Esse tal de escuro

No dia em que dona Julia completou 37 anos, seu marido lhe organizou uma festa surpresa. Ela chegava do trabalho todos os dias às 19 horas, já noite. Mas isso não era um problema, porque os postes da rua iluminavam o caminho do ônibus até a casa. Inclusive, os postes iluminavam um pouco dentro da casa. Até durante a madrugada, enquanto todos dormiam, a luz estava por ali, a iluminar.

Vitor era o único filho de Julia e Roberto. Enquanto seus pais trabalhavam, sua avó cuidava dele com muito amor e carinho. Ele já estava com cinco anos e faltava pouco para começar a frequentar a escola.

Na noite da festa, Vitor sabia que precisava fazer silêncio e gritar “Surpresa” na hora em que sua mãe entrasse. Mas ele não sabia que seria tão assustador esperar por ela com todas as luzes apagadas e as cortinas fechadas. O escuro era tão grande que ele não conseguia enxergar sua avó, nem seu pai, nem o cachorro Mameluco, que cuidavam dele.

Vitor sentiu um medo tão grande que achou que seu corpo ia congelar. Mas ele foi salvo quando seu pai falou “Vamos dar vida a esta festa e acender esta vela”. O fogo, além de iluminar toda a sala, aqueceu as mãos geladas de medo de Vitor.

Alguns minutos depois, dona Julia chegou. Todos gritaram surpresa e começaram a cantar “Parabéns a você”. Ela ficou toda sorridente e feliz, pegou Vitor no colo e pediu “Ajuda a mamãe a apagar a vela?” Vitor sentiu um medo enorme e começou a chorar!

Ninguém entendeu o porquê. Até que sua avó resolveu perguntar:

“Por que você está chorando?”

“Por que vai ficar escuro”.

Dona Julia achou o comentário estranho. Nunca antes o menino tinha sentido medo do escuro. Com paciência, explicou-lhe:

“Meu filho, a luz está acesa, não vai ficar escuro”.

Ela então apagou a vela e a festa seguiu com alegria.

Mas na hora de dormir, Vitor não queria de jeito nenhum que a luz fosse apagada. Depois de muita conversa, ele pediu a seus pais que deixassem uma vela acesa em seu quarto. “Vitor, isso é muito perigoso”, eles disseram. Disso Vitor se convenceu, mas não teve jeito: dormiu com a luz acesa naquela noite.

No dia seguinte, seu pai teve uma ideia genial para resolver o problema. Ele passou numa loja de brinquedos e comprou uma vela de plástico, com luz e tudo, menos fogo. Era só assoprar que a vela acendia, e assoprar de novo que a vela apagava. Naquela noite, todos dormiram felizes e tranquilos!

Algum tempo passou e chegou o primeiro dia de aula de Vitor. Quem o levou à escola foi sua avó, já que seus pais começavam a trabalhar muito cedo. Chegando lá, ele se assustou com tanta criança correndo pra todos os lados. Quem mais lhe chamou a atenção foi um menino que usava óculos escuros.

“Vovó, por que aquele menino usa óculos escuros?”

“Não sei, vamos perguntar?”

“Oi, meu nome é Vitor. Por que você está usando óculos escuros?”

“Oi, eu me chamo Artur. Uso estes óculos porque eu sou cego”

“Ah... mas não fica tudo escuro?”

“Pra mim não faz diferença, eu nasci assim”

“Hum, mas você não tem medo?”

“Medo? Do escuro? Não, eu me acostumei. Tenho ouvidos excelentes!”

Logo, os dois já eram amigos. E, naquela noite, Vitor se lembrou de seu novo amigo quando se deitou com sua vela de brinquedo ao seu lado. Soprou ela com força e não sentiu medo.