[Original] Refém de você - Capitulo 5

Capítulo 5

E na segunda-feira de manhã...

- Vocês se beijaram de novo? – Maya perguntou, no caminho a sala de aula. – Meu Deus, Leandro!

Ele sabia que no fundo a amiga gostava do namoro falso. Não porque não acreditava na sexualidade dele, mas por seu gosto peculiar por relacionamentos complexos.

- Eu não sei porque eu a beijei, mas ela ali chorando... – A lembrança passava por sua mente. – Acho que eu me preocupo com o bem-estar dela.

- Cuidado pra não se apaixonarem.

- Não vou me apaixonar. – Disse, seguro. Quando entrava pra sala de aula, viu de relance Angélica passar de mãos dadas com João. – E o pior é que meus pais a adoram.

- Ela é um tipão.

Leandro pensou em contar a respeito do violão, mas preferiu guardar com ele o segredo que o tornava ainda mais próximo de Angélica.

Era a semana de palestra contra a homofobia na escola e como em todos os anos os professores pediam trabalhos em duplas sobre o tema. Alguns alunos escolhiam fazer pesquisa, outros maquetes, Leandro e Maya escolheram dar uma palestra rápida nas salas do 8º ao 3º ano do ensino médio. Em todas se saíram bem, mas quando entraram na classe de Angélica, foram recebidos com vaias. Ela estava sentada no colo de João quando os dois entraram.

O professor resolveu ver como os alunos se comportariam sem sua presença, então saiu da sala. Maya passou pelos alunos, entregando camisinhas e ignorando as piadas que ouvia dos garotos.

- Você sabe bem do tema né, Leandro? – A pergunta carregada de maldade era de João. Angélica respirou fundo. Leandro, sentado na mesa do professor de forma desleixada, fitou o colega incrivelmente bem humorado. A tensão já pairava pela sala.

- Bem demais. Eu estudo, sabe? Não sou como você que deixa o cérebro mofando dentro da cabeça.

A zoação era geral. Angélica, sentando-se em sua cadeira desejou ter faltado a escola.

- O viadinho tá com as respostas na ponta da língua, hein? Tá usando a língua pra outras coisas além de...

- JOÃO! – Ela se interpôs na discussão, o que fez o garoto franzir o cenho. – Estamos na semana da homofobia e você brigando com um homossexual? – As palavras desceram amargas sob a garganta.

- Ah, qual é, Angélica! Até parece que não sabemos das bobagens que ele vai falar.

- Se você não tá afim de ouvir é só sair da sala moleque. – Maya disse, do fundo da sala. – É simples.

Angélica tentava se comunicar no olhar com Leandro, mas era duramente ignorada.

- Cala a boca, sapatão! – João voltou sua atenção ao garoto. – Começa logo, bichinha.

- Cara, você é afim de mim, na boa. – Provocou Leandro. Angélica afundou-se em sua cadeira, já temendo o pior.

- Dá pra vocês pararem? – Pediu ela, olhando do namorado verdadeiro para o namorado falso. E fora ignorada por ambos. No calor da discussão, João já ameaçava partir pra cima de Leandro. Novamente a garota se pôs entre os dois. – João!

- Você tá doido pra levar um murro, sua bicha!

- JOÃO!

- Bate então, machão. – A naturalidade e calma de Leandro era irritante em uma briga, Angélica sabia bem disso. Ele tentava tira-la do meio. – Pode sair, Angélica, não vou brigar com seu namorado.

- Angélica? – Perguntou João, surpreso com o tratamento. – Você sempre a tratou tão mal, porque agora está assim educadinho? Tá pegando dica de moda com a minha garota??

Leandro olhou João pasmo com tamanha ignorância. Era a pessoa mais vazia que já conhecera em sua vida. Perguntou-se como Angélica o suportava.

- Não é o nome dela? – Fitou a garota, que já tremia, nervosa. – Não é esse teu nome??? Se bem que cadela combina bem com você também.

- REPITA ISSO SE TIVER CORAGEM! – João gritou, furioso.

- É claro. - Sensualmente, ele sussurrou no ouvido dela que arrepiou-se de imediato, mas ninguém percebera. - Cadela.

Ela nem viu quando João a empurrou pra cima de uma mesa e partiu pra cima de Leandro. Os alunos gritavam em incentivo. O professor entrou na sala na mesma hora, segurando o garoto loiro pela camisa.

- O que está acontecendo aqui? – Perguntou, horrorizado com a cena. Leandro estava no chão, o canto da boca sangrava muito.

- ESSE MOLEQUE PRECONCEITUOSO BATEU NO LEANDRO! – Maya gritou, socorrendo o amigo.

- É MENTIRA! – Uma amiga de João e Angélica gritou em defesa ao casal, ela ajudava Angélica a levantar do chão. – O LEANDRO XINGOU A ANGÉLICA DE CADELA!

- É verdade? – O homem perguntou a garota, que viu-se contra a parede. Ela fitou Leandro, depois João. Não poderia mentir, não na frente do verdadeiro namorado. Então assentiu. – Você vai pra enfermaria, Leandro e em seguida assine a sua suspensão com a diretor...

- Mas o João se descontrolou um pouco. – Disse, surpreendendo a todos. – Seja justo e puna os dois.

- Angélica! – A amiga e João exclamaram juntos. Ela fitava Leandro, querendo ajuda-lo, mas sentia-se impotente.

- Está certa... Bom. Então o João vá pra direção e o Leandro pra enfermaria. Você pode leva-lo?

Maya ia se oferecer, mas sabia que Angélica necessitava de conversar com o amigo. Ela pôs a mão na cintura dele, o ajudando a andar.

No caminho à enfermaria, Leandro respirava descompassado, e não era por causa da briga com João, mas sim por Angélica.

- Fala alguma coisa. – Pediu, num tom baixo. Os olhares se encontraram por alguns minutos, mas ele desviou, balançando a cabeça em um não. Lamentava algo dentro de si, talvez o sentimento que começava a nutrir por ela. – Eu não podia deixar você se ferrar sozinho.

- Obrigado, irmã Angélica, mas até uns dias atrás você era parte da dupla que me zoava na escola. – Lembrou ele, rudemente. Angélica engoliu seco, pois era verdade.

- Eu sei.

- Então não haja como uma santa e eu sei me defender. – Murmurou, agressivo. Ao chegarem na enfermaria, sentaram-se no sofá a espera de atendimento. Angélica ignorando a rispidez do garoto, abriu a porta da sala procurando a enfermeira. Não havia ninguém.

- Ela não está. Vem, eu vou te ajudar. – Leandro não se moveu. – Para de teimosia, droga! Eu sei que você tem pena de mim e me acha ainda mais patética depois disso, mas eu vou te ajudar, queira ou não!

- Ai. – Ele reclamou, sentindo o algodão encharcado com álcool arder onde João o acertara. Estava sentado na mesa da enfermeira.

- Desculpa.

- Desculpo sim. – Percebera que ela estava estranhamente calada e perguntou se a suas palavras na sala a ofenderam. Pelo sim e pelo não, desculpou-se. – O “cadela” foi só pra...

- Eu sei. – Ela o interrompeu, serenamente. – Você fez o certo. João estranharia um tratamento diferente.

Balançou a cabeça, assentindo. “Talvez ela não esteja tão ofendida assim.” – Pensou, tirando de forma ríspida o algodão da mão de Angélica. Novamente se irritara com ela.

- Leandro...

- Você se comporta como uma submissa! Qual é o seu problema, garota??? Porque ainda está com ele?? Porra! – Socou a mesa, descontrolado. – Você é totalmente diferente longe disso aqui, mas aqui nessa droga de escola se comporta como uma vadia descerebrada!

Angélica respirou fundo, tentando se controlar. As lágrimas traidoras já ameaçavam cair.

- DO QUE ISSO TE IMPORTA LEANDRO? VOCÊ SÓ SABE ME OFENDER, ME REBAIXAR E ME CULPAR! É COM ESSA VADIA DESCEREBRADA AQUI QUE VOCÊ ESTA NAMORANDO PARA ESCONDER UMA COISA QUE NEM SABE MAIS SE É! – As palavras disparavam de sua boca irrefreavelmente. Ele se calou. – E NÃO ME DIGA QUE É POR CAUSA DO QUE DESCOBRIU, VOCÊ PODERIA NAMORAR QUALQUER UMA E ME FERRAR, MAS NÃO, TÁ PREFERINDO ME PUNIR!

- Eu quero mais é que você vá pro inferno. – Leandro disse, e saiu da sala, deixando Angélica sozinha, trêmula e a beira de um ataque de lágrimas.

“Eu não me importo com ela, não me importo”

Ele já voltava pra sala, quando desgostoso, lembrou que a diretora o esperava para um sermão desnecessário sobre comportamento. Deu meia volta, a caminho da direção escolar.

(...)

- E aí, como você ta? – Maya perguntou, preocupada. Estavam sentados em seus lugares de costume. A escola inteira já sabia da briga na sala ao lado.

- Bem. Você não devia ter deixado ela ir na enfermaria comigo.

- Se beijaram?

- Nós brigamos. Angélica tem o emocional de uma formiga. – Ignorou o sentimento de culpa ao recordar da briga com a garota.

- Vocês se acertam depois. – Disse Maya. – Deixa eu te falar... Assim que vocês saíram aconteceu uma parada esquisita que só eu consegui pegar no ar. - Leandro prestava atenção na conversa. – Sabe aquela garota que defendeu o João?

- Sim, sei.

- Ela pareceu feliz demais quando viu que Angélica saiu com você... Não sei, mas acho aquela garota suspeita.

Ele a fitou em silêncio, depois riu, desdenhando.

- Qual é, japoronga!

- Eu estou falando sério... A cara que ela fez foi bem suspeita.

Pensativo com o que ouvira de Maya, Leandro decidiu que ainda não contaria isso a Angélica.

E na saída da escola...

Irritada com tudo que acontecera, Angélica decidiu ir embora sozinha, mas no caminho ao ponto de ônibus, Leandro a seguiu em silêncio. Ela o fitou, brava.

- O que?

- Estou esperando você se acalmar para conversarmos.

- Nós não temos o que conversar. – A loira disse, friamente.

- Temos sim, Angélica. E não adianta se afastar, você sabe que pegamos o mesmo ônibus pra ir pra casa.

- Vou a pé.

Ele não acreditou no que ela disse até vê-la caminhando calmamente. Respirou fundo, decidido a não se descontrolar com a garota.

- Angélica, dá pra parar? – Pediu, olhando-a irritado. Ela não o fitou. – Certo, vamos ficar agindo nessa infantilidade então.

E continuaram andando em silêncio. Angélica queria falar algumas verdades a Leandro. Dizer a ele que não era tão idiota como ele pensava, que tinha um coração batendo dentro do peito e não aguentava mais ser tratada como uma imbecil. Ela podia dizer a ele que seu namoro com João era somente por conveniência e não por amor. Podia ter dito tudo o quanto o namoro de mentira a deixara confusa, mas não disse uma só palavra.

Quando passaram pelo centro, Leandro parou. Angélica parou também ao ver que ele não a seguia. A praça agora tinha um novo e divertido componente: uma cabine de fotos.

Leandro a fitou na expectativa. Ela sinalizou um “não” com o dedo, mas fora ignorada, pois ele a puxou da mesma forma.

- Eu não quero! – Protestou Angélica, tentando se soltar.

- Para de ser chata, você quer sim. – Na cabine pedia para a pessoa depositar 2 reais e tirar 15 fotos. Ele introduziu o dinheiro na porta e os dois entraram. O garoto sentou, colocando na cabeça um chapéu. Angélica, ainda de cara amarrada ficou no colo dele, que lhe deu um bigode falso.

- É agora!

As primeiras fotos foram de Leandro tentando faze-la sorrir, depois, mais relaxada, a garota entrou na brincadeira. Houve fotos em que se olharam com cumplicidade. Em que Angélica usou o chapéu do garoto. A última foi do garoto roubando um beijo dela.

- Sou muito fotogênico. – Ele falou, metido. Ela ainda olhava as fotos, distraída. – Pode guardar.

Parecendo acordar do transe que estava, a outra respondeu com um olhar de tédio, mas guardou as fotos dentro do caderno escolar.

Quando finalmente chegaram a rua da casa dela, ele a segurou, pensando em dizer algo que a fizesse sorrir ou no mínimo desamarrar sua cara de brava.

- Angélica.

- O que?

- Não fica brava comigo.

- Não estou brava

- Para de mentir! Eu sou meio grosso as vezes, sei disso, mas é que você realmente me irrita. – Declarou, sincero. Angélica o olhou de cenho franzido. Não queria acreditar nele. Leandro revirou os olhos e fez a única coisa que sabia que a amoleceria e era muito melhor do que palavras: ele a beijou como nunca tinha beijado antes. Um beijo cheio de algo que ambos não sabiam dizer o que era. Poderia ser amor – ela pensou, mas apagou a ideia da cabeça em seguida, pois não dariam certo. A química era evidente, a cumplicidade começava a se formar com força, mas sentimento... Esse não poderia nascer.

Angélica empurrou Leandro, que sem entender nada, a olhava, surpreso com a reação.

- Não me beije mais. Nunca mais.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 17/06/2010
Reeditado em 19/02/2022
Código do texto: T2325152
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