Falsos Amigos

Certos encontros nunca deveriam ter acontecido. É melhor nunca mais ver alguém que você considera amigo do que revê-lo em determinado momento. Pode ser constrangedor. As pessoas mudam, em velocidade menor que as nuvens, de fato, mas mudam. Tem um "amigo" que sempre encontro com a família em "shoppings" ou supermercados. Cansou de falar que queria me encontrar, sair para comer uma pizza e coisas do gênero. Resolvi, após um desses, testar sua amizade. Escrevi um email querendo confirmar uma rodada de pizza. Silêncio. No próximo encontro furtivo, não toquei no assunto. Ele estava de novo com a sua família, eu com a minha. Foi visível o seu desconforto. Não falou mais em saída, nem tanto eu. Agora estamos assim: amigos afastados por encontros fortuitos.

E aquela pessoa que você conhece há anos e não te cumprimenta de propósito, depois, em algum evento, chega cheia de ternura:

- Meu caro, que saudade! – tenho vontade de desmascarar o infeliz; mas a polidez social me impede e, ademais, eu seria tachado de grosseiro diante das testemunhas.

Certa vez me cansei e decidi dar o troco. Uma senhora freqüentou durante anos os círculos da minha família. Tenho certeza que me conhece. Para infelicidade, fazemos caminhada no mesmo parque. Durante um ano me ignorou. Tentei saúda-la por três vezes seguidas e... nada.

- Mas que diabos! – exclamei.

Um dia fui caminhar com minha esposa ao lado. Ela se dirigiu para a senhora e deu três beijinhos, abraçou e etc. Fiquei com o queixo caído. Minha esposa me chamou:

- Você não se lembra da Fulana? – resolvi me vingar com requintes de crueldade; quando quero sou mau "pacas".

- Não!

- Como não? Nos conhecemos na casa da sua mãe! – balancei a cabeça negativamente fazendo cara de besta. O constrangimento de ambas foi visível. Eu sei que terei que ajusta contas com o Eterno, mas não resisti à tentação da vingança. Minha esposa ainda insistiu:

- Como não? Essa é a Fulana, casada com um primo do seu pai. – queria dizer que não vi mais gorda; mas acho que seria demais. Resolvi sair-me assim:

- É um prazer. – foi de matar. Despediram-se. Notei que a Fulana sabia que eu me vingava justamente, mas minha esposa ficou na bronca:

- Você enlouqueceu? Conheci-a na casa da sua mãe. Ela sempre ia lá. O que deu em você? – para a vingança ficar completa:

- Nunca vi mais gorda!

Gostaria que essas pessoas que passam direto e nos ignoram tivessem seu momento de verdade, bem como os falsos amigos. Teve um outro que encontrei na fila do caixa, em um supermercado. Visivelmente ficou desconfortável na minha presença – será que tenho alguma doença? Sei que sou feio; mas grosseria tem limite. Acredito que talvez não quisesse ser visto comprando gêneros de primeira necessidade ou algo do tipo. O ser humano é muito complexo e cheio de limitações auto-impostas; sei lá o que se passa na cabeça de alguém nesses momentos.

- E aí, como vai? – em algum romance antigo eu li que "como vai" é o cumprimento clássico dos estranhos. Você não quer saber como o outro vai, é apenas uma forma educada de demonstrar seu desapreço. Nossa sociedade é cheia de máscaras. Será que também uso a minha? Gosto de sorrir o tempo todo, de conhecer as pessoas e decidi, desde muito cedo, transformar minha vida em livro aberto. Talvez alguns apenas se considerem superiores demais e nos vejam como seres que não merecem crédito ou confiança.

O sujeito continuou na fila e surgiu um pesado muro de silêncio nos separando. De onde nasce essa frieza que isola as pessoas? Pretendo não me modificar por conta disso. Posso compreender uma conhecida que cruza por nós acompanhada do atual marido e acha por bem não se expor; talvez fosse difícil explicar que o outro é apenas "alguém" com o qual um dia conviveu e não significa nada. Entretanto, o que justifica um amigo virar a cara e passar direto? Não sei se isso ocorre com você; mas eu fico intrigado. Talvez, o melhor seja ignorar tudo isso e concordar com um velho e bom sábio: "raça incrédula e pecadora, até quando os tolerarei"?