Desabafo de uma adolescente

Sei que sou muito nova para perder tempo preocupando-me como gente grande, porém não posso impedir que meus pensamentos viagem. Acabei de ler um livro de Ruth Rocha, História dos Rabos Presos, e depois de dá umas boas risadas, percebi que essa história combina com a minha realidade, isso é, na minha cidade há muita gente com as rabicholas presas.

Vou pedir licença para atender minha avó. Boa coisa me espera, sinto um cheiro gostoso no ar. Cheiro de tapioca com coco! Daqui a pouco eu volto!

Ah, minha avó é a melhor vó do mundo! Quando cheguei junto dela lhe dei um abraço apertado, coloquei meu nariz na sua bochecha e senti aquele cheirinho que só as avós têm. Depois abri a matraca para falar.

- Ô Vó, descobri uma coisa! Muita gente nessa cidade tem o rabo preso.

-Que história é essa menina?

- A senhora não sabe que quem tem o rabo preso não pode abrir a boca para nada porque se falar alguém lhe aponta um dedão e aí é tombo certo. Foi a Ruth Rocha que falou. Aprendi agorinha.

Minha avó achou graça, mas a coisa é muita séria. Você não acha? Na minha cidade há ruas que nos registros constam que já estão calçadas, porém quem anda por elas pisam na lama, no barro, e há esgoto por todo lado. E o dinheiro gasto nesses calçamentos saiu correndo de fininho pelo ralo a baixo, ou melhor, para os dedos dos rabicholas.

Na minha cidade construíram uma quadra de esporte bem ao lado de uma escola pública, Gente é tanto barulho! Não sei como eles (alunos e funcionários da escola) agüentam.

Na minha cidade as escolas dos sítios parecem mocambos, estão caindo aos pedaços, como se não servissem para nada. Eu não entendo a mente de gente grande. Os rabicholas preferem gastar um dinheirão com transporte para trazer os alunos para o centro da cidade. Segundo meu pai, “as escolas do centro ficam inchadas.” Na minha humilde opinião, os homens grandes deveriam deixar os alunos do campo no campo, para aprender junto aos pais; deveriam investir nas vilas e áreas rurais para que esses recantos não sejam apenas considerados lugares para velhos e aleijados. Porque quando esses alunos vêm para os centros ficam jogados à própria sorte.

Numa tarde, um grupo de alunos foi para um bar. Mistura de alegria, bebida, e por debaixo da mesa, um revólver. Um estouro... E como resultado desse encontro: um adolescente morto estupidamente.

Outro resultado de tanta sabedoria por parte desses rabicholas é que, ontem dois carros cheios de estudantes bateram violentamente e muitos estudantes, pessoas jovens como eu, morreram. As famílias é que ficaram no prejuízo.

Estão ajeitando a pista principal da minha cidade. Mas, eles não têm pressa, porque para eles tempo não é dinheiro. Trabalham em câmera lenta, e disseram que só vão entregar a obra em 2010. Por falta de sinalização, morreram dois motoqueiros.

Sou mais eu com minha cabeça cheia de minhocas. Acho que até a minhoca saberia ‘agir’ no lugar desses rabicholas. Sou mais eu arrumando meu quarto ou fazendo minhas tarefas do colégio. Levo tudo a sério, faço tudo com responsabilidade.

Bem, vou ficando por aqui, e espero voltar em breve. Percebi que o que escrevi está parecendo uma reportagem. Sabe de uma coisa? Quando meu pai chegar, vou lhe passar à nova.

- Pai,quando eu crescer, vou ser jornalista!

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 16/10/2009
Reeditado em 10/03/2011
Código do texto: T1869192
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