina olha pro copo na mão do velho conhecido e diz;

- Eulália levou uma surra de um cliente, logo depois que você sumiu e nunca mais se recuperou, tive que assumir a casa e estamos sobrevivendo, apesar das dificuldades, restou comigo apenas aquelas duas ali atrás do balcão. Quanto a Luciene, quando você foi embora ela estava grávida e a criança nasceu seis meses depois de sua partida, ela disse pra todo mundo que o filho era seu. Há dez anos apareceu por aqui um rapaz de Fortaleza e depois de varias noites dormindo com ela, propôs tira-la dessa vida e ela aceitou, estão juntos até hoje e já têm três filhos, de vez em quanto ela vem ver o primogênito escondida do marido, pois o mesmo não quer criar filho de outro homem. Assim mesmo todo mês ele lhe dá dinheiro pra ajudar a manter o menino.

Faz uma pausa enquanto enche o copo do amigo e termina:

- Raimundão, se você tivesse chegado um dia antes a teria encontrado.

Ele sorve um gole de cerveja e pergunta;

- E o filho dela, onde está?

Afonsina diz:

- Você o conheceu quando chegou, o garoto com os cachorros. Ainda não foi batizado, mas a gente chama de Ferreirinha, que é o sobrenome da mãe...

Claudo Ferreira
Enviado por Claudo Ferreira em 31/07/2021
Código do texto: T7311186
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