O elefante e os ratinhos

Viviam juntos na mesma casa, havia muitos anos, dois ratinhos muito zelosos. Cuidavam, dia e noite, da maravilhosa coleção de biscuits que possuíam, delicadíssimas esculturinhas de porcelana, tarefa na qual os dois se empenhavam com igual esmero.

Certo dia, no entanto, um fato inexplicável gerou insanável atrito entre ambos. Enquanto arrumavam a coleção, perceberam, simultaneamente, um arranhão inusitado na barriga de uma bailarina da coleção. Ao mesmo tempo, os dois ratinhos dispararam obcecados em direção ao objeto, bradando imprecações um contra o outro.

Cada um deles acusava o outro de haver arranhado a pequena e bela bailarina, não considerando nenhuma outra hipótese. O passar do tempo não cicatrizava a rusga entre os amigos, do mesmo modo que deixava incólume o arranhão na bailarina, razão pela qual decidiram ambos, simultaneamente, levar o caso à justiça.

Chegaram juntos ao tribunal, onde se acusaram reciprocamente no mesmo tom, na mesma algaravia, com iguais razões e veemência. Anotadas as queixas, mas incapaz de decidir sobre as razões dos querelantes, o juíz prometeu mandar à casa dos ratinhos um funcionário para investigar o fato.

Dias depois, chega à casa dos ratinhos o enviado da justiça, o elefante, funcionário muito diligente e hábil. Ao notar o tamanho do funcionário, no entanto, os ratinhos tremeram violentamente, atemorizados com possibilidades desastrosas antevistas ao imaginar a colossal criatura caminhando entre as estantes abarrotadas de numerosas esculturas delicadas.

Aterrorizados, os dois ratinhos, imediata e simultaneamente perdoaram-se reciprocamente, empenhando-se, conjuntamente em barrar a iminente passagem do elefante nas proximidades da delicada coleção.

O elefante, no entanto, argumentou ter que executar a tarefa para a qual havia sido designado, sendo impossível interromper o processo já iniciado. Munido de tais razões, foi entrando na casa dos ratinhos, a despeito dos protestos de ambos, e das tentativas ininterruptas de dissuadi-lo do intento.

À beira do pânico, os ratinhos acabaram por deixar o elefante fazer seu trabalho, temendo que a tentativa de impedimento produzisse efeito oposto ao que pretendiam evitar. Apesar de sua imensidão, o elefante era extremamente cuidadoso e delicado, o que minimizou os temores dos ratinhos. De fato, o elefante demonstrava uma destreza impressionante ao caminhar entre as estantes repletas de delicadíssimos objetos.

Ocorreu, no entanto, que uma das tábuas do chão se soltasse, cedendo ao peso imenso do elefante. Nesse instante, uma onda de choque percorreu a casa, gerando um tremor que balançou todas as estantes. Em louco desespero, os ratinhos perceberam, como se em câmera lenta, a queda iminente de um delicado gatinho de uma das mais altas prateleiras. Também o elefante notou o fato, e esticou sua tromba com surpreendente agilidade, para amparar a delicada peça antes de sua chegada ao solo.

O movimento brusco, no entanto, gerou nova onda, novo consequente terror e nova queda, anulada também pela destreza espetacular do elefante, que de maneira inusitada segurou a pequenina peça em pleno ar. Precisou da outra mão, no entanto, para amparar o terceiro objeto derrubado por novo tremor; e da perna, logo em seguida, para evitar a queda de outra. O habilíssimo funcionário da justiça ainda conseguiu sustar a queda de um outro bibelô, com o rabo.

Tendo ocupado as mãos, a tromba, o rabo e uma das pernas, precisou usar a outra para amparar mais um biscuit que despencava em direção ao chão, e conseguiu agarrá-lo antes do choque! Suspenso no ar, no entanto, foi o próprio elefante quem desabou ao chão estrondosamente derrubando simultaneamente todas as estantes frente aos olhares impotentes e desesperados dos ratinhos atônitos.

Um desastre completo, uma lástima.

(Tenha cuidado quando chamar o estado para dentro de sua casa, ele é grande demais para caber ali).