UM PLANTÃO MUITO LOUCO

UM PLANTÃO MUITO LOUCO

Fomícius de Matos estudou em Vassouras, medicina de verdade, o que o deixa longe dessa medicina dos charlatões. Seu primeiro emprego foi durante a famigerada pandemia, lá no Rio de Janeiro, na baixada fluminense, tiro pra todo lado, roubaram tudo do superfaturado hospital de campanha, sem emprego nosso herói mudou-se para o Espírito Santo, onde pretendia se livrar da maconha e da rinite alérgica.

Entrou em uma corporação, uma firma, dessas empresas factoides, predatórias, onde se trabalha de forma escrava sem direito a férias, décimo terceiro, trabalho escravo, situação pela qual o jovem médico estava acostumado a passar.

Seu primeiro dia foi tosco, chegou tão bêbado ao plantão que não saiu do carro, ninguém percebeu seu desaparecimento, quando a diretora perguntou, um dos colegas disse que não o viu, uma outra colega de plantão disse que procurou por ele o dia inteiro, na verdade nesses hospitais falta tanto médico que ninguém percebe.

O segundo dia foi diferente, ele brilhou, atendeu pouca gente, pois seu lance era a qualidade, não essa quantidade apregoada pelos partidos de esquerda e, claro, não estava ali pra se matar.

Chegou e já preparou a cama e foi dormir, havia fumado tanta maconha que sua alma saiu do corpo, ele precisava descasar um tanto para que ela voltasse.

Acordou com dedo na testa, ele abriu o olho e viu uma senhora de papada, parecia uma batata anã de vestido, olhos miudinhos e sobrancelha de taturana, a senhorinha olhou pra ele com desprezo e disse:

-O senhor é o plantonista novo?

-Sim...

-Estão precisando do senhor na emergência.

-Ah sim, o que seria?

-Um baleado.

-Tá - Fomícius pensou que talvez a maconha que fumou estava dando impressão de ser aquela mulher uma Batata falante, alucinações de maconheiro.

Levantou correndo segurando a calça com uma mão e estetoscópio com outra, esqueceu o jaleco e a máscara, alguém falou: senhor não pode entrar sem máscara na emergência, voltou para pegar o jaleco e a máscara tropeçando nas pernas, lado direito da calça estava quase no joelho, Enfermeira A percebeu que a calça do médico estava mostrando demais e teve uma visão horrorosa, contou para a Anailde da cozinha.

-Cofre aparecendo.

-Que horror.

-Tipo calça de fanqueiro.

Ajeitou um pouco a calça, deu um nó na lateral, acertou a máscara e o jaleco, deixando a sua vestimenta em estilo meio hippie, entrou na emergência onde havia mais dois idosos, além, claro, do homem sangrando pela barriga, pegou um pano e tapou o sangramento, colocou o estetoscópio e disse:

-Tá bom, coloca no soro e faz uma dipirona, como é seu nome ? - perguntou ao técnico que estava a sua frente.

-Pedro.

-Coloca a sua mão na ferida – colocou a mão de Pedro bem no pano, sem luva nem nada e falou sussurrando - jura por Jesus que não vai tirar.

Pedro calou e suou frio, era um homem sensato temente a Deus.

-Jura homem.

-Eu juro.

-Eu preciso ir ao banheiro. - disse Fomícius – quando a senhora Batata me acordou eu já ia ao banheiro mesmo.

Voltou ao consultório depois de passar pelo menos duas horas no banheiro, jogando pontinho no celular e conversando no whats.

Atendeu uma senhora costureira, a qual fez uma receita baseado no dom que achava que tinha , explicando o dom: o poder do olho clínico diagnóstico, fez até uma tatuagem de um olho no pescoço, atendeu também uma mulher de cabelos cacheados , uma senhora distinta por quem ficou enamorado, propôs casamento, levou um tapa e uma ameaça de processo.

Já tinha atendido três pessoas quando pegou o celular e olhou o Twitter : trending hashtag and topics today, o que aparecia lá: Fomícius, nosso herói. O médico estava no topo, tinha reclamações no “face” até da mulher de cabelos encaracolados, disse que ia tomar medidas contra ele, aquele médico que tinha um olho tatuado no pescoço, assediador, o mais incrível é que tinha uma foto de uma receita sua com seu carimbo.

-Mais que gente conectada!

A dona Diretora do posto e a senhora Enfermeira A , aquela que viu a parte íntima de Fomícius, foram ao consultório juntas e intimaram ele a uma conversa em particular, na sala da administração, em pleno domingo.

-Oi – disse ele – prazer...

-Para nosso grupo é um desprazer - falou a Enfermeira A – o senhor poderia colocar um cinto na sua calça e desfazer esse nó ridículo de maloqueiro?

-Agora?

-De preferência.

-Estou sem cinto e sem cueca – disse.

A diretora estendeu a mão nervosa para o alto em suplica a Deus, as duas mãos na verdade, depois falou um prolongado “SENHOR ” e praticamente gritou:

-O que o doutor pensa que está fazendo?

-Agora?

Estava demais aquilo tudo, só podia ser deboche, a Senhora Diretora estava perdendo a paciência, olha que ela já trabalhou com todo o tipo de doido, mais Fomícius estava fora da curva, a Senhora Diretora estava por um triz de meter a mão na cara dele.

-Tudo isso que o senhor vem fazendo, vou lhe dizer: o senhor é pior do que doutor Jamel, que o doutor Abravanel e doutor Godinho, Deus me perdoe, que pior que doutor Godinho nunca vi na vida, o senhor não atende ninguém, quando atende faz muita bosta, deixou o baleado com o Pedro na emergência esvaindo em sangue, beijou o pé de uma paciente, está andando por aí com a calça caindo e sem cuecas, meu Deus, essas tatuagem, disseram que o senhor é uma espécie de adorador do demônio?

-Sério? - ele pensou um pouco – me esqueci do baleado, Paulo ainda está com a mão no ferimento? Mas isso tem quatro horas! Eu fiz ele jurar por Jesus, coitado, acho que ele acredita em Jesus.

-O nome dele é Pedro, o pobre do homem está até com a língua dormente, só soltou quando o Samu chegou, tivemos que colocá-lo no soro - disse a Enfermeira A , aquela que viu a parte íntima.

A diretora que sempre quis falar isso para um monte de médicos, falou para Fomícius:

-Está demitido!

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 07/12/2021
Reeditado em 20/12/2021
Código do texto: T7401826
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.