A história do Fiel

A história do Fiel

Jocenir Barbat Mutti

Nov/07

Um dos meus recalques é que nunca levei jeito para contar piada. Observo que os bons contadores, normalmente, não riem na hora em que estão contando e sabem imitar com vozes e trejeitos os alemães, italianos, bêbados, gagos, etc.....e sabem sacar a boa piada do seu repertório na hora certa.

Descobri com os meus filhos e depois com a minha afilhada que histórias para criança, sim, eu contava bem. Tinha uma preferida, que eles sempre me pediam que a repetisse, de tanto que gostavam. Era a história do Fiel. História verídica de um cachorro dentre os vários que meu irmão menor teve em sua infância. Até fiz uma gravação dessa história e assim, quando eu estava viajando, meu filho mais velho brincava com o gravador e escutava várias vezes essa história.

Hoje fico pensando qual a causa do meu sucesso. Eu tinha o esqueleto principal da história, que era uma história dramática, mas cada vez que eu ia contar, dependendo da criança que estava ouvindo, eu dava um toque diferente para chamar a atenção. Da primeira vez a criança geralmente só ouvia a história que eu mesmo contava. Mas nas seguintes, eu começava a história e de repente era a própria criança que adiantava o que aconteceu. Eu ficava só cutucando, e ela mesma ia contando, mudando de acordo com o que ela já sabia que ia acontecer. Então eu é que participava da história narrada por ela, relembrando alguma coisa, algum detalhe.

Não se assustem, não vou contar toda a história original. Só quero representar a cena do diálogo como eu me lembro, considerando, deixa ver, lá pela décima vez em que a história era contada.

Eu - Advinha qual é a história que vou contar?

Criança - A história do Fiel ... He.. He.. He..

Eu- Acertouuu. Onde morava o Fiel ?

Criança – Em Uruguaiana e o dono do Fiel era o teu irmão.

Eu- E como era o Fiel?

Criança- Grande, marron e com as orelhas grandes e pra baixo.

Eu- Esta agora tu não vais lembrar: Que tamanho tinha o canino do Fiel?

Criança- Deeeeeesse tamanho (abrindo os dedinhos) e a boca era desse tamanho (acrescentando, com as mão abertas).

Eu –Puxa!!! E o que foi que o Fiel fez de errado?

Criança – Mordeu a perna de um viajante ( vendedor de calçados ) do teu pai. E ele ficou muito brabo com o Fiel.

Eu- É verdade. O que mais aconteceu?

Criança – O teu pai mandou tu colocar o Fiel dentro de um saco e levar ele de auto para beeem longe, lá perto do cemitério.

Nessas alturas, a criança demonstrava tristeza, mas com um olhar de quem sabia o final.

Coitado do Fiel! Foi uma decisão muito difícil! Meu irmão chorava aos prantos. Depois que deixei o Fiel lá, choveu dois dias sem parar.

Eu- E será que o Fiel morreu ?

Criança- Nããão, ele voltou tooodo sujo e com fome e arrependido.

Eu – É verdade. E meu pai, o que ele fez?

A criança respondia, dramatizando. Ela era o cachorro. A minha afilhada chegava a ficar de quatro, baforando e uivando, para representar o quanto o cachorro estava esfomeado.

Criança – O teu pai mandou o teu irmão colocar o Fiel, balançando o rabinho, pra dentro de casa. He!!! He !!! He !!!

A história do Fiel traduz uma moral, como disse o meu pai: - Foi uma dura lição para todos!

E eu, porta-voz dessa história e condutor do diálogo, sempre me sentia muito gratificado de sentir a participação das crianças.