INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Dr. Wagner de Almeida Júnior, apelidado de Dr. Vaguinho na infância por desde cedo dizer que queria seguir os passos paternos na advocacia. Acabou sucedendo ao pai na sociedade da maior banca de advocacia da cidade, os demais sócios aceitaram a sua admissão mais em deferência ao genitor do que pelos seus méritos.

Nos bastidores o que se comentava ironicamente era que em 15 anos a frente do setor de direito do consumidor, sua melhor providência foi comprar um desses aspiradores de pó inteligentes, as salas, corredores e carpetes do escritório nunca tiveram mais limpos. Dr. Vaguinho, no entanto, caçoava do termo inteligência que davam a “um simples eletrodoméstico”, como costumava dizer ao passar pelo aparelho.

A relação com o aspirador de pó mudou quando se divorciou e passou a morar em um apartamento que em virtude das desventuras de um homem recém separado vivia bagunçado. Numa noite de sexta, depois correr contra o tempo para fazer o peticionamento eletrônico de um prazo que acabava meia noite, decidiu levar o aspirador para o seu apartamento ao encontrá-lo, antes de fechar o escritório, carregando pelo cabo USB no computador da recepção.

Desde então a vida de homem e máquina mudaram, Vaguinho apelidou o aparelho de Casagrande, que era tratado como um animal de estimação que não exigia qualquer compromisso com deveres fisiológicos. Já o aspirador de pó trocou as manhãs e tardes perambulando pelo corredores e salas do escritório, onde advogados peticionavam e se preparavam para as suas audiências, por cerca de 12 horas ininterruptas aspirando todo o tipo de sujeira, de bagana de cigarro a caco de vidro de copo de uísque.

Depois de algumas semanas, ao chegar do trabalho numa sexta-feira não encontrou o aspirador. Wagner vagava pela casa chamando o aparelho como se estivesse procurando um cachorro, após um dia de trabalho. Passou aquele final de semana investigando cada canto da casa e se perguntando como Casagrande teria escapulido.

Pensou em fazer cartazes e procurar pela vizinhança, mas desistiu da ideia porque poderiam descobrir no escritório quem era o responsável pelo sumiço do aparelho. Porém, não tardou a receber notícias do aspirador de pó.

Numa manhã de segunda-feira, num envelope timbrado com o nome Casagrande e um número de série, Dr. Vaguinho recebia a intimação de uma ação trabalhista movida pelo aspirador de pó exigindo pagamento de horas extras, insalubridade e desvio de função.

Dr. Wagner descobriu que o aspirador era inteligente mesmo.

@oantonioguadalupe