Quando falha a retórica...

Antes da Lei 7.716 , que modificou o art. 140 do Código Penal, prevendo uma pena de um a três anos de prisão, para crimes de injúria com a utilização de elementos relacionados à cor, etnia, religião ou origem, era muito comum pessoas da raça negra receberem tratamentos e comentários ofensivos, até mesmo publicamente, em virtude da cor da pele.

Esta história aconteceu em Codó, interior do Maranhão, lá pelos idos de 1970.

Candidato a vereador, nas eleições daquele ano, Carlos, jovem advogado, um negão de 1,85 m e 90 quilos, discorria com eloqüência sobre o seu programa de futuro edil, enquanto um gaiato o xingava repetidas vezes. Carlos não se deixava perturbar e, com incrível jogo de cintura, ia anulando as intervenções maldosas do oponente:

- Cala a boca, preto!

- Preto, sim! Preto como o nosso petróleo cujas jazidas sabemos que existem aqui neste município, mas que os prefeitos jamais destinam recursos suficientes para a exploração! Uma riqueza que continua enterrada sob os nossos pés!

- Cala a boca, negro!

- Negro, sim! Negro como o Pelé, o Rei do Futebol, a nos lembrar que os estádios de futebol deste município estão caindo aos pedaços!

- Cala a boca, carvão!

- Carvão, sim! Isso me lembra os nossos meninos e meninas, com as infâncias tristemente interrompidas, a trabalharem, em regime de trabalho escravo, nas muitas carvoarias existentes neste município! Isto é uma infâmia!

- Cala a boca, tição!

- Tição, sim! As nossas florestas estão sendo devastadas, queimadas, transformadas em tições, para abrir estradas e permitir o escoamento da madeira ilegalmente explorada!

- Cala a boca, macaco!

- Macaco, sim! Macaco, sim... Macaco, sim...

Carlos gaguejava. Não conseguia encontrar a boa réplica. Desceu do palanque, chegou perto do cara que lhe aporrinhara em todo o seu discurso, e berrou:

- Macaco é a puta que te pariu, seu cretino!

E cobriu o sujeito de porrada.

Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 12/11/2007
Reeditado em 13/09/2008
Código do texto: T734174
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