Mãe, eu te amo você

Sete horas. A mãe prepara o café da manhã.

O caçula Antonio desce a escada arrastando seu ursão de pelúcia pelos degraus.

“Bom dia, Toninho. Já de pé?”

“Bom dia, mãe. Sem sono estou, já acordei.”

“Por que não ficou dormindo mais um pouco, feito seu pai?”

“Ah, mãe, o pai é ele, eu agora quero tomar café.”

“Está bem. Vai querer os todinhos e os danoninhos como sempre, né?”

“Vou querer café de danoninho e todinho como sempre, mãe. Mas também vou hoje querer outra coisa.”

“É mesmo, querido? E o que vai ser? Suco de laranja e sucrilhos com leite? Ou pãozinho recheado com goiabada? Faz tempo que você não me pede essas coisas.”

“Tá bom, mãe. Pode fazer que isso eu vou comer tudo. E vou querer coisa especial depois.”

“Coisa especial? Toninho, não me deixe curiosa: o que é que você vai querer comer depois, filho?”

“Não é de comer que eu vou querer, mãe. Eu vou querer não ir à escola hoje. É isso.”

“Mas querido, hoje ninguém vai à escola mesmo, que é domingo, sabia?”

“Hoje é domingo, pede cachimbo, dia de descansar?”

“Exatamente. Ontem foi sábado e fomos às compras no shopping. Até compramos um presente para os gêmeos do Zeca, seu irmão. Lembra?”

“Os gêmeos do Zeca seu irmão são os irmãos meus também?”

“Não, meu bem. Eles são seus sobrinhos, o Zeca é que é seu irmão, entendeu? E mais tarde o Zeca e a Sandra vão trazer os gêmeos aqui, para uma visita.”

“Entendeu agora. E eles não vão à escola que nem eu hoje os gêmeos?”

“Não, querido. Eles não vão ao maternal hoje, porque é domingo.”

“Deixa ver: se domingo hoje é, mãe, amanhã é quinta-feira?”

“Não, Toninho. Depois do domingo vem a segunda-feira. Amanhã é segunda-feira.”

“Então, mãe, posso não ir à escola na segunda-feira amanhã?”

“Claro, filho. Pode ficar em casa brincando com seu autorama.”

“Mãe. Eu acho que vou querer não ir amanhã nem depois.”

“Tá bom, Toninho. Você não precisa ir à escola amanhã nem depois de amanhã. Nem em outro dia da semana, do mês, do ano ou da década. Filho, você não precisa ir à escola nunca mais!”

“Nunca mais mesmo, tá falando sério, mãe? Quer dizer que de férias estou eu para sempre?”

"Filho, faz tempo que você está de férias, não lembra? De férias para sempre, se esqueceu que já conversamos sobre isso inúmeras vezes?"

“Pra sempre, mãe? De verdade?”

"Claro, filho, para sempre. Escola pra você, nunca mais, em tempo algum!"

“Mãe, obrigado, você é a mulher melhor do mundo, sabia? Eu te amo você demais, mãe. Mais do que meu ursão amigo de pelúcia aqui.”

“Eu sei, filho, eu sei. Mamãe te ama muito também. Mas jamais irá perdoá-lo por ter insistido tanto em fazer aquele maldito curso de física quântica, dez anos atrás!”

A mãe começa a chorar como se estivesse descascando cebola: lágrimas amargas brotam de seus olhos, escorrem pela face e vão molhar o avental.

Toninho nada diz, dá uma coçada na barba por fazer há uma semana e continua bebendo seu todinho no canudinho...

O ursão de pelúcia, sábio que era, não se metia em assuntos familiares.

Permanecia imóvel, esperando que Toninho lhe desse seu favo de mel sintético de todo dia.

Lá fora, o sol brilhava para todos...