(26/40) Ser ou não ser um cão?

Depois de ser pedida em casamento, Alice combina com seus familiares a data. Vai ser uma festa bem campestre. Ariovaldo adianta todos os trabalhos pendentes no seu escritório de advocacia para sobrar mais tempo com sua amada, e assim ajudar nos preparativos.
Os dias transcorrem agitados, nunca se imaginou que casar desse tanto trabalho, e olha que se contratou uma empresa para cuidar de tudo. Entardeceu.
Mose foi conferir as ovelhas no aprisco e juntinho de Cida estava Binho, o cãozinho poodle de Alice. Mose se agacha e pega o cão no colo para levá-lo para a fazenda de Alice. Nisso ele esperneia.
       - O que você está fazendo aí? Sua função não é de cão de guarda.
       - Ele não está legal não, desde ontem ele está fazendo perguntas sobre ovelhas, e ele acha que é uma de nós. - explica Cida para Mose.
       - Huumm! Que está acontecendo com você, Binho? Não está gostando de ser cãozinho de estimação?
       - Eu devo ser uma ovelha de uma raça que vocês não conhecem, olha o meu pêlo, o meu jeito, com certeza sou uma ovelha. - retruca o cãozinho.
       - Uma ovelha que late?...
       - Não seja por isso, o “passarão” não é gato, mas mia; não é gente, mas fala, e até assobia e ele não é um papagaio? Eu sou uma ovelha que late!
       - Você está precisando de um veterinário psiquiatra. Nunca vi animal ter crise existencial!
       - Mãe, o que é crise existencial? - pergunta Cida a Rubenita.
       - É quando não se sabe a que veio, o que é, e o que será.
       - Vou entender. Vou entender.
Mose resolve deixar Binho dormir no meio das ovelhas. Quem sabe amanhã ele muda de idéia!
Chega o dia do casamento! Um lindo dia de primavera.
A grama estava tão verdinha, que parecia ter se preparado para receber aquelas mesas brancas enfeitadas com vasos de flores. O altar foi construído para parecer um palco, com cortina bem fina, quase transparente. Afinal, esse casamento seria um espetáculo.
Tudo estava perfeito, o bufê deslumbrante. Os convidados aguardavam. Um tapete vermelho estendia-se até o altar.
Começa a cerimônia.
Ao som da marcha nupcial, para espanto geral, à frente da noiva vinham:
Cida, a mascotinha toda escovada e com um laçarote na testa; Rod Mel todo formoso exibia uma gravata borboleta e ao seu lado, Lolla com um lindo diadema de flores do campo.
Gargalhada geral. Todos descontraídos vêem Alice chegar com Seu José, num lindo vestido de noiva à moda camponesa. No altar, Ari e Lúcia os esperam sorridentes.
        - Por isso, deixará o homem, pai e mãe e se unirá a sua mulher e com ela formará uma só carne. O que Deus uniu o homem não separa. Que vocês aprendam a ter a base de seu casamento na rocha, que é Jesus Cristo. Façam um propósito de todos os dias orarem juntos, e verão que casamento maravilhoso vai ter. Deus os abençoe!
Terminada a cerimônia, durante a festa, alguns convidados chegam para os noivos e perguntam:
       - Originalíssima a idéia das ovelhas como damas de honra, foi criação do seu “promoter”?
       - Não, nada disso seria possível se não fosse a Lolla. Pelo visto vocês não sabem a história e nem viram o filme.
       - Não, estávamos fora.
       - Vou resumir... Blá, blá, blá, blá, blá, blá.
       - Mais uma vez, parabéns pra vocês!
Enquanto a festa rolava solta, lá nas pastagens, Lolô resolve visitar a vó Zica, uma ovelha que depois de um tombo se isolou na colina. Dizem que ela ficou meio caduca, mas era velhice mesmo.
       - Cê veio me vê?!
       - Hoje é o casamento de Alice, está tendo uma festa lá em baixo, mas eu preferi vir aqui.
       - Cê veio me vê?!
       - Vó, você está precisando de alguma coisa? O Jocilei trouxe uma comida tão gostosa, porque você não comeu?
       - Cê veio me vê!?
Depois de mais quatro tentativas de diálogo e tendo a mesma frase como resposta, Lolô desiste e vai embora.
Em outro canto da fazenda, próximo à cerca, dois lenhadores bêbados conversam entre si:
        - Aquela ali, apontando para o Binho.
        - Binho, assustado late, e cai na real.
        - Eu não sou ovelha, sou um cão. Au! Au! Au! Au! Au!



Continua amanhã...