As Aventuras de Nick James 6 - Nick James e a morte na família Gonzalez

Nick James e a morte na família Gonzalez

Neste verão, eu e o Nick James fomos passear em Corrientes. Lá, nos hospedamos na “Pensión Correntina”, junto com dois brasileiros e um casal de médicos argentinos, muito simpáticos, todos eles.

Aquela noite foi muito quente e ninguém conseguia dormir. Ficamos então conversando com os outros hóspedes, que também permaneceram acordados.

— Tá calor, né, senhora?

Ela respondeu que sim, estava derretendo de calor, e reclamou que o pão-duro do dono da “pensión” deveria comprar ventiladores...

— A senhora conhece o proprietário? — veio o Nick.

Ela disse que conhecia tanto ele quanto a sua família, mas o português dela era tão próximo do correto que a gente, que nem providenciou um cursinho, coisa assim, para a viagem, não entendeu. O que nós “deciframos” das frases dela foi que eram velhos conhecidos e a família Gonzalez não era “aquelas uniões” e, portanto, eram muito diferentes dos normais. Contou algumas histórias de quando as crianças, Monica, 21, e Felipe, 26, eram crianças... E o Nick (que tinha trocado o sobretudo, pondo agora o de meia-malha), não sei por que (ora, não sei por quê! Sei, sim! Ele adora mistérios!), se interessou pela história de uma carta misteriosa que o pai da família guardava...

Aí apareceu a empregada da família oferecendo bebida para todos. Quando ela se retirou e foi servir os donos da casa e o casal brasileiro, que estavam curtindo a lua lá fora, o doutor Lopez, marido da “señora”, comentou alguma coisa sobre ela, mas eu prestava atenção ao Nick, que não tirava o olho da guria. Ele fez uma cara de desconfiança quando a viu passar a bandeja com a bebida a Felipe, deixando que ele servisse a família. Não entendi, mas como ele, quando fica sabendo de algo misterioso, no caso esta carta boba, fica assim, naquela neura de “todos os presentes são suspeitos”, sem que tenha acontecido nada de anormal...

Conversamos mais um pouco, mas veio um ventinho mais frio e fomos logo nos recolher. A família Gonzalez já estava em silêncio e os namorados subiram para o quarto. Logo, a “pensión” e seus hóspedes estavam dormindo.

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Na manhã seguinte, logo que clareou, um grito apavorado da Sra. Gonzalez levou todos os hóspedes ao quarto dela. Já disseram: “A curiosidade, além de ser o melhor combustível, também é um ótimo despertador.”

O Dr. Sérgio Lopez e sua esposa, como nós, chegaram e mal acreditaram no que viram, mas logo se refizeram do susto, examinaram o corpo e, com pesar declararam, em um portunhol pra lá de sofrível:

— Él morreu envenenado há menos de doze horas. Es todo lo que podemos decir. Ahora es con la policía.

O jovem brasileiro correu ao telefone e chamou a civil mais próxima, mas vieram um inspetor e dois guardas. Eles demoraram, é claro, mas isso é normal no nosso amado, idolatrado, salve, salve terceiro mundo.

Enquanto a polícia não chegava, Nick James (é, o próprio em pessoa) colocava em prática o seu método particular para desvendar o mistério. Contou que tinha reparado no quarto do morto, o copo da bebida que também foi servida a nós na madrugada, e as gavetas desarrumadas. Não entendi nada sobre o lance do copo.

Fez algumas perguntas aos doutores, aos namorados, à família, mexericou pelo andar térreo da pensión, e ficou conversando interessadamente com a empregada, que atua de faxineira, cozinheira e copeira. Percebi que quando ela tentava sair da conversa, ele puxava um outro assunto. Não que ele estivesse flertando com ela. Acho que estava era desconfiado. Eu notei que Monica Gonzalez estava aos prantos, rezando, e Felipe, seu irmão, de cabeça baixa, parecia consolá-la. Nick olhava feio pra ele. Aí é que eu comecei a juntar as pecinhas do quebracabeças e entendi a desconfiança de Nick.

(Bem) Depois, o inspetor chegou. E começou a fazer as perguntas de praxe sobre o presunto: — quando ele morreu, como ele morreu, não mexeram em nada?, onde ele estava quando morreu?, removeram o corpo com cuidado?

Achei o sujeitinho bem engraçado. Baixinho e gorducho, gostava de dar ordens aos guardas, que, embora fossem grandalhões, obedeciam ao inspetor nanico como coelhinhos ensinados.

Assim ele começava sua investigação. Disse, bem pomposo, que todas as dez pessoas que ali estavam na hora do crime eram suspeitos. Começou a vasculhar a casa, sem o consenso da família, que se indignou com a pose do homem. Este coordenou o interrogatório, ou melhor, determinou que o fizessem.

Notei que Felipe sorria para a empregada, talvez satisfeito com a “amadorice” do inspetor. E o pior é que ele tinha razão em rir disso: ao final da sua investigação, anunciou aos guardas:

— Como veem, com rapidez incomum EU posso lhes dizer, com certeza, que o assassino do velho é a sua viúva. Algemem-na!

Aí o Nick interveio:

— Daonde o senhor tirou essa ideia, doutor? Pois eu posso lhe dizer quem é o culpado e lhe dar provas de que o senhor está errado.

— Como ousa? Quem o senhor está pensando que é?

Nick teve que buscar suas credenciais, apresentá-las ao inspetor, para depois dizer quem era o assassino.

Eu estava confiante. Nick estava certo. A viúva estava aliviada. O casal de médicos, os brasileiros e a señorita Monica pareciam bastante curiosos. Então Nick prosseguiu.

— O assassino é o Sr. Felipe Gonzalez.

Este se levantou rapidamente, indignado, e tentando hablar português:

— O que? Como o señor puede decir esto? Por que yo haceria esto con mi propio padre?

— Para receber a herança que ele vai lhe deixar e fugir com a sua querida empregada, sua cúmplice neste crime.

Felipe ficou nervoso:

— No es posible. Entonces, prove o que o señor está falando.

— O doutor disse que o Sr. Juan morreu envenenado. Vasculhei a casa e onde poderia haver venenos — na despensa. Fui lá e notei, por acaso, que onde eu supus que deveria haver uma pilha de caixinhas com veneno de rato, estava uma aberta. Peguei uma amostra do pó e examinei. Fui até a área de serviço da casa e encontrei a mesma substância no bolso de uma bermuda que, depois, perguntando à Srta. Beatriz, a empregada, eu soube que era sua e lembrei que o Sr. a havia usado ontem. Juntando ao fato de que ontem o senhor pediu à Srta. Beatriz para poder servir a bebida a seus pais, e sendo que ela deixou, e sabendo que seu pai guardava uma carta e imaginando que ela fosse o seu testamento, e percebendo que o senhor e a Srta. Beatriz trocavam olhares cúmplices durante a investigação, matei a charada.

O inspetor olhou para os dois, que baixaram a cabeça. Foram presos.

— Meus parabéns, Sr. Nick James! — o inspetor logo deu as costas e já saiu dando ordens aos guardas rumo à delegacia, concluindo mais um caso de mistério resolvido pelo nosso herói.