O dia mal começara e já estava um tédio.
Sua mãe havia colocado nela uma jaqueta rosa enorme. Parecia até que ela iria para a lua.

A van da escola estava atrasada. Gigi, sua girafa, ficara na casa da Carolzinha. Agora a Carolzinha ficaria a semana toda com a Gigi.
Isso não é justo, pensou Sophia, enquanto cavava a areia da calçada do vizinho com seu tênis. A Carolzinha tem até um gato!

Olhou de relance para a mãe. Sua mãe não gostava de gatos, mas em compensação o que gostava de plantas...

Enquanto esperava a van, sua mãe molhava as plantas.Tinha de todo tipo:onze horas,samambaia,rosas,beijinho...Um dia a vizinha falou um nome esquisito para a beijinho e a mamãe não gostou.
Sophia franziu a testinha tentando lembrar o nome da flor. Maria alguma coisa, sei lá.

Logo sua atenção foi captada por algo na rua. Um gatinho!Preto com patinhas brancas!Tão fofinho!

—Mamãe, mamãe! Sophia puxava a saia da mãe.
—O que foi?A van está chegando?
Sophia não respondeu. Saiu correndo casa adentro.
—Sophia volte aqui!A van já está chegando!
A mãe de Sophia correu atrás dela, mas a menininha já estava de volta com um bichinho de pelúcia nas mãos.
—Fui pegar a Juju. A Gigi ficou na Carolzinha.
A mãe olhou fixamente para Sophia. A garotinha tinha um ar suspeito.
—O que você está aprontando Sophia?
—Nada mãe!
—Sophia...
—A van chegou! Sophia estalou um beijo no rosto da mãe e disparou portão afora. —Tchau, mamãe!
—Tchau, mamãe?A mãe de Sophia estreitou os olhos enquanto a van desaparecia na esquina. —Sophia nunca gostou de dar beijos!Definitivamente havia algo de errado.
***
Sophia não via a hora de voltar para casa. A professora já tinha chamado sua atenção diversas vezes, mas ela não parava de pensar no gato.
Para todo canto que olhava, via o gatinho de patas branquinhas. As patinhas pareciam meias de algodão.

Imaginou como seria bom ter um bichinho de estimação.
Todos seus coleguinhas tinham um.
O Pedrinho tinha um passarinho. A Tatá, um cãozinho. A Fabiana tinha uma tartaruguinha que ficava dentro de uma caixa de vidro com água. Até o Paulinho tinha um bichinho!Se bem que era de dar medo o bichinho do Paulinho. Um iguana!
Tudo que ela queria era um pequeno e fofo gatinho pretinho com patinhas brancas.

—Ai, ai... Suspirou Sophia.
—Tudo bem com você Sophia?
Tia Marta estava bem à sua frente. E ela nem tinha visto!Puxa, tia Marta devia ser Ninja!
—Tudo bem tia Marta. E a senhora?
Tia Marta escondeu o riso. —Estou bem Sophia. Você me parece distraída hoje. Aconteceu alguma coisa?
Sophia se assustou. —Não aconteceu nada, tia Marta. Não tem nenhum gatinho em casa!
—Gatinho?Aninha logo prestou atenção à conversa. —Como é seu gatinho?
—O meu é amarelinho, foi logo falando o Felipe. —O nome dele é Peralta.
A algazarra estava armada. Cada criança na sala queria saber sobre o gato de Sophia, como era o nome, tamanho, cor, grau de traquinagem...

A professora pedia silêncio e nada. A sala estava desgovernada.
—Calma crianças!Vamos falar um de cada vez!
Sophia estava atarantada com toda aquela agitação. De repente todo mundo queria saber de seu gato. Bem, era assim que ela pensava a respeito do Patinhas de meia.

—Sophia!Está me ouvindo, Sophia? A professora estava sacudindo a mão na frente do rosto de Sophia.
—O quê?Sophia estava novamente divagando.
—Seu pai veio  buscar você!
—Papai?Sophia olhou para a porta da sala. Seu pai conversava com a diretora Márcia. Aquilo não era nada bom.
—Aqui está sua mochila e seu bichinho de pelúcia. Até amanhã.
Sophia pegou suas coisas das mãos da professora e andou a contragosto até seu pai.
O Pai sorriu quando a viu chegar.
—Tudo bem chuchu?
Sophia fez uma careta. Odiava ser chamada de chuchu.
—Meu nome é Sophia, papai!
—Mas você não gosta de chuchu?
—Gosto, mas...
—Então, chuchu!Pronta para ir para casa?
Sophia ficou brava com a interrupção da conversa. Bem na sua vez de falar!
—Por que eu não posso voltar com a van hoje? Sophia perguntou enquanto o pai a punha no cadeirão no banco de trás.
O pai apertou o cinto e passou a mão no queixo.
—Já está na hora de trocarmos esse cadeirão por um assento adequado para sua idade.
—Esse cinto está me apertando!Sophia tentava ajustar o cinto.
—Já sei!Na volta do hospital a gente passa no Extra. Lá deve ter.
—Hospital?Eu não estou doente!Sophia não estava entendendo nada.
O pai deu risada.
—Não, claro que não. É a mamãe que está.
O pai deu partida no carro e ligou o rádio, deixando Sophia com olhos arregalados, perdida em pensamentos.
***
 
Sophia odiava hospital tanto quanto odiava ser chamada de chuchu. Bem, nem tanto assim. Mas, com certeza detestava ficar esperando sem nada para fazer.

Abriu sua mochilinha rosa. Pegou seu caderninho e lápis de cor.
Primeiro fez dois triângulos, um do lado do outro, mas um pouco afastados. Depois, desenhou um círculo debaixo deles, encostado nas bases dos triângulos. Logo mais foi a vez de outro círculo, só que maior e grudado no menor.
—Olha!Um gato! O pai de Sophia apareceu do nada, dando-lhe um baita susto.
—Papai!Eu nem acabei de desenhar!
—Ah, mas eu sei reconhecer um gato quando vejo um!
Sophia abaixou os olhos. O que o pai queria dizer com isso?
—E então? O pai perguntou.
—Então o quê? Sophia ficou na defensiva.
—Não vai terminar com o gato?
Sophia deu um pulo do banquinho desconfortável da recepção.
—Não, papai!Por favor!Eu cuido direitinho dele!
—Do que você está falando, minha filha?
Acho que fiz besteira, pensou Sophia com toda a sabedoria dos seus quase cinco anos.
—Bem, eu... Sabe, é que...
—Desembucha Sophia!Do que você está falando?
—Do gato!
Pronto!Ela havia dito.
—Gato?Que gato? O Pai não estava entendendo nada.
—Do gato que ela escondeu lá em casa!
Sophia virou-se para a dona daquela voz. Sua mamãe. E ela não parecia nada contente.
—Ai!Agora você está encrencada! O pai de Sophia anunciou o óbvio.
Sua mãe continuava parada, olhando-a e com os braços cruzados!Péssimo sinal...
—Quantas vezes terei que repetir, Sophia!Nada de gatos!
—Mas, por que mamãe?
A mãe suspirou alto e saiu de perto do marido e da filha.
O pai abaixou-se e pegou no rostinho de Sophia.
—A mamãe é alérgica a gatos, chuchu.
—Mas eu vou cuidar bem dele! Sophia choramingou.
—Ai, meu chuchu... Você sabe que eu faço chorando tudo que você me pede sorrindo, mas esse caso é complicado.
—Você gosta de gatos, não gosta?
—Sim, mas...
—Você disse que tinha uns trinta gatos quando era criança, não disse?
—Disse, mas...
—Se a mamãe gosta de você, por que ela não gosta de gatos?
—Hã?O pai coçou a cabeça. —Calma chuchu. Você está me confundindo. A verdade é que sua mãe tem asma.
—Asma?O que é isso?
—É uma doença que dificulta a respiração. Parece que a pessoa engoliu um gato.
—Mamãe vai engolir o gato?
—Não!Claro que não! O pai olhou de soslaio para a mãe que estava com cara de poucos amigos. —Os pelos do gato fazem a mamãe perder o ar. Por isso que ela está no hospital. Entendeu?
Sophia franziu a testinha. Não havia entendido direito. Como o gato fazia sua mãe perder o ar?
—Acho que sim... Sophia respondeu hesitante.
—Ótimo! Seu pai parecia aliviado. —Vamos levar a mamãe para casa e achar o dono do gatinho, tudo bem?
Sophia fez beicinho, mas não chorou. Fez que sim com a cabeça.
—Ótimo!Depois a gente compra um enorme sorvete, que tal?
Sophia assentiu novamente, mas a verdade era que ela só pensava no Patinhas de meia.
***
 
Uma semana havia se passado desde o episódio com o gato.
No primeiro dia após a devolução do bichano, Sophia ficara bastante abatida. Mas logo no dia seguinte já estava serelepe novamente.
Em compensação, a mãe de Sophia não saía da crise de bronquite asmática. Estava péssima.

Sophia estava novamente no portão esperando a van. A mãe regava as plantas e espirrava sem parar.
—Não acredito!Parece praga daquele gato!
Sophia nada disse.
—Até minhas lindas plantas estão terríveis!Parece que alguém andou escavando as coitadas!
Sophia continuou quieta. A mãe desconfiou.
—Sophia...
—Tchau, mamãe!A van chegou!
Sophia praticamente fugiu para dentro da van.
A mãe ficou sem entender nada.
Dentro da van,o retrovisor refletia o lindo sorriso de uma menininha sapeca.