O Saci-pêrere da casa da minha avó.

Numa terra bem distante, lá no interior do roncó,

Uma casa diferente, era a casa da minha avó.

Na minha casa na cidade, tinha luz, TV e geladeira.

Tinha jogos e amizades, muita farra e brincadeira.

Na roça não tem nada disso.

Xixi se fazia no mato e penico era outro enguiço.

O banheiro era uma casinha, com porta bem estreitinha.

Ficava longe lá fora e tinha até briga na hora de fazer a obrigação.

Privada de louça não tinha, ou cagava na lata, ou num buraco no chão.

Na cozinha um fogão a lenha, que queimava sem parar,

Fazia sopa, arroz, feijão e bolo de fubá.

Depois da janta, a tardinha se ouvia a cigarra a cantar,

se despedindo do dia pra modo de descansar.

Toda noite a gente ouvia os causos que minha avó dizia,

era pura diversão.

Olhando pela janela, sentados à luz de vela.

Não tinha televisão!

Depois chegava o momento,

logo após o divertimento

de ir pra cama deitar.

Eu não estava acostumado

com o barulho danado,

dos sapos, cigarras e grilos,

que passavam em estribilho ,

a noite a me incomodar.

Uma escuridão de dar medo

que até a coruja vai cedo,

pro ninho se refugiar...

As estórias que minha avó contava,

do saci-pererê, da cuca e da onça do mato,

eram tão reais de fato,

que frio na espinha me dava.

Bem que eu tentava dormir,

mas quando mal percebia,

a noite do céu partia

já era amanhecer.

Por vezes cobria a cabeça

e prendia a respiração.

O sono não tinha pressa,

dormir era só ilusão.

Foi quando numa noite dessas,

sem que o sono vencesse,

eu tive uma sede tão grande

que fui da água beber.

Fui apalpando as paredes e esfregando os pés no chão,

com medo de pisar em bichos, em cobras e escorpião.

Vi uma luzinha vermelha,

alumiando de dentro do forno a lenha.

Me assustei com os estalos

da chama no pau carvalho

e do bicho deitado no chão.

Seus olhos estavam brilhando, no meio da escuridão.

Era apenas o Chumbinho, o gato de estimação.

Senti um medo rasteiro

e do susto senti ligeiro,

as pernas tremerem com a situação.

Desceu um calor bem quentinho,

xixi eu fiz só um pouquinho,

no meio do meu calção.

Continuei com coragem,

pois não era miragem

a água a me esperar.

Num grande esforço, acredito,

consegui virar o jarro "mardito",

sem ninguém para ajudar.

Enchi o copo de água e virei num gole só.

Quando vi dentro jarro uma coisa, um cipó.

"Víxe" que coisa esquisita,

que a garganta palpita,

por dentro já deu um nó.

Era um pretinho engraçado,

com um gorro vermelho arriado

e um cachimbo na mão.

Fechei de pronto a botija,

com a rolha dei um apertão.

Chacoalhei a garrafa indefesa,

pra conferir a proeza

de ter prendido um saci.

Olhei lá dentro o coitado,

já tristonho e ensopado,

com o cachimbo apagado

e o gorrinho na mão.

Seu olhos estavam vermelhos,

como a luz do fogareiro

no meio da escuridão.

Só eu e o gato Chumbinho,

que no jarro faz carinho,

querendo o saci alcançar.

O gato fez alvoroço,

querendo da fruta o caroço

e o saci para jantar.

Minha avó chegou ligeira,

com a vassoura palmeira,

em riste pro bicho matar.

E gritava na escuridão:

-Menino, acende o lampião!

Mas como eu podia acender se em casa eu só uso um botão???

Tentei explicar pra ela, sobre o Saci, meia-tigela, dentro do garrafão.

E no "revorteio" causado,

derrubei o tal safado.

Foi jarro, vassoura e cajado,

Foi gato pra todo lado.

Com a lamparina na mão,

meu irmão veio saber.

Viu minha vó a sorrir

no colo do saci-pererê.

Que noite!

Acordei com sede..., mas todo molhado.

Wagner Denys
Enviado por Wagner Denys em 26/04/2009
Reeditado em 22/06/2019
Código do texto: T1560307
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