O Gordo

Há momentos que me pergunto por que há pessoas não me veem como um ser humano que tem um nome, sente dor, sente vergonha, sente tristeza...enfim um ser com todos os sentimentos e reações como todo mundo tem.

Finjo que não me incomodo com as risadas, com as brincadeiras, ou com os elogios irônicos. Aprendi com o tempo a criar uma fachada onde consigo disfarçar bem os meus verdadeiros sentimentos. Dependendo do momento e da situação passo a imagem de ¨alegrador de plateia¨. Esse nome eu inventei como uma forma de mostrar que tenho a capacidade de me camuflar e mostrar o que não sou. Como os camaleões procuro me disfarçar no ambiente onde estou visando sobreviver em meio aos ¨predadores¨. Quem são esses predadores? São os que estão dentro do modelo imposto pela moda, que por sua vez é imposta por alguém, por alguma máquina que faz a roda da fama e do sucesso ou da aceitação social funcionar. Também costumo me mostrar satisfeita com o meu jeito grandalhão de ser e de ocupar espaço.Demonstro não perceber a maneira disfarçada das pessoas me olharem e luto mais ainda por não demonstrar o quanto sofro por ser preterida por causa da minha forma avantajada,das minhas banhas e dobraduras excessivas.

Faço de tudo pra demonstrar que estou confortável e que me sinto satisfeita, quando na verdade o meu ser grita por respeito e fidelidade dos olhares, das palavras, das ações de quem está à minha volta.

Desde a infância fui excluída. Nos primeiros anos percebi que as crianças gorduchinhas eram taxadas de bonitas, meus pais também acreditavam nessa falsa impressão, e me entupiam de tudo que viam pela frente; as pessoas de uma forma errônea também acreditam que toda criança gorducha sente mais fome do que as outras. Meus pais sem perceber, preparavam meus pratos 'elevados' e se eu deixasse a comida, era um sinal de que estava doente. Davam-me mais remédio para abrir o apetite. O circulo vicioso começava por aí.

Acreditava-se que uma criança normal tinha que ter umas dobrinhas a mais.

Fui crescendo e descobrindo que uma realidade me aguardava. No antigo Primário, comecei a notar a diferença. Nos desfiles, nas apresentações, nas dramatizações cabiam a mim os papeis de tudo que tivesse relacionado à forma redonda ou oval: Tomate, maçã, laranja, coração, pão, etc. Quando entrava ou aparecia no palco os cochichos e as risadas eram visíveis e/ou audíveis. Quando os outros entravam, podia-se ouvir um ¨Oh, que linda! Ou um ¨Que bela menina! Parece uma princesa!¨.

Dizem que na adolescência a gente muda, emagrece, afina etc. Comigo não foi assim. Quanto mais o tempo passava mais larga eu ficava. Quanto mais larga ficava mais sofria; quanto mais sofria, mais engordava... Pirei!Desisti de fazer dieta, de tentar entrar no padrão. Fechei-me num mundo de máscara, que por sinal, resolvi tirá-la por um momento, mas devo dizer que muito em breve colocarei de volta. É melhor assim.

Os professores dizem de forma clara ou indireta de que a obesidade é uma doença e de que a pessoa gorda não emagrece por não querer ou por não ter força de vontade. Será que alguém já teve fora dos padrões por cerca de 20 anos e de repente tentou encaixar-se numa fôrma preestabelecida? Saber eu sei que a obesidade é uma doença e que mata um número imenso em todo planeta, mas não é por força de vontade que peso acima e muito acima da média.

Lembro de um dia em que fui forçada a entrar num banheiro, tirar a roupa e mostrar o meu corpo com todos os quilões a mais, ser motivo de chacota e ver meus colegas tirarem fotos para servir de gozações durante dias, meses...que para mim representaram uma eternidade.Quando recebi o convite para ir a casa da minha suposta amiga,pensei que ¨agora estou sendo aceita pelo grupo¨,quando na verdade eles não tinham outra coisa na cabeça se não me usar como um brinquedo qualquer que a gente usa e depois joga para qualquer canto, porque não vê nele nenhuma utilidade.

Chorei minha dor escondida e disfarçadamente porque não queria fazer meus pais sofrerem.

Faço de tudo para não correr e uso roupas folgadas como forma de disfarce, porém sinto que de nada adianta minhas tentativas, quando meus professores de educação física me expõem colocando-me para correr, pular obstáculos, pular corda...Eles dizem que não perco minhas quilométricas banhas porque não quero pagar o preço, porém não sabem ou não querem saber que já pago um preço muito alto por cada grama que possuo. Nunca vou de livre e espontânea vontade. Quando me colocam para fazer essas exibições,sempre sou a última a chegar, ou a primeira a cair como uma pasta gelatinosa que vai se espalhando e balançando ao vento. Tento me levantar, e muitas vezes sozinho não consigo; e se tentam me ajudar corro¨o risco¨ de derrubar meus ¨ bons samaritanos¨. Nessas horas queria que um buraco se abrisse e me engolisse para só assim sair da mira desse grupo seleto dos bem feitinhos, elegantinhos, perfeitinhos, e todos os demais inhos que poderão ser enquadrados nesse contexto.

E o suor brabo? Ninguém quer chegar nem perto de quem perde litros e mais litros de suor. Engraçado é tão fácil perder água e sais minerais, porém gordura que é bom, nada! O jeito é dar um jeito nesse meu jeito gordo de ser. Alguém tem uma solução para a minha causa? Aceito sugestões.

Ione Sak

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 14/02/2009
Reeditado em 25/05/2016
Código do texto: T1438827
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