A TRISTE HISTÓRIA DOS DOIS OVOS QUEBRADOS DO MENINO “SANCHO PANÇA”.

POR JOEL MARINHO

Era um tempo de crise econômica extrema no Brasil, ao menos para os pobres, visto que para os ricos não há crise, se a coisa aperta em um lugar eles pegam um avião e vão embora gastar o dinheiro que está guardado em uma conta internacional até a crise do seu país acabar ou diminuir.

Mas bem, não estou aqui para falar especificamente da injustiça social, mas sim de um caso inusitado ocorrido lá pelas bandas de 1990, no início daquela crise causada pelas políticas tomadas pelo então governo do presidente Fernando Collor de Mello.

Uma criança de uma família pobre entre milhões de famílias pobres do Brasil daquele contexto, na verdade, abaixo da linha de pobreza, termo utilizado hoje em dia como eufemismo para aliviar o termo “miserável”, o coitado estava já há vários dias sem comer direito, sobrevivendo com resto de gorduras, aquela que ia para o cachorro vira latas comer, pois se desse a um cão de raça “pura” o coitado certamente morreria de imediato igual a cachorra da mulher do padeiro de “O auto da Compadecida”.

Pois bem, nesse dia ele ganhou uns centavos de um tio, esse dinheiro dava para comprar exatamente apenas dois ovos, o coitado conferiu e havia em casa um restinho de farinha de mandioca, talvez por um milagre ainda não tinham comido, abriu a porta do barraco onde morava e lá se foi rumo a vendinha comprar os benditos “bife do olhão”.

Seus olhos brilharam quando pegou os dois ovinhos dentro de um saco plástico transparente. Sua alegria era tão grande que ao pegar aquele maná precioso saiu cantando o ilariê da Xuxa e disparou na carreira para cozinhar logo os ovos e “tirar a barriga da miséria”. Sim, cozinhar, pois não tinha nenhuma gota de óleo, margarina ou manteiga para fritar.

Eis que no meio do trajeto da vendinha para a sua casa com toda aquela pressa de encher o bucho grande, não porque estava cheia de comida, mas pelas verminoses que também o atacavam. O coitado movido pela emoção de ter dois ovos na mão e a “pilora” da fome, na correria pela pressa de comer logo acertou com força o dedão em uma pedra e caiu esparramado de boca e bucho no chão por cima de outras pedras, visto que como morava em uma área de assentamento, ou seja, invasão nem água encanada tinha, imagina asfalto.

Atordoado, com a boca e o joelho sangrando ele levantou e preferiu que tivesse quebrado os próprios “ovos” aos da galinha que havia acabado de comprar com a única mísera moeda a qual ganhara de seu tio. Mas seu sonho de encher o buchinho foi por água abaixo, os ovos estavam quebrados e o saco plástico não resistiu também, nada dava para aproveitar, nem mesmo uma mucura faminta conseguiria passar a língua naquele pedregulho e extrair algum resquício de ovo. Deus do céu, a quem viu aquela cena foi de cortar o mais duro e frio dos corações humanos, a pobre criança chorava de soluçar como se tivesse perdido qualquer esperança de sobreviver.

Anos depois a Kell Smith cantou que um joelho ralado dói bem menos que um coração partido”, isso porque ela não viu uma criança com o joelho, a boca, os ovos e o coração partidos em pedacinhos.

Raiva, fome e um sentimento de impotência acompanhou aquele menino por anos que fez a si uma promessa: no dia que conseguisse ganhar o seu primeiro dinheiro iria comprar uma cartela de ovos, um litro de óleo e um quilo de farinha de mandioca da “baguda” para comer até o bucho “estourar”. E não é que o danado cumpriu a promessa! Comeu uma cartela de ovos quando conseguiu ganhar seu primeiro dinheiro, mas até hoje essa história ronda o mundo, por isso resolvi registrar em uma espécie de crônica para ninguém mais esquecer, afinal histórias boas surgidas do caos precisam ser divulgadas, pois fazem parte da história do povo em geral e não apenas de um pequeno grupo seleto que por muito tempo a História oficial se debruçou em registrar.

NOTA: Essa História é real e eu vi acontecer, mas o nome é fictício. Busquei o nome de um personagem do livro Don Quixote.