A Invasão Lautoniana


A Invasão Lautoniana

– Pafúncio! Não! – gritou Dalila.

O cachorrão levantou a cara cheia de terra do meio das flores destruídas no canteiro favorito de dona Amélia.

– Pafúncio! Sai daí! Mamãe mata a gente!

Balançando o rabo, ele correu até ela com uma bola na boca.

– Agora você quer brincar, né? – e tomou-lhe a bola, pronta para lançá-la longe.

Foi parada por uma vozinha que vinha da sua mão:

– Espere!!

A menina procurou a origem do som e viu quando uma janelinha se abriu e um homenzinho de capacete e roupa de astronauta acenava.

– Quem é você?

– Serafim.

– Você é de outro planeta?

– Não. Sou terráqueo desde pequenininho.

– Bom... Você ainda é pequenininho...

– Eu explico pelo caminho. Não temos tempo a perder. Vamos!

– Como assim, “Vamos!”? Eu não posso sair assim com estranhos... Ainda mais um estranho tão... Estranho! E...

Antes que ela pudesse continuar, uma coisa caiu do céu bem ao lado dela. Pafúncio deu um pulo e se enfiou debaixo da escada.

– Oh! Não! Estamos perdidos... Ele me achou. – disse Serafim.

– Ele quem?

– Ele! – disse novamente o homenzinho, apontando para o buraco na grama.

Ela olhou para onde ele apontava e viu que, dentro, havia uma esfera igualzinha a que tinha nas mãos.

– Quem é ele? – perguntou.

– Prometo lhe explicar tudo pelo caminho, mas, precisamos sair daqui antes que ele consiga se recuperar da queda.

– Está bem, está bem! – disse ela. – Vamos, Pafúncio!

O cachorro veio meio ressabiado, cheirou a outra bola e levantou a pata. Fez xixi e ainda jogou um pouco de terra por cima.

Dalila riu:

– Bom garoto! Isso deve nos dar algum tempo.

– Ótimo! Agora, vamos!

– Para onde? - perguntou ela, já se encaminhando para a rua.

– Qualquer lugar! Apenas me tira daqui! Ele não demora a se recuperar.

– Você também caiu?

– Sim! Ele me atingiu e eu a ele. Por isso preciso de você. Para me afastar dele enquanto tento consertar a nave.

– Nave?

– Sim! Essa... “coisa” que você está carregando é uma nave lautoniana.

– Ei! Você disse que era terráqueo!

– E sou. Ele é que não é.

– E como foi que você ficou tão pequeno?

– Eu trabalho na base aérea de Natal e nós detectamos uma movimentação estranha... Pareciam alienígenas... Então, conseguimos interceptar esta nave.

– Eita! – disse ela, parando.

– O que foi?

– Estamos no carnaval... Olha como está a avenida!

– Ótimo!! Misture-se aos foliões! Isso irá confundi-lo.

– Não! Tenho medo dos mascarados!

Tziummmmmm! – fez um raio que passou chispando a orelha dela.

– Você devia ter medo é dele... – disse Serafim apontando para a outra nave que vinha rolando pelo asfalto, disparando contra eles.

Dalila entrou no bloco rebolante. Pafúncio ficou eufórico com tanto barulho e gente.

– Por que as pessoas usam máscara no carnaval? - ela quis saber.

– Para assustar as crianças!

– É?

– Não, boba! É que, antes, senhores e escravos se misturavam em festas onde tudo era permitido e, por isso, era melhor que não fossem reconhecidos. Para evitar represálias depois.

– Pensei que era só enfeite...

– Também. E pra viver fantasias, pra protestar...

Tziummmmmm! – um novo raio quase acertou o Pafúncio que correu assustado.

– Pafúncio! Pafúncio! Espera! – gritava a menina, correndo atrás dele.

– Esqueça o cachorro! Precisamos fugir!

Tziummmmmm! – mais um, desta vez, desintegrando um folião que dançava ao lado deles.

– Ai! – gritou ela – Não! Sem meu cachorro, eu não vou!

– Olha ele lá! Perto do carro de som!

Ela correu até ele.

– Pafúncio! Vem, garoto!

Esquecido do medo, o rotweiller pulou nela.Quase derrubou a nave.

Tziummmmmm! – a luz vermelha atingiu em cheio a roda do caminhão que tombou, derrubando a banda lá de cima.

– Eles vão se machucar! – Dalila gritou.

Tziummmmmm! – um novo raio os fez desaparecer no ar, antes de se esborracharem no chão.

Dalila disparou a correr, seguida por Pafúncio.

– Por aqui! – disse Serafim, apontando a direção da praça! – Assim ele vai ter que atravessar a multidão.

A menina obedeceu. Ao olhar para trás, viu o pequeno ORNI (Objeto Rolador Não Identificado) ser chutado por um bando de Ronaldinhos Gaúchos.

– Ufa! Acho que escapamos!

– Desta, sim. Por enquanto... – disse o Serafim.

– Tem outra?

Tziummmmmm! – um raio vindo do céu sumiu com um pirata.

– Tem!

Tziummmmmm! – e lá se foi uma odalisca.

– Percebi!

Tziummmmmm! – sumiu um anjo cor de rosa.

– Olha lá! Um clube! Entra!

– Mas eu não tenho dinheiro!

Tziummmmmm! – era uma vez uma baiana.

– Vou materializar para você! Pegue!

Na mesma hora, ela sentiu que havia um papel entre sua mão e a nave. Pegou e viu que era uma nota de R$ 50,00.

– Uau!! Você pode fazer dinheiro?

– Não! Este é meu! Só retornei ao tamanho normal. Vê lá como gasta isso, hein!?

Dalila comprou o ingresso.

– O cachorro não entra! – disse o segurança.

– Mas eu sou cega! Ele é meu cão guia!

– É? E cadê a guia?

Pafúncio não esperou o fim da discussão e correu para dentro. Dalila e o segurança foram atrás.

Tziummmmmm! – em cheio no sujeito!

– Ainda bem que ele é ruim de tiro! – disse Dalila, se misturando às pessoas no baile.

– Acho que aqui ficaremos seguros por algum tempo. – disse Serafim.

– Ai! Detesto confete! Minha roupa vai ficar cheia dessa porcaria!

– Imagina se você tivesse vivido no tempo dos Entrudos. – riu Serafim.

– Entrudo?

– Sim! Uma das festas que deram origens do carnaval. As pessoas jogavam era sujeira umas nas outras. Água, farinha, frutas podres e até xixi!

– Eca!

– Depois é que evoluíram pro lança perfume, serpentina e conf...

– Pafúncio! – chamou Dalila, apontando para cima.

Tziummmmmm! na Mulher Maravilha de biquíni. Tziummmmmm! no Batman rosa-choque. Tziummmmmm! no Supermam gordão.

– Ele vai acabar com a Liga da Justiça! – admirou-se ela, arrastando Pafúncio para debaixo do enorme palco onde um grupo tocava marchinhas antigas.

– Serafim! Falta muito para consertar essa joça?

– Não! Relaxa! Aproveita a música!

– Affe! Se ainda fosse um Justin Bieber! Mas esse tal de Pierrô ninguém merece!

– Pois este é um dos grandes clássicos do carnaval... Surgiu em Veneza,... Pierrô e Arlequim amam Colombina...

– Sei... E o Arlequim leva um pé na bunda... Ô dó!

– Não! É ele quem fica com ela!

– Ué!? Mas a música diz que ele está chorando...

– Ela fala de pessoas fantasiadas, não da história original...

Tziummmmmm! – um raio acertou a lona que cobria o esconderijo deles.

Eles correram para o outro lado.

Tziummmmmm! – a outra nave já os esperava lá.

– Serafim!

– Espera! Acho que consegui ativar o campo de força.

Tziummmmmm! – o raio acertou em cheio o nariz da Dalila, justamente quando o campo de força foi ativado.

– Ufa!

– “Vambora”! Não sei quanto tempo o campo vai segurar o ataque de duas naves.

Tziummmmmm! – o raio acertou novamente o campo de força, que oscilou.

Saíram do clube e misturaram-se a um bloco que fazia uma tremenda algazarra, com máscaras de políticos, faixas e cartazes.

– Um bloco de sujos! – disse Serafim.

– Mais sujeira?

– Não. É só expressão! Eles são desorganizados e normalmente fazem crítica social com humor. Por isso o nome.

Tziummmmmm! – o campo de força se apagou.

As duas naves se posicionaram em frente a eles.

Dalila se encolheu, abraçou Pafúncio e fechou os olhos.

– Não quero morrer!

Antes que os raios os atingissem, porém, uma luz azulada envolveu os dois, fazendo-os ficarem pequenininhos como Serafim e eles foram sugados para dentro da nave, que, finalmente, conseguiu voar.

As outras duas seguiram atrás atirando, mas Serafim era bom de volante.

– Veja! Estamos no Sambódromo. Podemos nos esconder em um carro alegórico! – disse ela.

Ele aceitou a sugestão e se escondeu sob um dos mais enfeitados.

– Nossa! Como se gasta dinheiro com esse negócio! – exclamou ela, admirada.

– Faz parte das origens da festa... Vem do carnaval italiano, da Commedia dell’Arte. Os desfiles, concursos de fantasias...

– Ei! Por falar em fantasia, por que não tira o capacete?

– Eu... Não!

– Ué?! Por quê?

– Não posso respirar esse ar alienígena!

– Claro que pode! Eu estou respirando!

–...

– A não ser que...

– Que?...

– Você é o marciano!

– Mais respeito! Sou um lautoniano.

– Mas... Se você é o ET? Quem está nos perseguindo?

– Os verdadeiros astronautas terráqueos.

– E como eles conseguiram as naves?

– Elas caíram aqui há alguns anos.

– E você só veio buscar seus amigos?

– Claro que não! Vim concluir a missão deles. Mas, não imaginava que essa sua gente primitiva conseguiria dominar nossa tecnologia... Eles me surpreenderam e, se não fosse por você...

– E qual é a sua missão?

– Implantar o receptor para nossa transmissão de Xistons!

– Xistons? O que são Xistons?

– Ah! Nada demais... São só uns agentes lenofilizantes...

– Lenoli... lenofizi...

– Lenofilizantes! Eles vão eliminar o oxigênio. É o único elemento que nos impede de viver bem aqui.

– Mas... Assim... Nós vamos todos morrer!

– É! Lamentável, eu sei. Mas nós precisamos de um planetinha interessante assim para onde mandar nossas crianças nas férias! Elas estão nos enlouquecendo!

– Vocês vão acabar com a vida na Terra pra fazer uma colônia de férias?

– Isso! É tão prático! Não sei como não pensamos nisso antes!

Tziummmmmm! o carro alegórico desapareceu de cima deles.

– Droga! Esses dois já estão me irritando. Segura aí! – e zarpou novamente na frente das outras naves, que atiravam contra eles.

– Por que você me salvou se vai mesmo matar todos nós?

– Salvei? De quê?

– Eles iam atirar em mim...

– Ah! Isso é só um teletransporte. Só iria mandar vocês lá para a base.

– Quer dizer que eles não mataram aquelas pessoas?

– Não!

– Ufa!

– Mas eu não sou tão bonzinho. Assim que consertar meu projetor de Zoriens, vou me livrar desses dois para sempre!

Ele mexeu nuns botões, impaciente:

– Vamos... Vamos, porcaria! Isso! Código 2 3 1 e... Pronto! Liguei no piloto-automático-fuga-enlouquecida, agora vou poder me concentrar nas armas.

E foi mexer num buraco na parede de onde saiam vários fios coloridos.

Dalila resolveu distraí-lo:

– Como alguém de outro planeta sabe tanto sobre o carnaval?

– Pesquisei no Geegle, ué!

– Geegle?

– É nossa ferramenta de busca da ciberespaçonet. Tem tudo lá!

– Ah! Como o Google?

– Muito melhor!

– Duvido!

– Tô dizendo!

– Quero ver!

– Ah, é? Vou te mostrar!

Assim que ele se levantou para acessar o computador, ela pegou uma ferramenta do chão que parecia uma bola de tênis e jogou no meio dos fios:

– Pega, Pafúncio! Pega!

O cachorrão não pensou duas vezes, correu até lá, puxou a bola e junto, arrancou um monte de peças.

– Não! Isso vai afetar nossa estabilidade!

Era verdade. A nave caiu. Dalila agarrou-se a Pafúncio esperando o choque com o piso, mas tziummmmmm! o raio os atingiu em cheio e os transportou para a Barreira do Inferno, em Natal.

Lá chegando, foi logo cercada por vários militares. Serafim foi preso e Dalila e Pafúncio viraram heróis, saíram nos jornais do mundo inteiro.

Não acredita? Pois pode procurar no Geegle! Tá tudo lá!

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Texto escrito para o 7° Desafio Literário da Câmara dos Deputados
Categoria Infantil - Etapa 5.
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