O JABUTI E O CAIPORA

O JABUTI E O CAIPORA I – 4 DEZ 11

(Folclore brasileiro, recontado por William Lagos

Há outra lenda que contam no sertão,

bastante simples, na realidade,

sobre um monstro que chamam de Caipora;

muitos afirmam que existe de verdade,

mas quem o vê fica azarado nessa hora,

e quanto faz acaba em confusão...

Pois o Caipora julga ser esperto

e além disso, se gaba de ser forte;

em certo grau, tem ambas qualidades,

porém não é nenhum ser de grande porte,

nem bem seguro de suas capacidades,

mas não convém para nós tê-lo por perto...

Cada um que conta o descreve diferente,

que tem cabelos verdes ou amarelos,

com dentes tortos ou dentição perfeita,

feições horríveis ou tendo traços belos;

alguns lhe dão os pés virados, por suspeita

de ser igual a seu primo mais valente.

O JABUTI E O CAIPORA II

Esse primo, naturalmente, é o Curupira,

que se arvorou em protetor das matas,

e é especialmente dos animais amigo,

caçadores engana há muitas datas,

que descrever tampouco eu não consigo,

cada um que conta, nova história vira...

O Curupira, porém, é bicho bom,

tem carteirinha do Partido Verde,

com pés virados deixa o rastro errado

e o caçador que o quer seguir se perde,

indo depressa para o outro lado,

com o Curupira a rir em alto e bom som...

Mas o Caipora tem índole diversa,

é uma espécie de diabo nacional;

não porque tente a alguém, na realidade,

mas quando pode, só pratica o mal,

das plantas e animais não tem piedade

e a quantos pode, engana com conversa...

O JABUTI E O CAIPORA III

O Jabuti, naturalmente, é tartaruga

e pelos rios demonstra preferência,

embora coma frutos e não peixes;

para se alimentar, mostra paciência:

se não caem os frutos de seus feixes,

os macacos pretende pôr em fuga,

e solta um ronco para deixá-los assustados

e então os símios lhe jogam umas frutas,

como arma de defesa: é o que ele quer;

na beira dos riachos acha grutas

e ali protege a si e à sua mulher,

mais os pequenos filhotes descascados...

A Senhora Jabuti põe doze ovos,

bem escondidos, na beira do rio:

os filhotinhos descascam já cascudos

e para proteger da raça o fio,

ela costuma soltar guinchos agudos

e espanta as aves de seus filhotes novos.

O JABUTI E O CAIPORA IV

Por tais proezas e por outras mais,

o Jabuti é considerado inteligente

e nas lendas, com frequência, é o juiz,

uma opinião emitindo bem prudente,

segundo os causos que o caipira diz,

mas que, é claro, ninguém viu jamais.

Até setenta centímetros ele chega,

com a casca dura, no meio bem laranja

e com doze divisões bem mais escuras,

formando na beirada marrom franja,

peito amarelo, com outras placas duras,

se esconde bem, quando inimigo o pega.

Cabeça e patas nessa carapaça,

enfia para dentro até o rabinho

e é bem difícil consegui-lo abrir,

em sua casa ambulante escondidinho;

nem mesmo a Onça consegue descobrir

meio qualquer de lhe acabar com a raça.

O JABUTI E O CAIPORA V

Mas o Caipora quer ser o mais esperto

e conseguiu enganar até a Onça,

quando a puxar cipó a desafiou;

imaginou sua própria geringonça,

por sobre um galho o tal cipó passou,

puxou com força, porém sem chegar perto.

A Onça com os dentes se agarrou

a essa liana e bem firme segurava,

porque tem muita força na queixada,

mas, pouco a pouco, o cipó a arrastava,

até que a onça ficou dependurada

e o cipó, finalmente, ela largou...

Quando soltou, de mau jeito caiu

e não pode perseguir esse Caipora

que, sem dúvida, lhe passou um certo azar;

meio mancando, ela se foi embora,

achando tempo só para reclamar:

“Com esse golpe, você me traiu!...”

O JABUTI E O CAIPORA VI

“Deveria desafiar é o Jabuti,

que sempre foi mais esperto que você!

Ou então, algum macho dos Guaribas,

os macacos mais fortes que se vê,

naquelas árvores que crescem junto às ribas,

pelas nascentes dos rios que há por aí...”

O Caipora foi procurar os tais macacos,

mas eles só fizeram grande troça:

“Não precisamos entrar nessa disputa!

Vá procurar macacos em outra roça;

puxar cipó nunca foi nossa conduta,

vai, Caipora, te meter nos teus buracos!...”

Foi o Caipora procurar Macaco-Aranha,

mas também esse recusou a competição:

“Não nos metemos com você, Caipora!

Não vamos ter qualquer participação

nesse seu jogo idiota!... Nesta hora,

você quer é nos comer, com muita manha!...”

O JABUTI E O CAIPORA VII

Quando o Caipora foi procurar o Sagui,

na pitangueira que cresce junto ao rio,

o bichinho lhe guinchou uma risada:

“Comigo, não! Vá procurar o Bugio,

ele é o mais forte de toda a macacada,

ou, quem sabe, vá desafiar o Jabuti!...”

Então o Caipora desafiou o Bugio,

nesse teste para ver qual o mais forte,

mas os bugios usaram de esperteza,

se dispuseram a tentar a sorte,

desde que quatro entrassem na proeza,

grudando espinhos do cipó no fio!...

Só que o Caipora tem as patas grossas

e o golpe às avessas lhes saiu:

foram suas patas que se machucaram

e a bugiada logo desistiu,

pois o Caipora nunca derrotaram

e os espinhos não lhe fizeram mossas!...

O JABUTI E O CAIPORA VIII

Mas lá de longe, do Caipora se queixaram:

“Você ganhou porque nos trouxe azar!

Não é que seja de fato mais esperto!...

Mas logo, logo, vai encontrar seu par,

ele mora ali no rio, fica bem perto!...”

E uns para os outros, os macacos resmungaram

e ao Caipora outra vez desafiaram:

“Você pensa que de todos é o mais forte,

mas nesta mata existe quem é mais!...

Vá ao Jabuti para tentar a sorte,

que derrotá-lo não conseguirá jamais!...

E o Caipora foi pensar no que mandaram...

“Mas por que falam nesse Jabuti?

Ele é pesado, mas é bicho pequeno,

tenho certeza de que sou mais forte

e mais esperto também, o fato é pleno!

O meu azar acabará com a sua sorte,

que até a Onça vencer eu consegui!...”

O JABUTI E O CAIPORA IX

Chegou o Caipora até a margem do rio

e foi logo desafiando o Jabuti

que, no começo, até se recusou:

“Ora, o senhor é mais forte, logo vi!...”

Mas o Caipora tanto convidou

que o Jabuti reuniu todo o seu brio

e concordou com o teste do cipó!...

Mas foi dizendo que era bicho d’água,

dentro do rio seria bem mais forte.

“Puxar em terra só me fará mágoa,

você é bicho de muito maior porte,

eu sou pesado e nado bem... e é só!...”

Então o Jabuti segurou a corda

firme, com os dentes, e pulou para o riacho.

“Espere meu sinal!” disse ao Caipora,

“Eu vou nadar um pouco rio abaixo,

senão a água vai me levar embora

e você fica esperando aqui na borda...”

O JABUTI E O CAIPORA X

O Caipora concordou, sem desconfiar

e o Jabuti encontrou o Pirarucu,

que dentre os peixes é o de maior porte;

amarrou-lhe o cipó no dorso nu,

pois na sua boca poderia haver um corte

e foi à tona, para respirar...

Só deixou para fora a cabecinha:

disse ao Caipora que podia começar

e o monstrengo puxou com toda a força,

sem o Pirarucu sair de seu lugar

e nem um pouco o Jabuti se esforça,

ficou só olhando e dando risadinha...

“Mas Seu Caipora, o senhor não vai puxar?”

E o outro nem sequer lhe respondia,

sem o Jabuti ao menos deslocar...

E este resfolegar até fingia,

para o Caipora melhor atrapalhar,

que nessa prova já estava a se esfalfar!...

O JABUTI E O CAIPORA XI

Daí a pouco, ele fez um sinal

a seu compadre, o Pirarucu,

que se pôs a nadar, com toda a calma,

com o Caipora todo jururu,

escorregando, sem mais força na alma,

até chegar do rio bem no beiral...

Mas numa pedra seus dois pés fincou:

puxou o cipó com a máxima energia,

pensando ser somente a força da água

que ao Jabuti mais ajuda concedia,

xingando e protestando, na sua mágoa...

“Como fui burro!...” o Caipora então pensou.

“O Jabuti se meteu na correnteza

e o próprio rio é que está a me puxar!

Ele devia é ter ficado em terra,

mas fui eu que me deixei engazopar,

ninguém pode ter descuidos numa guerra,

dei-lhe a vantagem, com toda a certeza!...”

O JABUTI E O CAIPORA XII

“Vou-lhe jogar em cima o meu azar!

Ele cai num remanso; e a correnteza

não poderá mais ajudá-lo, nem um pouco!”

Nem suspeitava o Caipora da esperteza,

de fazer força já estava quase louco,

sentia o fôlego quase a se acabar!...

Então o Pirarucu deu um puxão:

fez o Caipora na água mergulhar!...

E o Jabuti ainda lhe deu uma mordida

e a ponta do cipó o fez soltar...

E o monstrengo perdeu toda a investida,

quase afogado nesse ribeirão...

O Jabuti foi depressa retirar

do Pirarucu aquela ponta atada

e nadou de volta com as duas pontas...

E o Caipora desistiu dessa empreitada,

confessando sua derrota nessas contas

e nunca mais ao Jabuti foi desafiar!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 05/03/2012
Código do texto: T3535685
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