Interpretação de texto

Ficou mais uma vez sem o jantar o jovem estudante de língua portuguesa cujos professores tentavam corrigir ensinando-lhe que deveria "sentar-se à mesa" às 19:00 horas, impreterivelmente, como queria a mãe dele. E não "sentar na mesa" às 19:30 horas, atrasadamente e massacrando a língua de Camões, como ele costumava fazer às vezes.

Um desses episódios, ou lição, se deu justamente naquela noitinha em que a genitora havia preparado o jantar da família com muito esmero: língua bovina ao molho madeira. Que o jovem detestava, claro, pois como muitos de sua idade preferia cheeseburguer com fritas (eu também, mesmo não sendo da idade dele). Ficar pois, sem jantar, nessa ocasião teria sido castigo mesmo ou sorte dele?

Como vinha estudando muito para o vestibular, sentia-se meio lusitano naqueles dias, com a cabeça girando, transportado que era para outras preocupações estudantis e mundanas, ele não entendeu muito bem a questão. Nem mesmo depois de relê-la atentamente mais de uma vez. Mas tinha de escolher: Sorte de quem: a) do jovem, b) de Camões, c) do boi, d) dos professores, e) nenhuma das alternativas?

Assinalou b) de Camões porque lembrou-se que a mãe também fazia bife a Camões de vez em quando. Ela não era besta de somente tirar a língua do boi, cozinhá-la e jogar o resto fora. Não podia jogar o boi deslinguado no lixo por conta do tamanho do animal e do erro dele, seu filho.

Conclusão: enquanto não comesse refeições mais saudáveis e prestasse mais atenção nas aulas, no açougue e em Inês de Castro, teria de continuar pedindo ajuda para o sábio professor Pasquale. E aprender de vez a diferença entre interpretação de texto e esculhambação de texto.

Millôr Fernandes, nosso humorista mais genial, sabia fazer as duas coisas com maestria, principalmente a segunda. Às segundas, mas também na terça, quarta, quinta...