O ESTALABAPU

Dedé ficava sentado no carrinho o tempo todo porque tinha um ano e oito meses de idade. Participava das brincadeiras dos irmãos batendo palmas e dizendo “gugu gagá”. Quando os meninos gritavam goool, ele, no seu idioma de bebê, repetia: “ta bol tati”. Como ninguém entendia nada o jogo prosseguia e Dedê continuava batendo as mãos e repetindo “ta bol tati”.

Era sábado e, como não havia aula, as crianças saíram para o quintal para brincar e pegar sol para fortalecer os ossos. Como sempre, Dedê estava lá sentado no seu carrinho. Brincadeira pra cá, brincadeira pra lá, uma das crianças ralou o joelho numa queda. Ritinha, a irmã mais velha, veio correndo com a caixa de curativos. Ela abriu a caixa tirou gaze e água oxigenada para limpar o ferimento do jeito que a sua mãe lhe ensinara.

Higienizada a ferida, ela passou iodo e colocando a mão na caixa procurava algo mais para completar o curativo. Ah, era a pomada cicatrizante. Dedê olhava tudo, interessado no que a sua irmã fazia. Quando ela deu por terminada a sua tarefa fechando a caixa, o bebê gritou batendo as mãozinhas:

- Estalabapu, estalabapu, estalabapu... – Ritinha, sem entender nada, perguntava:

- Que você quer, maninho?

- Ta ta, estalabapu... – repetia apontando para a caixa de curativos.

Ritinha, nervosa, chamou a mãe para que ela traduzisse aquele idioma estranho.

A mãe chegou.

- Mamãe, você sabe o que é “estalabapu”? O Dedê está pedindo isso desde que eu fiz o curativo no joelho do Paulinho.

- Filha, ele não está pedindo, ele está dizendo pra você colocar “esparadrapo” pra melhor proteger o ferimento. Lembra quando ele machucou o dedinho na porta do armário da pia?

- Lembro sim, mãezinha...

- Pois então, enquanto eu fazia o curativo fui nomeando cada coisa que eu pegava e a última foi o rolo de esparadrapo. Mostrei pra ele e disse: isto é “e s p a r a d r a p o”. Ele gravou. Meu garoto!

- E “ta uaba” o que é? – perguntou Ritinha.

- Me dá água. – respondeu a mãe rindo.

- Xiiii, então ele está cheinho de sede, porque isso ele falou mais de dez vezes.

Daí pra frente, as crianças começaram a prestar mais atenção à linguagem de Dedé e descobriram que “ta bol tati” é “dá a bola aqui”; que “titi” é o mesmo que xixi; que “tato” é gato e tantas outras palavras. A cada palavra entendida, gritavam: “aleluia”. O bebê aprendeu a dizer “aleluia” direitinho e mostrou para todos na hora do banho, dentro da banheira:

- Dedê titi totô tati, aleluia! (*)

- Mãeeeee, o bebê fez xixi e cocô na banheira! – gritou a Ritinha tirando, rapidamente, o menino da água.

Aprender a falar, a se expressar é a fase mais linda, mais pura e cômica da vida de uma criança. A vovó adorava quando você tentava dizer “paralelepípedo”; Pindamonhangaba e tantas outras palavras que eu buscava na memória só para fazê-lo ficar sentadinho sem mexer no fogão.

- Acabou, vovó? – perguntou o netinho.

- Sim. Dedê cresceu. Talvez, hoje, ele seja um professor de idiomas. Quem sabe?

14/03/07.

(histórias que contava para o meu neto).

(* “Dedé fez xixi e cocô aqui, aleluia”)