Jerry Bocchio e os Ratos na Padaria – Capitulo II: Uma Visita Não Tão Inesperada

Quando eu saí da Padaria Nova Caledônia, fui até meu escritório já pensando em uma estratégia de investigação no meio do caminho mesmo. Seu Rogério estava quase desistindo do que ele considera ser a sua vida ideal e é meu dever ajudá-lo.

Eu já vi alguns casos que envolvem pessoas com supostos poderes sensitivos e, sinceramente, nunca me convenceram. Essas pessoas mais atrapalham do que ajudam, pois, quando metem essa explicação metafísica, as outras pessoas simplesmente desistem de continuar procurando.

Quando cheguei ao escritório, comecei a pensar em cenários para o acontecido. Lembrando que, uma semana antes dos ratos aparecerem, Seu Rogério havia mandado dedetizar a padaria. Então, como esse ninho de ratos apareceu lá? Tentando imaginar cenários para esse acontecimento, escolhi começar por investigar conversando com os funcionários da padaria. Talvez eles teriam algo a dizer, testemunhado algo etc.

Falar com aquele cliente que ingeriu os pêlos de rato e ficou com infecção alimentar também seria uma boa.

Liguei para o Seu Rogério e pedi para ele tentar chamar seus funcionários para conversar, mas ele não estava atendendo na hora. Quando o Seu Rogério retornou a ligação, uma meia hora depois, ele estava empolgado pra saber se eu já tinha algo:

– Alô.

– Alô, J.B.? Aqui é o Rogério. Você tinha me ligado. Já tem novidades?

– Ainda não, Seu Rogério. Eu estou só no começo da investigação.

– Então por que me ligou?

– Eu queria começar falando com os seus funcionários. Será que o senhor poderia reunir eles pra eu fazer umas perguntas?

– Xiiii, depois de tudo o que aconteceu, acho difícil. Alguns já estão até tentando arrumar um novo emprego. Você acha que foi um deles?

– Não! Só pra saber se alguém notou algo estranho ou testemunhou alguma coisa.

– Tá bom, então. Vou ver o que consigo fazer. Venha pra padaria daqui umas duas horas.

Ótimo! Agora já tenho por onde começar. Além do Seu Rogério, trabalham também na padaria o chapeiro, Zé Maria, a recepcionista de caixa, Renatinha, o garçom, Rodolfo, as duas atendentes do balcão, Valéria e Marisa, e os auxiliares da cozinha que ajudam o Seu Rogério, Tião e Caçula.

Enquanto preparava minhas coisas, ouvi uma batida na porta. Poderia ser um cliente, mas, como já me comprometi a ajudar o Seu Rogério nessa, fui abrir a porta para dispensar a pessoa. No momento que eu abri a porta, uma surpresa: era a Vidente Solange.

Ela agora estava com um ar menos agressivo do que a primeira vez que eu a vi na padaria. Porém, ainda de um jeito muito intrusivo, apenas me deu um "boa tarde" e foi entrando sem minha autorização. Passou pela porta, sentou-se à minha mesa, ficando de costas para mim, que estava na porta, e começou a falar:

– Detetive Jerry Bocchio, você está investigando o que aconteceu na Padaria Nova Caledônia, não?

Eu não fui até a mesa, fiquei parado na porta pra ver se ela entendia que eu estava de saída. Falei pra ela de lá mesmo:

– Sim, senhora Solange. Inclusive eu estou indo até lá agora mesmo.

– Suas habilidades são inúteis para esse caso, detetive. Estou aqui para te alertar para não dar prosseguimento à investigação.

– Olha, eu sei que muita gente gosta do que a senhora fala e tudo mais. Só que eu não acredito nessas coisas de encosto aí não.

– Pois não adianta nada você não acreditar. Eles agem do mesmo jeito.

Esse pessoal é estranho. Quando é pra acontecer coisas boas, tipo ganhar dinheiro, arrumar um romance, melhorar a saúde, dormir oito horas por dia ou poder comer besteira todo dia sem sofrer consequências, aí você tem que acreditar direito. Se você tiver um pingo de dúvida, não acontece. Agora, pra acontecer coisas ruins, aí nem precisa acreditar que acontece. O Deus dessas pessoas deve ser um vilão de novela, só pode.

– Posso saber o que esses tais "encostos" farão?

A minha pergunta fez a Vidente Solange se levantar e virar de novo para mim, com o pescoço curvado para frente, fazendo uma posição de corcunda. Ela começou a falar mais agressivamente, parecendo que queria me impor medo. Foi de um modo tão brusco que acabou me assustando:

– Nossa! Um deles te possuiu agora?

– Detetive, não caçoe da situação! Os encostos são ardilosos! Não se pode saber o que passa na cabeça deles!

– Aaaah! Eles têm cabeça?

– Sim, oras! Eles são espíritos maus.

Não entendi a relação entre ser espírito mau e ter cabeça. Mas ela disse de um modo tão convincente que, na hora, parecia ter lógica. Aí eu fiz mais uma pergunta que eu julgava importante:

– Ué, então porque não chama eles de "espíritos maus" logo? Esse negócio de "encosto" deixa um pouco confuso.

– Eu que costumo chamar eles de "encosto".

– Mas por quê?

– É porque... Porque... Ah, não interessa! O que interessa é que se você prosseguir nessa investigação, eles vão entender como desafio.

– Olha, dona Solange...

– Vidente Solange!

Pera aí! Ela faz questão que chamem ela de "Vidente Solange"? Vidente virou coisa tipo doutor, professor, juíz etc.? Ai, fazer o quê, né?

– Tá, tá bom! Vidente Solange! Há alguns segundos você me falou que não dá pra saber o que se passa na cabeça deles. Agora você me diz que eles vão entender como desafio? Agora eu estou entendendo menos ainda.

A Vidente Solange parou por uns instantes com o dedo indicador no queixo, como se estivesse tentando lembrar de algo. Quando ela voltou pra conversa, só foi pegando a bolsa dela e disse, ou melhor, gritou, do mesmo jeito que ela faz com os ouvintes da rádio:

– Ah, pare de fazer perguntas! Que saco! Você quer saber de tudo, é? Me dá licença que eu preciso... Preciso... Ir pra rádio.

– Ué, seu programa só passa de noite.

– Pare de fazer perguntas!

– Mas isso não foi uma pergunta.

– Chega! Olha só, você me irritou tanto com as suas perguntas que eu quase esqueci uma coisa.

A Vidente Solange olhou no fundo dos meus olhos com um olhar sério e disse de forma dramática, como se fosse um apresentador de um programa de mistérios, tipo "O Homem do Sapato Branco":

– Você foi avisado!

Após isso, ela foi embora, batendo com força a porta do escritório. Confesso que o modo como ela falou me assustou um pouco. Ela é bem convincente no modo de falar essas coisas, afinal, já são vários anos trabalhando com isso, não é mesmo?

Mas eu não me importei. Nem ela parecia direito saber o que são esses tais "encostos". E pra ser bem sincero mesmo, eu já estava meio que esperando essa visita da Vidente Solange no meu escritório. Não sei especificar direito o porquê disso, talvez seja porque ela quer garantir que acertou a previsão dela na padaria não deixando ninguém investigar. Além disso, ela já foi desmascarada ao vivo anteriormente, talvez um investigador cause um certo trauma nela... Ou será que eu também tenho "poderes sensitivos"? Uuuhh! Mirei no Sherlock Holmes e acertei no John Constantine!

Brincadeiras à parte, olhei no meu celular que já estava quase na hora de eu sair. Peguei meu caderno, não peguei minha jaqueta porque estava um calor infernal (já falei que o clima do Brasil não deixa eu ter estilo?) e fui em direção à Padaria Nova Caledônia.

Continua...