O menino de coração grande

- Moço, me dá dez centavos pra eu comprar um pão. Tô com fome.

O homem, alto e de bigode, deu-lhe um pontapé no traseiro, jogando-o no chão.

- Olhe se eu tenho cara de trouxa pra sustentar vagabundo.

A última palavra doeu mais que o pontapé. Os olhos do menino maltrapilho e pés descalços encheram-se d água. Tinha apenas oito anos de idade. Uma senhora que passava, ao ver aquilo, condoeu-se e tirou cinco reais da bolsa.

- Tome, meu filho. Pare de chorar e vá matar a fome.

- Obrigado, dona.

Mais dois rapazes fizeram o mesmo que a velha, enquanto que o outro homem já se encontrava longe, no seu carro, todo importante.

Caminhou pela rua até dar-se com uma marcenaria. Teve uma idéia: entrou e mandou fazer uma caixinha de engraxate. Mostrou o dinheiro. Pagaria o restante no dia seguinte. E então foi a um supermercado. Lá encontrou o que precisava.

- Segurem esse moleque, que ele está roubando - gritou um empregado, enquanto o povo se movimentava.

- Tô roubando não. Tenho dinheiro pra pagar - respondeu, dirigindo-se ao caixa.

- Sabe-se lá onde arrumou esse dinheiro.

- Não se pode confiar nesses pivetes.

- Um dia vocês vão pedir esmola - gritou.

Todos riram. Pagou sua comprinha, saiu danado da vida, com a sacolinha na mão.

Será que fezera algo errado para não gostarem dele? Maltratavam-no em todo lugar, e raras eram as pessoas que o ajudavam. Mas agora ia trabalhar. Ganharia muito dinheiro, estudaria, compraria uma casa para a sua mãe, daria uma boneca bonita para sua irmãzinha, e também esmolas aos pobres.

Dormiu pensando nisso, e no outro dia pegou no batente. Foi para o centro da cidade, onde o movimento era maior. A caixa de engraxate pesava-lhe nos ombros, mas ele não se importava. Os pés doíam no asfalto quente, o lsuor escorria-lhe pelo rosto.

- Quer engraxar os sapatos, moço?

O homem virou-se e ele o reconheceu. Seu coraçãozinho bateu forte.

- Ah! então agora resolveu trabalhar... Vamos ver se para isso você presta.

Deu as costas para o homem e saiu andando devagarinho, deixando o homem a falar com o vento. Ouviu apenas sua risada.

Trabalhou o dia todo, e voltou para casa cansado mas contente, arrastando um chinelinho novo e lavando um quilo de arroz para sua mãe. O restante do dinheiro guardou num cofrinho.

E, passados dois meses, ele já tinha uma roupinha nova para vestir aos domingos e uma boa quantia guardada. Pôde matricular-se numa escola, o que lhe tomava a manhã inteira. Completou nove anos no mês de maio e com muita vontade de vencer na vida. Sabia que, estudando e trabalhando, conseguiria alguma coisa. E sempre com essa idéia na cabeça, foi crescendo e lutando, melhorando de emprego e adiantando-se nos estudos.

Doze anos depois, quando parou com seu carro diante de um supermercado, viu, sentado no passeio, um velhinho sujo e maltrapilho, barba grande, que ele não deixou de reconhecer.

- Esmolinha pra esse pobre velho, pelo amor de Deus...

Tirou uma nota de dez reais e ficou segurando diante dele. Sorriu.

- O senhor se lembra, há doze anos, de um negrinho que lhe pediu dez centavos pra comprar pão, e o senhor deu-lhe um pontapé? Creio que isso paga o "vagabundo" daquele dia.

Entregando-lhe o dinheiro, virou as costas e entrou no supermercado, sem olhar para tra´s, deixando o velho com os olhos cheios d água, e um grande remorso no coração. Lembrava-se muito bem daquele negrinho caído no chão, e depois com uma caixinha de engraxate nas costas.

Maurício Apolinário
Enviado por Maurício Apolinário em 29/05/2008
Código do texto: T1010614
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