Capitão Bóris e a Foca Fonfon

O dia já tinha amanhecido quando o Capitão Boris sai do cais caminhando com passos firmes em direção aos comércios do entorno. O Capitão Boris (modo como ele gostava de ser chamado) tinha um rosto amedrontador, com uma barba branca cheia, um tapa-olho no olho direito e um quepe de marinheiro velho e amarelado cobrindo sua cabeça. Só que desta vez, um sorriso confiante estampava seu rosto. Aquilo indicava que ele iria a mais uma de suas viagens de caça pelo mar.

Quando o Capitão Boris vai chegando a uma loja de suprimentos para pesca, ele passa por um bar ao lado. Numa das mesas do lado de fora estão dois jovens pescadores jogando dominó. Seu sorriso se abre ainda mais e ele vai até a mesa.

"Pelo visto, Netuno colocou a sorte ao meu lado mesmo!" Disse o Capitão Boris com sua voz áspera e grave. "Vim até aqui apenas para comprar suprimentos e me deparo com dois bravos marujos para me ajudar em minha próxima jornada."

A palavra "marujos" assustou um pouco os dois pescadores. Quem fala assim em pleno século XXI? O silêncio durou alguns segundos até que o Capitão Boris resolve falar de novo:

"Me digam o nome de vocês, como se isso fosse importante."

"Eu sou o Marique e esse é o meu irmão, Biâmulo." Respondeu um deles.

"Que nomes são esses? Eu não estou aqui para gracinhas!" Disse o Capitão Boris, num tom mais ameaçador.

"Mas esses são nossos nomes mesmo. É que nossos pais gostavam de misturar nomes. O meu é Maria com Henrique e o dele é Bianca com Rômulo."

"Mas você me disse que vocês são irmãos. Por que os nomes dos pais e das mães são diferentes?"

"Eu disse que eles gostavam de misturar nomes, mas não os nomes deles."

"Mas o que... Ah, deixa pra lá!" Disse o Capitão Boris, querendo avançar no assunto. "Eu tenho uma proposta para vocês... Marique... E Biâmulo... Eu preciso de ajuda na minha próxima caçada e tenho uma boa recompensa pra vocês."

A palavra "recompensa" já animou Marique e Biâmulo, que quase deram um salto de suas cadeiras. O Capitão Boris propôs uma rodada de bebidas no bar enquanto explicava o que iria fazer. Marique e Biâmulo o seguiram, esfregando as mãos.

No bar, Capitão Boris, Marique e Biâmulo estão sentados a uma mesa ao lado da parede, numa parte menos iluminada. Em cima da mesa está uma garrafa de rum que o Capitão Boris fica pegando frequentemente para encher seu copo. Marique e Biâmulo ficam apenas observando como aquele pescador gostaria tanto de ser um pirata, representando praticamente todos os estereótipos de um pirata.

"Eu já vou avisando vocês dois logo de início", disse o Capitão Boris após deixar seu copo na mesa. "Essa caçada será uma vingança pessoal que eu tenho contra esse ser maligno dos mares, a terrível Foca Fonfon".

Biâmulo não consegue conter o riso após a fala de Capitão Boris, que logo se irrita com a situação e da um tapa na mesa.

"Qual é a graça nisso, marujo? Eu tenho cara de quem faz piada?"

Marique logo tenta evitar problemas, mas não consegue deixar de apontar o estranhamento na fala de Capitão Boris:

"Não é isso... Capitão... Mas é que falando assim de uma foca? Se fosse de uma baleia ou de um tubarão, vá lá. Mas uma foca chamada Fonfon ainda?"

"Pois não se deixe levar pela fofura das focas!" Respondeu o Capitão Boris. "Elas usam sua fofura para causar desgraça aos marinheiros. Essa foca já fez eu perder meu olho, meu barco pesqueiro e meu bem mais valioso, minha coleção de bonecos dos Comandos em Ação."

"O senhor quer se vingar de uma foca por causa de uma coleção de brinquedos?" Disse Biâmulo, com um sorriso contido.

"Não eram apenas brinquedos para mim!" Gritou o Capitão Bóris. "Era meu tesouro, um sonho de infância realizado em meu barco. Quando eu pedia para meu pai, ele falava 'vai pegar peixe e para com essa frescura'. Pois quando eu olhava a coleção no meu barco, eu dizia 'quem tá com frescura agora?' Até que um dia, numa tempestade, essa maldita foca subiu no meu barco. Eu pensei que ela estava com medo do mar agitado, mas não, ela pegou meu armário e jogou no mar com toda a minha coleção dentro!" O Capitão Bóris vira seu copo de rum e o bate na mesa com força. "O que vocês me dizem? Aceitam essa viagem?"

Marique e Biâmulo ficam preocupados com a história do Capitão Bóris. Se vingar de uma foca por causa de brinquedos parecia loucura de um velho que vive sozinho no mar. Só que a recompensa prometida por ele era boa, e aquela pesca poderia dar boas histórias para os dois. Então, eles acabaram aceitando. O Capitão Bóris combinou com eles o horário certo de eles aparecerem no cais e todos os outros pormenores.

No dia seguinte, no horário marcado, Marique e Biâmulo foram até o local combinado com o Capitão Bóris, que já estava em seu barco os esperando. Eles embarcaram e foram em direção a um atol que ficava a uma boa distância do cais. Era lá que a Foca Fonfon ficava, segundo o Capitão Bóris.

O Capitão Bóris ficava com sua luneta observando qualquer possível aparição da Foca Fonfon, Marique ficava no timão conduzindo o barco e Biâmulo fazia as manutenções necessárias no barco. O barco chegava perto do atol quando, de repente, o Capitão Bóris grita: "Achei! Achei a maldita!" Após isso, o Capitão Bóris pega logo seu arbalete para atirar na foca.

"Mas que droga! Ela ainda está muito longe do alcance!" Disse o Capitão Bóris. Ele se vira para Marique e Biâmulo e diz: "Vocês dois, rápido! Comecem a imitar focas!"

"Imitar focas? Você tá doido, Capitão?" Perguntou Marique, já irritado com a ideia.

"Esse é o único jeito garantido de atrair focas." Respondeu o Capitão Bóris enquanto ia em direção aos dois com passos fortes. "Porém, é uma escolha sua, marujo! Você pode me desobedecer em alto mar, mas é uma ideia mais doida ainda." Continuou ele, já com o rosto perto dos dois.

O rosto amedrontador, babando, do Capitão Bóris, junto com o arbalete em suas mãos assustou Marique, que logo se deitou no chão, começou a bater palmas e fazer sons parecidos com sons de focas. Biâmulo, vendo o medo do irmão, começou a fazer logo em seguida.

A Foca Fonfon, deitada tranquila no atol, ouviu os barulhos estranhos de Marique e Biâmulo e, logo foi chegando perto. Foi então que o Capitão Bóris disse, do seu barco: "Haha! Eu disse que funciona!" Ele esperou a foca chegar um pouco mais perto, aí apertou o gatilho. O arpão saiu e passou longe da foca, batendo em uma das rochas do atol e caindo na água.

"Maldita mira que a idade me levou!" Gritou o Capitão Bóris, atirando o arbalete no chão. Ao verem a cena, Marique e Biâmulo levantam rapidamente. Biâmulo pega o arbalete enquanto Marique derruba o Capitão Bóris no chão. A Foca Fonfon, vendo aquilo tudo, começou a se mexer e fazer barulhos como se estivesse rindo.

"Agora chega, Capitão! Vamos voltar!" Disse Biâmulo, segurando o arbalete.

O Capitão Bóris, abatido com o erro e o motim de seus contratados, se senta no chão com o a cabeça baixa. Mais uma vez, a Foca Fonfon o derrotou. De repente, o celular de Marique dá uma notificação. Ele pega o celular e se surpreende.

"Olha isso Biâmulo, alguém gravou a gente imitando focas e postou no TikTok! Tem um monte de gente tirando sarro da nossa cara!" Disse Marique, mostrando o celular. "Ainda fizeram a sacanagem de nos marcar!"

"E olha o perfil que postou, é o perfil dessa foca!" Disse Biâmulo. Os dois olham em direção à foca, que ainda parecia estar rindo. "Como que essa danada sabe mexer num celular?" Completou Biâmulo.

"Eu disse pra tomar cuidado com essa foca." Disse o Capitão Bóris. "E agora? Vocês vão acreditar em mim ou vão deixar essa maldita ficar rindo de vocês?"

Um silêncio constrangedor toma conta do barco enquanto Marique e Biâmulo se olham pra decidir o que vão fazer.

Semanas depois, Marique e Biâmulo estão no programa da Eliana para divulgar a "Dança da Foca", após o vídeo ter viralizado na internet.

"É isso aí, Eliana! A gente tinha ido com um velho maluco pro mar pra caçar uma foca quando isso tudo aconteceu." Disse Marique.

"Nossa! Mas vocês não pegaram a foca não, né?" Perguntou a Eliana.

"Não, Eliana! Aliás, foi a própria foca quem gravou o vídeo e jogou na internet. A gente tem muito a agradecer a essa foca!" Respondeu Biâmulo.

"Que legal! Então, pra terminar o programa, ensina pra gente aí a 'Dança da Foca'!"

Marique e Biâmulo foram fazendo a dança enquanto toda a plateia os acompanhava. Os créditos iam rolando na tela anunciando o final do programa.