Conto acumulativo ou lengalenga: a formiguinha e a neve

Era uma formiguinha que, andando na neve e vendo seu pezinho preso nela, disse:

--- Ó neve, tão forte você é, que prende meu pé!

E a neve, surpresa, respondeu:

--- Não sou tão forte, o sol é minha morte!

E a formiguinha foi falar ao sol:

--- Sol, você é tão forte que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

E o sol, meio entristecido, disse a ela:

--- Eu sou tão pobre, uma nuvem me cobre!

E a formiguinha foi falar à nuvem:

--- Dona nuvem, a senhora é tão forte, que encobre o sol, que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

E a nuvem, de cabeça baixa, disse-lhe:

--- Não tenho o que me valha, um só ventinho me espalha!

E a formiguinha foi falar ao vento:

--- Seu vento, o senhor é tão forte, que espalha a nuvem, que encobre o sol, que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

O vento, intrigado, rapidamente disse:

--- Isso não se pode compreender, pois um muro me impede de viver!

E a formiguinha foi falar ao muro:

--- Seu muro, o senhor é tão forte, que impede o vento, que espalha a nuvem, que encobre o sol, que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

O muro, duro, disse:

--- Ó, isso me dói, um simples rato me rói!

A formiguinha foi falar ao rato:

--- Ó ratinho, você é tão forte, que rói o muro, que impede o vento, que espalha a nuvem, que encobre o sol, que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

O ratinho, espantado, olhou para a formiguinha e falou:

--- Certamente brincaram contigo, pois o gato acaba comigo!

E a formiguinha, mesmo cansada, foi falar ao gato:

--- Ó gatinho, você é tão forte, que mata o rato, que rói o muro, que impede o vento, que espalha a nuvem, que encobre o sol, que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

O gato, desconfiado, olhou para a formiguinha e falou:

--- Eu preciso de socorro, pois meu fim é o cachorro!

A formiguinha, mais cansada ainda, foi falar ao cachorro:

-- Ó cãozinho, você é tão forte, que mata o gato, que mata o rato, que rói o muro, que impede o vento, que espalha a nuvem, que encobre o sol, que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

O cãozinho olhou pra formiguinha e suspirou:

--- Quem acredita nesta sorte, se um pau decreta minha morte?!

E, mais uma vez, foi a formiguinha falar ao pau:

--- Pau, você é tão forte, que mata o cãozinho, que mata o gato, que mata o rato, que rói o muro, que impede o vento, que espalha a nuvem, que encobre o sol, que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

O pau, envergando-se, falou pra formiguinha:

--- Isso é uma grande mentira: o fogo me tem sempre na mira!

A formiguinha, quase sem forças, foi falar ao fogo:

--- Fogo, você é tão forte, que queima o pau, que mata o cãozinho, que mata o gato, que mata o rato, que rói o muro, que impede o vento, que espalha a nuvem, que encobre o sol, que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

O fogo, olhando firme pra formiguinha, disse:

--- Nunca foi bem assim, pois a água dá cabo de mim!

E saiu a pobre formiguinha para ir falar à água:

--- Água, você é tão forte, que apaga o fogo, que queima o pau, que mata o cãozinho, que mata o gato, que mata o rato, que rói o muro, que impede o vento, que espalha a nuvem, que encobre o sol, que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

A água, deslizando pra lá e pra cá, sussurrou:

--- Forte até que posso ser, mas só até o boi me beber.

E, quase desfalecendo, a formiguinha foi falar ao boi:

--- Boi, você que é tão forte, que bebe a água, que apaga o fogo, que queima o pau, que mata o cãozinho, que mata o gato, que mata o rato, que rói o muro, que impede o vento, que espalha a nuvem, que encobre o sol, que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

E o boi, ruminando sua dor, disse à formiguinha:

--- Nisso você não pode acreditar, pois o homem pode me matar.

E a formiguinha, quase desistindo, foi falar ao homem:

--- Homem, você é tão forte, que mata o boi, que bebe a água, que apaga o fogo, que queima o pau, que mata o cãozinho, que mata o gato, que mata o rato, que rói o muro, que impede o vento, que espalha a nuvem, que encobre o sol, que derrete a neve, que tão forte é, que prende meu pé!

E o homem, com dó da formiguinha, foi falar à neve. Chegando lá, quando menos esperava, viu que seu pé estava atolado. Foi, então, que ele disse:

--- Ó neve, tão forte você é, que prende meu pé!