BETINHO E LUÍSA E O CLUBE DO AVIÃO

01

Betinho chegou bem cansado à biblioteca. Como saiu meio atrasado, teve que correr muito com sua bicicleta para chegar às 14 horas em ponto, como ele fazia sempre.

Chegou, entrou e já foi para a seção dos livros de Física. Ele estava com a pulga atrás da orelha para descobrir algumas coisas. Achava, por exemplo, algo de outro mundo um avião ficar no ar, com aquele peso todo. Queria saber como isso acontecia.

02

Dez minutos depois, Luísa entra e já chega falando alto, entusiasmada como sempre.

- Betinho, Betinho, você não sabe o que me aconteceu ontem!

- Não tenho bola de cristal, menina! – respondeu Betinho.

- Então não conto. Você fica fazendo graça com coisa séria! – ela pareceu ficar magoada. Mas no fundo era só um charme que ela fazia para deixar Betinho curioso. E sempre funcionava!

- Sonhei que estava num avião e ele ficou para sempre no ar! – contou ela.

03

Como Betinho não disse nada sobre o sonho dela, Luísa sentou-se ao lado dele numa mesa bem grande e, juntando as mãos e depois as abrindo, como que perguntando “e aí?”.

- Você já entrou num avião? – questionou Betinho.

- Já sim, duas vezes. Quando fomos à praia. Dá uma emoção grande. Você ainda não? – quis saber Luísa.

- Não, acho que eu ficaria com muito medo.

- Seu medroso! Avião é seguro. Meu pai falou que é mais seguro que um carro.

04

Eles continuaram a conversa sobre a experiência de voar e toda a emoção que isso causa. No caso de Luísa, uma alegria de estar indo a um lugar que ela adora, que é a praia. Para Betinho, ainda um mistério a ser desvendado e cercado de medos.

Curioso que é, Betinho começou a pegar livros e mais livros de Física, de curiosidades. Não era do time dos garotos digitais. Ele gostava de ter acesso ao conhecimento através dos livros. Era sua mania e seu grande diferencial.

- Livro é fonte de mais confiança – costumava dizer.

05

Betinho abriu um volume e seus olhos brilharam. Estava mergulhado na leitura e começou a fazer algumas anotações no seu caderno. Balançava a cabeça e se mostrava entusiasmado com as descobertas.

Luísa, por sua vez, lia por cima uma informação ou outra, mas sem aprofundar em nada. Não parecia estar muito interessada. Pelo menos não tanto quanto Betinho. Mas resolveu ficar para fazer companhia e ver onde tudo aquilo ia dar. Ela conhecia Betinho e sabia que quando ele colocava algo na cabeça ia até o fim.

06

Após uns trinta minutos de leitura silenciosa, Betinho volta com aquele sorriso de sabe-tudo que ele adora exibir. Luísa já conhece bem o amigo e sabe que agora ele vai começar a exibir o conhecimento que adquiriu há minutos como se fosse um especialista.

- Luísa, você sabia que do lado de fora do avião, quando ele está bem alto, é muito, muito frio? Tipo, um frio de matar qualquer pessoa em minutos? – indagou Betinho.

- Não, não sabia. Mais frio que lá em Gramado?

- Muito mais! O frio de Gramado é calor perto do que acontece lá em cima, Luísa. Chega a 50 graus abaixo de zero.

07

Luísa sempre fazia o papel de questionadora. E adorava tentar achar erros na fala de Betinho.

- Mas então como lá dentro está calor? Tem que ligar o ar condicionado para deixar mais fresquinho? Me responde essa.

- Essa é fácil, Luísa. O avião tem um tipo de casca que não deixa passar a temperatura de fora para dentro. Entendeu? – respondeu Betinho.

- Mas não está perto do sol? Não era para ficar mais quente? – Devolveu Luísa.

Betinho riu e nesse momento se achou bem mais inteligente que a amiga. E nem quis responder, se considerando um professor.

08

Luísa ameaçou ir embora, ficou bem emburrada e com cara de poucos amigos. Betinho percebeu e foi se desculpar:

- Ô Luísa, desculpa. Eu só estava brincando com você!

- Só porque aprendeu umas coisinhas do livro agora já quer pagar de professor, de sabichão? – questionou a menina.

- Foi mal, eu exagerei. Vou te explicar: o sol está muito, mas muito longe daqui. Então não tem nada a ver o fato de o avião estar alto. Sabe aquela situação do Monte Everest, que é bem gelado lá em cima? Então, é tipo isso, o avião, quanto mais vai subindo mais frio vai ficando. Entendeu?

Luísa franziu a testa e balançou a cabeça positivamente. Ainda estava brava.

09

Betinho foi aos poucos aliviando o clima, sendo gentil. Luísa devagar foi cedendo, mas ela agora passou ao comando.

- Betinho, você agora sabe muito de avião, mas só sabe de ler no livro. Quando você vai saber de verdade, de voar em um?

- Espero que logo, fiquei mais curioso agora. Me diz, quando olha para baixo, lá de cima, qual a sensação? – perguntou o curioso menino.

- Sensação de estar vendo o mundo pelos olhos de Deus, Betinho! – respondeu Luísa, para cair na gargalhada.

10

Betinho deu uma volta e foi até o pátio da biblioteca. Lá tinha uma espécie de jardim, muito arejado e agradável. Levou consigo um livro de Física, com ilustrações para crianças. Luísa ficou dentro da biblioteca.

Pouco tempo depois chega Paulo, um garoto mais ou menos da idade de Betinho.

- Vi vocês falando sobre aviões lá dentro e achei muito interessante. Meu pai é piloto, quer conhecer ele um dia?

- Sério? Nossa! Quero sim, tenho tantas perguntas! – se empolgou Betinho.

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Os dois meninos ficaram um longo tempo conversando sobre como é legal o mundo da aviação e que parece mágica tudo que acontece com um avião.

- Mas é tudo ciência, cara! – tratou de explicar Paulo.

Betinho concordou. Ele era um pequeno cientista. Pelo menos assim era chamado em casa e gostava do título.

- Meu pai explica que o avião voa por causa do formato das asas. E também porque as turbinas e as pás geram um tipo de impulso. Aí o ar corre pelo corpo do avião e faz ele voar. Louco isso, não? – explica Paulo.

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Luísa não aguentou e tinha vindo atrás de Betinho. Também com um livro na mão. Tinha ouvido a explicação de Paulo e ficou bem interessada nessa parte. Quis participar da conversa:

- Mas é muito pesado, muitas toneladas e mesmo assim não cai...

- Às vezes cai... – atalhou Betinho, arrancando risos da dupla.

- Tomara que o do meu pai nunca caia. Bate na madeira três vezes! – fez questão de dizer Paulo, para diversão de todos.

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- Essa é a Luísa! Esse é o Paulo, o pai dele é piloto de avião – Betinho tratou de fazer as apresentações. Agora eram todos oficialmente amigos.

- Luísa, o Paulo me convidou para conhecer o pai dele. Deve ter muitas histórias para contar.

Luísa era do tipo que perde o amigo, mas não perde a piada:

- Quem sabe assim você perde o medo de entrar em um avião, Betinho. Vai ser bom para você!

- Você não muda mesmo, menina! – devolveu Betinho.

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A conversa entre eles foi ficando cada vez mais natural, mais tranquila. Riam, contavam suas aventuras, seus desafios na escola e os sonhos para o futuro.

- Vai ser piloto de avião igual seu pai, Paulo – quis saber Luísa.

- Não. Vou ser dono de uma companhia aérea. Vou ser o empresário que tem todos os aviões! – revelou Paulo, com brilho nos olhos, de quem realmente acredita no sonho.

- E você, Betinho? – questionou Luísa.

- Cientista, claro! Vou ser físico conhecido no mundo todo. Acho que vou até ganhar o prêmio Nobel. Não decidi ainda – brincou Betinho, mas falando muito sério.

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- Já eu – disse Luísa – vou ser presidente do Brasil!

- Você, presidente? Vai sonhando... – zombou Betinho.

- Por que não? Qual sua proposta para melhorar o país? – defendeu Paulo.

- É simples: vou abrir mais bibliotecas e livro será de graça para quem quiser ler. Desta forma, teremos mais gente inteligente, mais cientistas, mais escritores, mais tudo, entendeu? – resumiu todo o seu plano de governo a pequena revolucionária.

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A conversa ia seguindo por caminhos totalmente aleatórios. O que começou com avião e Física, passou para planos futuros, para a vida adulta. Mas do nada eles retornam para o assunto de antes.

- Sabia que a asa do avião tem a mesma função da asa do passarinho na hora do voo? – disse Betinho, para mostrar que estava afiado na matéria.

- Então, por que o avião não bate as asas igual o passarinho? – quis saber, com certa razão, a inquieta Luísa.

- Boa pergunta para você responder, hein Betinho? – riu Paulo, já se colocando do lado de Luísa.

- Vou descobrir e falo para vocês. Que tem um motivo, ah, isso tem! – concluiu Betinho.

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Enquanto discutiam esses detalhes tão difíceis de entender, Luísa abriu sua bolsa e tirou de lá um sanduíche natural, preparado por Joana, sua mãe.

- Toda essa conversa de avião me deixa com fome. Ainda bem que trouxe comigo o serviço de bordo! – disse e caiu na gargalhada.

- Estão servidos, meninos? – ofereceu, mais por educação do que por vontade de dividir aquele lanche tão saboroso.

Os dois recusaram, mais por educação do que por falta de vontade.

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Betinho começou a ficar com aquela cara de quem está tendo alguma ideia. Fica corado, começa a rir com o canto da boca, como se fosse um personagem de desenho animado com uma lâmpada na cabeça.

- E que tal a gente criar um clube do avião? – propôs.

- Clube do avião? Como assim? Acho que você está vendo filme demais, Betinho – zombou Luísa.

- A gente convida mais pessoas que têm interesse em saber sobre aviação e organiza leituras, pesquisas, filmes e visitas ao aeroporto para a gente descobrir tudo sobre esse mundo dos aviões – disse, com muito entusiasmo.

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- Eu posso falar com meu pai para ele deixar a gente conhecer a cabine do avião, seria muito legal, que acham? – propôs Paulo.

- Seria o dia mais feliz da minha vida! – exagerou Betinho.

- Betinho e seus exageros! Menos, Betinho, menos – era a voz de Luísa, sempre com o pé no chão.

A empolgação tomou conta dos meninos e eles começaram a criar planos e pensar em outros colegas que poderiam fazer parte do clube do avião.

20

Ali, no jardim da biblioteca ficou definido que aqueles três meninos iriam conquistar o mundo por meio do seu clube do avião. Iriam brilhar na terra e no céu, como disse Paulo, ao saudar o mais novo clube da escola.

Precisavam de um nome para o grupo, para dar sorte, diziam.

- Que tal Clube do Avião Santos Dumont? – propôs Luísa.

- Por que Santos Dumont? – quis saber Betinho.

- Ora, ora, o senhor sabe-tudo não sabe que Santos Dumont foi o inventor do avião? Estou chocada! – brincou Luísa.

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Com vergonha por não saber desse detalhe tão importante, Betinho tratou de mudar um pouco de assunto:

- O nome a gente pode votar depois, que acham?

- Pode ser, Betinho, mas a sugestão aí da Luísa é a melhor mesmo. Santos Dumont é o cara da aviação mundial. É tipo o Pelé dos aviões, entende? – sustentou Paulo, para decepção de Betinho.

- Claro, claro, o que estou dizendo é que podemos pensar em outras coisas mais urgentes agora, como, por exemplo, quantas pessoas iremos convidar.

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Chegaram ao número 7. Não poderiam chamar mais de sete pessoas. Senão ficaria muito grande e bagunçado.

- E também não conseguiríamos encontrar mais de sete pessoas interessadas no assunto a ponto de gastar tempo num clube de avião – riu Paulo, sendo bem sincero.

- Esses meninos de hoje são muito alienados, só querem saber de ficar jogando no celular – discursou Betinho.

- O que é alienado, Betinho?

- Não sabe? Olha só! – brincou Betinho – alienado é quem não vê a realidade, entende?

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Os três acertaram mais alguns detalhes e marcaram de se encontrar no dia seguinte no mesmo lugar.

- Cada um traz um novo colega que queira participar, aí a gente organiza já o clubinho – propôs Betinho.

- Gente, o papo tá bom, mas se eu não for embora agora minha mãe me coloca num avião e me despacha para a China – brincou Luísa.

Foi a saída triunfal dela e uma boa imagem mental para o grupo encerrar aquela reunião.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 09/04/2022
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