LUZ DA MANHÃ (cordel infantil)

(A menina que virou princesa)

Era uma vez, num palácio sombrio,

Uma menina que morava sozinha

Num quarto atrás da cozinha,

Pois era escrava a coitadinha,

De uma rainha muito malvada.

Luz da Manhã era o seu nome.

Doente, ela passava frio e muita fome.

Nos poucos momentos de descanso,

Para aliviar tal tormento, ela comia

Umas folhas que brotavam verdinhas

Na água corrente e límpida do riacho,

Um quilômetro floresta a dentro.

A idade de Luz da Manhã variava

Entre quatorze ou dezesseis anos,

Ninguém sabia ao certo,

Era o que ela aparentava.

A rainha megera observava

Que o castigo que aplicava

De nada adiantava

Pois a menina melhorava

Da forte tosse que incomodava

O sono dos outros empregados.

Com a falta de boa alimentação

O mal deveria piorar, pensava a bruxa.

Mal sabia a desnaturada

Que outros empregados do castelo,

Com muita pena de Luz da Manhã,

Escondiam pães, nozes e avelãs

Nos bolsos dos seus aventais

E antes de se dispersarem

Cada um para os seus afazeres

Deixavam tudo num cesto de vime,

Escondido num buraco da parede do quarto,

Para que a infeliz menina,

Ajudada por eles e pela planta,

Pudesse se livrar do mal para sempre.

Luz da Manhã crescia e a cada dia

Ficava mais rosada e mais bela

Com grandes olhos azuis

E longos cabelos cor de mel

Despertando a inveja e o rancor

Daquela rainha sem alma,

Que a expulsou do sombrio palácio,

Para aquela floresta fria e nevoenta

Com uma trouxa de roupas e mais nada.

O tempo foi passando e Luz da Manhã

Ainda vivia no mato junto com alguns bichos

Que se tornaram seus grandes amigos.

Um deles, um lobo velho de cor cinzenta,

Foi quem abrigou a menina em sua toca.

A princípio ela sentiu medo, mas o animal,

Tranquilizando-a, disse que não lhe faria mal.

Um macaco tornou-se seu grande amigo.

Se ficasse ao lado dele ela não correria perigo, dizia.

Além de presentear a amiga com tudo que comia

Ensinou-lhe a diferenciar as boas frutas das nocivas.

Aprendendo com os bichos, ela não passou fome,

Nem sentiu frio. Solidão? Estranho esse nome.

Vivia sempre cercada de amigos sinceros.

Numa tarde de sol muito bonita,

E na companhia do amigo macaco,

Ela se aproximou do riacho onde nasciam

Aquelas folhas verdinhas e gostosas

Que a sua tosse curou. Ficou ansiosa

Porque dali dava para avistar as torres

Do grande palácio dos horrores,

Sua casa por um tempo, e ela muito queria

Esquecer para sempre o dia

Em que se embrenhou pela mata

Numa época de chuva e muito frio.

Estava pensativa olhando a água do riacho

Quando ouviu homens falando

Em tom nervoso e pesaroso.

Aproximando-se cautelosamente

E por entre os galhos observando

O motivo de tal confusão.

Foi então que viu um belo rapaz caído,

E por homens preocupados rodeado.

Ela foi chegando de mansinho,

Sem nenhum barulhinho,

Mas o macaco assustado

E com medo dos cavalos,

Gritou subindo rapidamente

Num alto pé de carvalho.

Ao avistar Luz da Manhã entre as folhas,

Um dos homens, com um chapéu em forma de bolha,

Aproximou-se e perguntou como podia

Tão bela jovem estar ao meio-dia

Naquela floresta tão distante do seu castelo.

Supunha ele estar diante de uma princesa

Tal era a suavidade e a beleza

Da moça desconhecida.

Luz da Manhã contou sua história.

Era uma vida sem glória,

Mas vivia muito feliz ali

Entre macacos, lobos e javalis.

Quis saber quem era o jovem

Estirado, imóvel ali no chão.

-É um príncipe de bom coração,

Filho do poderoso rei João

Que nada teme nem urso nem leão.

Ele sofre de um mal que ninguém conhece

Tosse muito e desfalece

E, ao acordar, não reconhece

Quem o ajudar tenta.

Médicos já foram mais de setenta

Nenhum capaz de descobrir

A causa de tanto tossir.

Respondeu o homem de chapéu de bolha.

Apanhando de uma árvore a folha

Ele se pôs a abanar o jovem desmaiado

Para que se sentisse ventilado.

Luz da Manhã contou ao homem

Que um dia sofrera de mal igual,

E graças a um vegetal,

De cor verde magistral,

Recuperou a saúde

E que ela, amiúde,

Faz dessas folhas refeição.

Com todo respeito e admiração

O homem pediu à moça

Que o levasse até a planta,

E sua ansiedade era tanta

Que ele tropeçou caindo numa poça

De lama negra e fétida.

Segurando a mão do macaco,

Luz da Manhã acompanhou o homem

E com ele chegou ao riacho coberto

De folhas tenras verdejantes.

Perguntando insistentemente

Ele obteve a resposta finalmente:

Era aquela a planta milagrosa

Que livrou a moça do mal terrível.

Recolhendo punhados da erva

O homem foi até o belo rapaz

Que parecia dormir em paz.

Chamou os companheiros

E pedindo uma faca

Improvisou uma maca

Para levarem de volta ao castelo

O doente jovem e belo.

Lá chegando contaram ao rei João

O fato acontecido na floresta.

Sentindo partido seu coração

O rei pediu a um grupo de soldados:

- Tragam essa moça a minha presença

Para que me ajude a libertar de tal sentença

Julian meu amado filho.

Horas depois o grupo voltou

Trazendo a jovem temerosa

De voltar aos dias terríveis

Vividos em outros tempos.

Luz da Manhã foi recebida

Pelo rei e pela rainha,

E nesse breve encontro

Ela sentiu grande simpatia

Pelo generoso casal real.

Os dias foram passando

E, com os cuidados da rainha

E de Luz da Manhã, o príncipe

Foi se recuperando do mal de tossir.

Todos os dias soldados iam ao riacho,

E em cestos traziam para o palácio

A milagrosa planta que virava

Grande prato de salada crua

Que o príncipe devorava com satisfação.

Numa tarde, quando ajudava a rainha

A enrolar lãs e linhas, Luz da Manhã

Contou que não conhecia seus pais,

Não sabia o lugar de seu nascimento

Tampouco como fora parar no castelo sombrio.

Ela percebeu que a rainha ficou triste.

-Majestade, eu disse alguma coisa errada?

Perguntou a menina assustada.

-Não, minha filha, não...

Mas não pôde esconder a lágrima

Que caiu morna na palma de sua mão.

Luz da Manhã soube da triste história,

Da longa busca sem vitória

Pela princesinha desaparecida

Aos dois anos de vida.

A rainha secou os olhos,

Deixou o cesto de linhas

E foi até a sala do trono

Onde estava o rei em pleno sono.

Chamou o marido que assustado

Perguntou o que ela queria.

Segurando a mão do rei João

Ela disse com toda a emoção:

- Majestade, já reparou nos olhos de Luz da Manhã?

São iguais aos da nossa Miriam.

Estou com um pressentimento,

Por isso peço que mande investigar

A origem desta menina e como ela foi parar

No castelo de Serafina megera.

Depois desse pedido o rei João

Mandou chamar o soldado Salomão

Especialista na investigação

De qualquer caso dito perdido.

Com as ordens do rei ele partiu.

Percorrendo várias estradas

Chegou a um vilarejo distante

E foi perguntando confiante

Se ali teria aparecido,

Há uns quatorze anos,

Uma linda menina

De olhos da cor do céu

E cabelos cor de mel.

Vinte moedas de ouro

Tinha ele na bolsa de couro

Para pagar regiamente

Qualquer informação convincente.

Foi aí que alguém disse

Que isso era sandice,

Tanto tempo se passou

E a criança já evaporou.

Saindo do meio do ajuntamento,

Uma senhora com esquisito paramento,

Segurando pela rédea um jumento

Pediu para falar naquele momento.

Fale senhora com clareza

Para que eu diga à realeza

Que cumpri a ordem dada

E que de mentira não tem nada

A sua informação. – disse Salomão.

- Foi num mês de quente verão

Que passou por aqui um gigante,

Vindo não se sabe de onde,

Procurando o castelo da rainha Serafina.

Ele trazia uma criança envolta

Em rica manta de veludo

Onde bordado havia um escudo

Com duas lanças e um coração.

Salomão ficou muito sisudo

Pensando: aquele era o escudo

Da família do rei João.

Continuou a mulher falando

Sobre o gigante e a criança.

- Soldado não tenha esperança

Porque a maldade da rainha é tanta

Que, talvez, tenha feito desaparecer

Aquele pequenino ser.

Salomão ligou os fatos:

- Nossa! Quatorze anos exatos...

Se fosse como ele pensava

A princesinha estaria agora

Com uns dezesseis anos de idade.

Seria Luz da Manhã a princesa?

Depois de tal informação

O experiente soldado Salomão

Entregou à mulher a bolsa de couro

Com as vinte moedas de ouro.

Voltou ao castelo cavalgando

Num cavalo que parecia voar.

Levantando poeira no ar

Parou estafado diante do castelo

Esperando a ponte descer,

E antes do completo escurecer

Estava narrando ao rei João

Todo o conteúdo da informação.

Então o rei valente decidiu

Ir pessoalmente ao castelo

Da rainha má Serafina,

Para esclarecer o mistério

Da origem de Luz da Manhã.

Nem bem rompeu o dia,

Vestindo uma armadura dourada,

Partiu o rei com seus duzentos soldados.

Depois de alguns dias, todos cansados,

Chegaram ao castelo sombrio.

Serafina ficou amedrontada

Ao ver diante de si o rei João

Que, em tom ameaçador, exigia

Que lhe dissesse quem era

A moça que, sem piedade,

Ela enviou para o meio da floresta.

O suor banhava a testa enrugada

Da malvada Serafina

Que outro jeito não teve

Senão pedir a um serviçal

Que fosse buscar a manta

Guardada no fundo de um baú.

Foi com aquela manta

Que Luz da Manhã lhe foi entregue

Pelo gigante Mussaregue. – informou a megera.

O rei chorou ao ver a manta.

Então aquela menina da floresta

Era Miriam, a sua amada filha,

Levada para ser escravizada

Por tal criatura desprezível.

Antes de partir levando a manta

O rei passou a ordem:

- Libertem todos os escravos!

Um dos escravos, respeitosamente,

Disse ao rei que Serafina

Mandara prender covardemente

Augusto, o rei daquele lugar,

Tomando seus bens e suas terras

Escravizando a todos sem piedade.

João, imediatamente,

Enviou o soldado Clemente

Para libertar os prisioneiros.

Devolvendo a Augusto o seu reino,

Tornou-se amigo e aliado.

Os dois, em comum acordo,

Baniram Serafina para um lugar pantanoso

Onde vivem corvos e jacarés.

Por toda a sua vida viveria

Sem o luxo do castelo sombrio

Aprendendo que não se deve fazer aos outros

Aquilo que não quer para si.

Enviando à frente um mensageiro

Para comunicar a todo reino

A grande descoberta feita,

Voltou para casa o pai feliz

Para abraçar e beijar a princesinha.

25/10/10

(histórias que contava para o meu neto)