Uma foto de família

“Batatinha quando nasce esparrama pelo chão

Mamãezinha quando dorme

Põe a mão no coração...”

Então a menina viu o quadro, na parede, com aquelas imagens desbotadas: Uma imensa fila de homens e outra de mulheres; algumas crianças como ela ao lado das mães, outras no colo de tias, avós; ela supunha. Ficou ali por minutos, atenta, os olhinhos pequenos indagando, colhendo...

_ Mamãe! Quem é essa moça de calça comprida aqui ao lado da senhora? _ A mãe sorri meiga_ As mulheres já usavam calças compridas no seu tempo?

Nas mãos de dona Inocência um tecido de algodão macio e claro como sua alma modesta. Nena senta-se perto dela e brinca com as linhas do bordado. Entretém-se com as cores vivas e analisa melhor uma em tons variados de verde. Os olhinhos seguem os dedos da mãe sobre o tecido. Sabe que logo, logo vai chegar um irmãozinho ou uma irmãzinha. A mãe admira-se da filha não ter questionado mais uma vez acerca da foto e mais para si fala:

_ Sua tia Rita sempre foi uma mulher à frente de seu tempo. Enfrentou seu avô Doca e usava calças compridas, sim. E o que é meu tempo? Não é diferente do seu não. _ Já se notava um ar de menina rebelde nas feições da mãe, antes tão ingênuas_ Quem é que age tal um menino indo assistir a Tarzan na casa do vizinho, hem Nena? Isso amanhã soará como algo fora do seu tempo, filha. Como rebeldia.

E todas as outras fotos. Indagando na menina uma pergunta. O olhar de um homem bonito com o rosto oval ao lado da mãe. “Mãe, você casou com quantos anos?”

Sapo Cururu da beira do rio

Quando o sapo canta, maninha

Cururu tem frio...

A mulher do sapo

Diz que está lá dentro

Está fazendo renda, maninha

Pro teu casamento.

_ Aos quinze anos, minha filha. E sua avó Inês, aos quatorze.

_ E você só namorou o meu pai?_ Olhos nos da mãe com medo de tê-la aborrecido.

Intrusa, a menina soltou as linhas do bordado e sentou mais coladinho da mãe. Acompanhou os movimentos dos lábios enquanto falavam de um primo que ela havia gostado. Os movimentos das mãos maternas desenhavam no ar a alegria de um namoro de infância. Uma serenata à janela, com uma antiga radiola e disco de vinil. Roberto Carlos era o cantor mais prestigiado pelas mocinhas da redondeza e era seu favorito também.

O que Nena gostava era da música que sua mãe cantava quando ia embalar o irmão Alexandre, sentada no baú, e um cordão amarrado ao punho da rede levando-a no balanço dos braços para lá e para cá (...)

“Quem tiver mulher bonita

Esconda do Gavião...

Ele tem as unhas compridas

E deixa os maridos na mão...

O Gavião que vai passando

Vai baixando sem demora

Pega a Mulher pelo Bico

Diz: “Adeus”, e vai embora...

Ficou ali, comovida, a admirar aquela linda mulher que serena bordava os cueiros de mais um filho numa prole que já contavam sete. E a menina suspirou baixinho sabendo que um dia também teria seus filhos e suas histórias para contar...

Teresa Cristina flordecaju
Enviado por Teresa Cristina flordecaju em 14/06/2009
Código do texto: T1648756
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