O PEQUENO ESCRITOR GAÚCHO – Giselle Sato




- Exijo que acompanhem minha aula! É o mínimo que podem fazer.

A mestra bateu a régua na mesa. Em um canto, o menino de olhos grandes sentiu que era observado. O sinal do recreio soou e a turma agitou-se. Ansiosos para deixar a sala, aguardando o consentimento da professora:

- Dispensados. Exceto o senhor caborteiro, vamos ter uma charla.

A piazada desapareceu na carreira. Dona Helga aprochegou-se, abriu um livro de apontamentos e começou a escrever. Longos minutos; a caneta ia e vinha enquanto ela preenchia as linhas. Esse guri precisava de um cabresto:

- Temos aqui uma peleia séria de disciplina. Faz favor, traz a folha onde escrevias ou rabiscava. Quero ver o que é mais importante que a aula.
Embretado, o piá anteviu o entrevero, arregalando os olhos, meio abichornado.

- Vou mostrar, não, não senhora.

A professora levou um tranco com a resposta. Anos de magistério, colégio rígido e tradicional. Chefe da cadeira de Português. Que petulância do aluno! Precisava de um pito:

- Ficaremos aqui até mudar essa idéia maleva. Talvez uma conversa com o diretor te sirva de pialo.....

- Mas, bah! Professora, eu gosto do seu jeito de explicar, é trilegal de boa, apenas já sei esta matéria. Estudo adiantado.

- Sei muito bem, tuas redações já ganharam concursos. És um bom aluno, isto não justifica teu desinteresse por minhas aulas, faz-se de sorro manso.

- Mas bah, tchê, não é pouco causo. Algumas vezes sou um pouco maganão, devagar, entonces anoto as idéias pra modo de não esquecê.

- Tu precisas é de soga. Enquanto não mostrar o papel, te palanqueias de castigo.

O pátio cheio parecia um bolicho em festa de finados e a zorra das crianças chegava como um sorriso de prenda. O moleque fechou as mãos sobre a folha do caderno e baixou a cabeça. Controlou a vontade de chorar e a raiva amarfanhando a bandana.

- Muito bem. Já que fincou o facão no toco e a prosa não chegará a lugar algum, vamos ao diretor resolver a questão.

- Sim, senhora.

- Teus pais serão chamados. Achas que um simples papel vale tanta pólvora em chimango?

- Acho. É parte do meu manuscrito e não quero que leiam.

- O quê? Tu ''pensas'' que estás escrevinhando um livro? Mas te faz de salame....!

- Na verdade, estou, sim senhora. Me clareou as idéias enquanto vosmecê explicava. Quis botar no papel antes que se aperreasse e a senhora achou que eu não estava na atenção.

- Livro sobre o quê?

- Sobre o ensino, acredito em uma forma diferente de explicar.

- Menino, olhe o respeito.

- Não se avexe. É verdade, na minha história tudo é diferente. Aqui, a gurizada tem medo de perguntar. Se amoitam, não existem trocas, ninguém aprende direito. São caturritas repetindo... Repetindo....

- Quanta imaginação! Não precisavas fazer tanto mistério. Tens medo que roube tua idéia ou algo equivalente?

- Imagine! Tenho é vergonha. Não quero que riam, já acham que sou cuiudo.

- Bah. Quando tinha sua idade, também sonhava em ser escritora.

- Então a senhora tem livros? Porque nunca disse nada?

- Escrevi alguns livros didáticos. Estudei muito, fiz faculdade e mestrado.

- Inda bem que foi chegando pra ensinar o português e a literatura. Foi por sua causa que peguei do gosto pela leitura. Já li toda a lista do ano.

- Alguns reclamam porque mando ler muitos autores. Outros lêem num talagaço.

- Eu gosto de ler, ando sempre com um livro a cabresto.

A professora mirou a ponta das botas enceradas, alisou as pregas da bombacha folgada, apertou a guaiaca num movimento despistador, mas era uma mulher buenacha, sorriu e disse suavemente:

- Sabes, acho que teu castigo foi suficiente. O recreio finda em quinze minutos. Desta vez não visitaremos o gabinete, mas não quero anotações em minha aula.

- Sim senhora. Não vou repetir.

- Tu podes contar um pouco desta tua história? Ou é segredo?

- Bom... É uma coisa boba que inventei pra passar o tempo. Criei uma cidade com muitos viventes e idéias. Tem um pouco de tudo e gente de todo tipo. Muitas coisas acontecem o tempo todo, muitas aventuras.

- Não são bobagens. Tu és um menino com muita imaginação. Um mundo de ficção? Outro planeta e seres espaciais? Ensino por telepatia?

- Não senhora, daqui mesmo. Uma cidade bacanuda como a nossa, pequena e simples.

- Uma cidade só tua, entendi. E esta cidade tem nome?

- Ainda não me arresolvi, mas gosto muito de Pereirópolis. Soa macanudo, não acha?

- E de lambuja ainda é teu sobrenome, não é mesmo? Júnior, podes comer tua bóia. Gosto de pessoas criativas. E a partir de hoje, já que vais ser escritor, vou emprestar-te alguns autores. Vamos adiantar e passar para os clássicos. Escritor precisa ler muito para aprender.

- Sim senhora. Quiçá eu mude... Ainda tenho um baita tempo pra decidir.

- Com certeza, mas Pereirópolis é um grande nome!





Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 03/01/2009
Reeditado em 10/07/2009
Código do texto: T1364549
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