Vovó Minervina

A minha avó me deixou saudades. Ainda lembro do seu cheiro, da sua cor morena cor de canela, dos seus cabelos grisalhos, longos e ondulados. Lembro do seu andar vagaroso, mãos para trás, jeito manso, sorriso leve. Lembro de quando nós, seus netos, brigávamos para ter a vez de pentear seus cabelos, arrancar os fios brancos e fazer-lhe um penteado.

Ela gostava dessas pequenas brigas, pois sentia que brigávamos para estar junto à vovó querida. Briguinha boba, e que não ficava rancor.

Acordava cedo, por volta das cinco horas. As sete, toda roupa estava lavada. As de cor estendida no varal feito de arame farpado, e as brancas estendidas no quarador, que era feito de palha de coco. O café da manhã já estava pronto, e o almoço adiantado. Por volta das onze horas, enxaguava a roupa branca, colocava no anil, e depois estendia no varal. Quintal varrido, galinhas alimentadas.

Uma coisa que ela não fazia era arrumar a casa. Essa tarefa cabia a sua filha mais nova.

Lembro com saudade do caldeirão de sopa de feijão que ela fazia todo santo dia. Após o almoço, ela passava o feijão na peneira, desfiava a charque que havia sido cozinhada no feijão, depois colocava o macarrão. Já comi muitas sopas mais elaboradas e com maior quantidade de ingrediente, mas nenhuma consegue chegar perto do sabor daquela sopa que minha avó fazia. Não sei o motivo. Talvez esteja associado ao sabor da infância que se foi, e essa faz parte de cada um, jamais pode ser explicado ou reproduzido. Às cinco horas da tarde já tínhamos tomado banho e de roupa trocada; ela chamava todos os netos, nos servia um prato quentinho. Depois cada um de nós ia esperar nossos pais regressarem do trabalho.

Minha avó era uma mulher que vivia para os outros. Quando os filhos e os netos melhoraram de vida e passaram a lhe dá presentes e dinheiro, ela não fazia uso, guardava tudo. Um dia, após seu enterro, tudo que tinha recebido fora encontrado intocável. Não pensava em si, guardava para os outros.

Ainda lembro da última vez que nos falamos. Cheguei perto, olhei nos seus olhos e lhe disse:

- Aconteça o que acontecer, quero que a senhora saiba que eu sempre a amarei.

Abraçamos-nos forte. Ela entrou para chorar sua dor. Eu saí para chorar a minha.

O tempo passou. Mas a saudade continua presente. Quando ouço o cantar do galo, um latido de cachorro, o som do primeiro ônibus passando na madrugada...Esses sons levam-me aos dias que passei sob as asas da minha avó.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 13/04/2009
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