Alexandria - Capítulo 1

Temática: Futurísta, Pós-Guerra, Ação, Aventura.

Autores: Wesley Leal e Marcos Paulo

Os Forasteiros

Naquela época do ano era quase impossível atravessar o deserto nordestino. As tempestades de areia eram muito freqüentes na parte litorânea, o cenário era confuso demais para firmar pontos de referencias, era um labirinto sem paredes, um oceano de areia que brincava com os sentidos de seus aventureiros num sobe e desce de dunas escaldantes. Acima o sol torturava qualquer forma de vida que ousasse passar abaixo dele, o horizonte parecia derreter com o calor, se mexendo como se fosse reflexo de água. O tempo era sufocante. Pisar descalço na areia era o mesmo que pisar numa chapa de aço que acabara de sair do forno. Finalmente ao longe emergia das monótonas areias alguns edifícios destruídos de uma antiga cidade, agora não passava de um monte de ruínas.

Sobre os escombros sujos que resistiam bravamente à ventania terrível, era o inicio de uma tempestade, havia uma patrulha de sentinelas dentro e em cima dos prédios, atentos ao ponto que surgira milagrosamente de dentro da tempestade. Eles vestiam roupas folgadas e claras próprias para o deserto, cobriam os rostos da ventania de areia que os agredia querendo cegá-los. Seguravam arcos que eram tensionados com muito esforço, sincronizando o rangido das cordas de ferro. Um rapaz magro de cabelo curto e rosto jovem, munido de uma luneta, olhava para o ponto que se aproximava devagar. Ele estreitava o olho na luneta e franzia a testa enquanto o suor escorria pela lateral do rosto, reduzindo a respiração para aumentar a precisão do olho, se concentrando apenas em reconhecer aquele alvo. Ele via algo metálico que refletia em lampejos a luz solar. Os arcos eram tensionados mais um poucos, as flechas reluziam à claridade fosca e avermelhada do sol se pondo na mesma direção de onde vinha o estranho. Era difícil conter a areia de entrar nos olhos. Após um curto espasmo do observador, que até parara de respirar para ver melhor, ele baixou a luneta e levantou a mão esquerda, no que os arqueiros acolheram relaxando os arcos e deixando o ponto se aproximar e entrar na cidade fúnebre e imóvel.

Por uma rua cheia de escombros e areia, o ponto móvel anterior agora entrava na cidade na forma de um caminhão blindado com dois pares de rodas presas por esteiras de ferro. Os vidros eram poucos e pequenos, totalmente escuros de forma que não dava nem para ver a silhueta de quem estava guiando aquele automóvel. O caminhão estava mais rápido, e à medida que ele entrava, a cidade parecia se arrumar como se esperasse por eles, mas ainda continuava estática e silenciosa, como se dormisse profundamente.

Quando a tempestade cessou, começaram a sair pessoas de dentro das casas e prédios. A cidade que antes parecia morta, agora era tomara por pessoas e vozes que estavam apenas esperando a tempestade passar para retomar sua rotina. Algumas pessoas acompanhavam o caminhão que entrava na cidade. O veículo sujo e cheio de areia estacionou em frente a uma casa branca cheia de varandas com plantas e pessoas observando em seus três andares, com jardins floridos ladeando a larga porta de madeira que se encontrava aberta. Após estacionar, a porta do caminhão se abriu de dentro emergiu uma mão angustiada que se agitava para se apoiar no capô e puxar o restante do corpo.

– Temos um ferido, alguém traga uma maca, rápido! – Gritava um homem branco de porte atlético para uma garota morena de olhos amendoados que estava distraída com os detalhes rústicos do caminhão.

A garota teve uma pequena contração pelo susto e atendeu ao pedido de Rony, correndo para dentro. Imediatamente dois rapazes trouxeram uma maca e foram até ele. Eles puxavam de dentro do caminhão, através da porta larga de correr na lateral, um garoto pálido de cabelos ruivos ocultavam os olhos. Ele tinha o ombro e o abdômen esquerdos cobertos de panos encharcados de sangue, o garoto parecia morto de tão pálido. Os rapazes que carregavam o garoto na maca foram parados por um negro alto e forte de olhos bondosos e calmos que surgira da porta, sua respiração era suave e harmônica mesmo diante do garoto imerso em sangue e sem reflexos. Ele rapidamente conferiu alguns sinais vitais do ferido e o dispensou para que fosse levado.

– Parece que dessa vez vocês tiveram problemas mais sérios. – Disse o homem negro batendo sobre o ombro do outro em sinal de amizade. – Onde vocês o encontraram esse jovem Rony?

– Oi Silas, até que enfim estou de volta a vila. Nós o encontramos quando estávamos voltando pela rota principal. Já estávamos nas chapadas quando nosso cão rastreador Hermes farejou alguma coisa. Ele insistiu, e não foi preciso andar muito para ver a chuva de cinzas caindo no chão. Ao chegarmos ao lugar, vimos uma vila inteira em chamas, era bem pequena, pouco mais de mil habitantes. Vasculhamos todos os destroços, a cinza já estava fria, então Hermes farejou novamente e encontrou aquele garoto por debaixo de uns escombros e outro rapaz que está no caminhão. – exclamou Rony acenando para porta de correr ainda aberta. – Venha aqui Cássio, esse aqui é o médico e líder Silas, ele vai cuidar de seu amigo.

– Acho que ele ainda está dormindo Senhor. – Respondeu um dos sentinelas que voltaram com Rony.

– Não, já acordei... Onde está o Bô?! – Perguntou surpreso um jovem moreno de cabelos entrançados e olhos negros e intrépidos.

– Ele está lá em cima, já estão cuidado dos ferimentos dele. – prossegui Rony – Venha aqui, esse é o líder da vila e médico, Mestre Silas.

O rapaz forte de pele queimada pelo sol do deserto nordestino, vestido com roupas folgadas, se dirigiu timidamente em direção ao alto e robusto mestre da vila, que usava um jaleco de sobretudo. Tais roupas davam ao rapaz a impressão de na sua frente estava um homem misterioso e inabalável. Meio que sem jeito o jovem estende a mão em sinal de comprimento e diz:

– Muito prazer Senhor, sou Cássio senhor, sou da vila esperança, quer dizer, era... – Disse com os olhos mortos no chão.

– Sua vila foi completamente destruída não é mesmo? – Perguntou Silas compartilhando da dor do rapaz.

– Segundo o depoimento dele, sua vila foi arrasada por um bando de sessenta a oitenta mercenários, todos atacando de uma vez só.

– Mataram todos que estavam na vila. Não pouparam ninguém, nem as crianças nem as madrinhas do orfanato onde eu e o Bô morávamos...

– Bô? Isso é um apelido? – Perguntou Silas meio surpreso.

– Eu sei, é meio esquisito o nome dele. As madrinhas até lhe deram um nome, Alex, mas ele nunca atendia quando alguém o chamava assim, acho que ele pensa que Alex é outra pessoa. Então nos acostumamos a chamá-lo de Bô mesmo.

– Tudo bem, então o nome dele é Bô... – Confirmou Silas consigo mesmo.

– É realmente espantoso que existam bandos mercenários entre sessenta e oitenta integrantes, normalmente não chega nem a dez! – Acrescentou Rony.

– Acho que não era apenas um bando, mas vários bandos que fizeram uma união temporária para conseguir alguma coisa bem valiosa e que pode ser dividido entre todos os bandos. – Sugeriu Silas.

– Concordo com você. Eu já tenho muitos anos de mercador, sei andar nesse deserto traiçoeiro sem me perder, já lutei contra vários bandos e até hoje nunca vi um bando com esse número. Eles nem sequer saquearam a vila, apenas mataram todos e foram embora.

– Eles devem está à procura de algo realmente valioso que pertencia a sua tribo ou está escondido lá, por isso mataram todos na tribo, para que ninguém soubesse desse tal segredo. – Sugeriu Silas.

– Que história é essa? O que uma vila tão pequena como a nossa pode ter a oferecer? Eu nunca ouvi falar de nada valioso que pertença ao nosso povo.

– Vai ver só algumas pessoas da sua vila sabia, é possível que seja algo mantido pelo líder ou algo do tipo. – Sugeriu Silas para Casio que agora ficara mais confuso.

– Certo você deve está exausto e com fome não é Casio? Vamos para minha casa, minha esposa tem uma comida excelente, você vai gostar. – Disse Rony vendo o cansaço evidente na cara do rapaz.

– Mas e o Bô?

– Depois voltamos para ver como ele está. Ele também precisa descansar e de cuidados médicos, deixe que o Silas tome conta disso.

– Tudo bem então, até mais Mestre

– Até. Volte amanhã para ver seu amigo, ele já deverá está melhor. – Disse Silas para os dois que entraram no caminhão.

O caminhão ligou novamente em um rugido e voltou a andar sumindo dos olhos do Mestre Silas. As pessoas voltavam a repovoar a praça agora cheia de areia que ficava em frente ao casarão branco. As crianças empinavam pipa, aproveitando o vento intenso que vinha do mar.

Próximo da casa do Mestre, havia um galpão que servia de oficina. Para todo lado havia estante cheias de peças e bagulhos eletrônicos e fotônicos, peças de automóveis, carcaças e pneus de todos os tamanhos. Dois jovens trabalhavam na construção de um carro forte com uma cápsula em cima que permitia disparar dardos em 360 graus. Ele tinha uma pintura que serviria para se camuflar no deserto e vidros pequenos e negros como o do caminhão de Rony.

– Arthur, já é quase noite. Não era para ele já ter voltado? – Perguntou um jovem de média estatura com cara de garoto de quinze anos.

– Ele disse q voltaria ao pino do sol, mas talvez ele tenha demorado a encontrar o que ele disse que iria procurar por aquela depressão no cerrado. – Respondeu o outro Jovem que aparentava ter uns vinte e cinco anos que soldava a lataria do carro.

– Será se eles encontraram mesmo?

– Com certeza, eles marcaram na rota deles onde aquele mercador do oeste disse ter visto um gerador elétrico bem grande. Acho que essa demora deve ter sido para colocar ela no caminhão.

– Tomara isso vai dar uma quinada e tanto na vila.

– Oi Arthur... – Dizia umas garotas acenando do outro lado do portão de grades.

– Oi meninas. – Respondeu educadamente sem floreios, enquanto elas eram tomadas por um espasmo, se entreolhando risonha.

– Você vai sair hoje pra praça? – Perguntava uma medrosamente após a outra encorajá-la.

– Desculpa Naty, hoje vou ficar de sentinela na torre leste. – Dizia ele triste

– Tudo bem, fica pra próxima. Boa noite pra você então. – Lamentava ela tentando fingir que não estava triste.

– Combinado então. Boa noite pra você também. – Respondeu já retornando para terminar a solda.

As garotas voltavam para seu caminho dando risadas e conversando enquanto Arthur voltava para seu trabalho como se nada tivesse acontecido. O garoto franzino enrugava a testa como se algo o tivesse deixado indignado.

– Mano, o que é que você faz pra chamar a atenção delas?

– E por que se importa com isso? Por que você se importa com isso? – Você normalmente só consegue agradar uma garota quando não tenta agradá-la. Você só precisa agradar a você mesmo, não pense que há um problema em você, não deve ficar se comparando com os outro, cada um é cada um. – Dizia ele puxando uma chave para apertar um parafuso.

– É. Só que eu mesmo não sou tão atraente assim. Eu só queria ter a mesma sorte que você tem com as garotas. Você nem vai atrás delas, pelo contrário, elas é que te procuram. Deve ser o máximo ser tão requisitado.

Arthur dava risadas enquanto Jorge resmungava de qualquer fator que lhe impedisse de ser bem sucedido com as garotas. No portão uma figura bem familiar aparecia junto comCássio.

- Olá rapazes, como está o novo carro? – perguntou Rony.

- Oi pai, dessa vez você não conseguiu chegar antes do previsto. hein? – Observava Arthur.

- É mesmo, estávamos nesse instante falando do senhor. – Jorge nota a presença de um desconhecido. – Hun? Um forasteiro. Quem é ele?

- Ah sim, esse aqui é o Cássio, nós o encontramos numa vila nos limites do deserto, no litoral norte. Esses são meus filhos Cássio, Arthur e Jorge.

- E aí Cássio, tudo bem? – Cumprimentava Jorge tirando a luva de couro.

- Não muito... – Suspirava ele abaixando a cabeça para o lado.

- A vila dele foi dizimada por um grupo gigantesco de mercenários. Os únicos que encontramos com vida foi ele e outro garoto que está repousando na casa do Silas.

- Caramba! Fazia tempos que o senhor não nos fala de mercenários em suas viagens com esse poder, só ladrõezinhos. – Comentou Arthur.

- Pois é, eu também fiquei surpreso, meu medo é que eles resolvam se aventurar pelo deserto e acabem nos encontrando.

- Mas quantos eram eles? – Perguntou Arthur.

- Eram um monte, entre sessenta e oitenta. – Respondeu Cássio.

- Meu Deus, um grupo grande como esse? O senhor nunca nos falou de um grupo numeroso assim pai. – Observou Jorge.

- É verdade, normalmente eles não passam de dez.

Na casa de Silas, Bô era suturado no ombro e no abdômen. Ele estava anêmico e inconsciente.

- Pronto, terminei de suturar o ferimento, faça um curativo nele Aline, aqui está o soro que preparei. Aline?

- Mestre, já viu o caderno dele?

- O que tem o caderno dele? Virou bisbilhoteira? – Perguntou Silas olhando por cima do ombro dela.

- Ele é um forasteiro, claro que devo bisbilhotar. Não sabemos ainda quem eles são, mas... Esse caderno... Tem alguma coisa importante aqui. – Afirmava Aline.

- Diz algo importante aí?

- Deve dizer... Pra ele escrever dessa forma! – Reclamava ela folheando depressa. – Não tem nada que dê pra entender aqui!

- Como assim, deixe-me ver. – pediu Silas

O caderno era cheio de gravuras de plantas, animais, cálculos e até gravuras de corpos humanos simulando músculos e veias. No entanto era impossível alguém ler o que estava escrito.

- Isso é algum tipo de código? Talvez a gente só precise identificar qual letra corresponde a cada símbolo. – Sugeria Aline animada.

- Parece ser bem mais complexo, note que até os números dos cálculos são criptografados. Vai ver é um dialeto de alguma tribo com a qual ele tenha tido contato antes, uma língua que não tenha muitos falantes.

- Existem tribos que fale enrolado assim?

- São poucas, muito poucas, mas existem. – Garantiu Silas.

- Mas esses símbolos, não parecem em nada com os que somos acostumados a ver.

- Existem algumas línguas assim do outro lado do mundo, mas não se parecem com isso.

- Então ele é do oriente? Mas ele não tem cara de ser. – Questionou ela.

- Não, vai ver ele conheceu alguém de fora que o ensinou essa língua. Então ele aproveitou o fato de ela não ser muito falada para ocultar suas informações.

- E quem será essa pessoa?

- Provavelmente alguém da sua vila. É uma pena que não haja mais ninguém vivo além deles. Pelo que Rony me disse, só sobraram cinzas e corpos...

- Nossa, isso é assustador, um grupo de mercenários destruir uma vila assim.

Na casa de Rony, a mãe dos garotos acabava de arrumar a mesa com uma boa variedade de comida, junto com um peixe grande numa travessa, uma panela de arroz, salada, ovos cozidos e uma jarra de suco. Rony abraçava e beijava sua esposa depois de um longo período sem se ver. Os meninos riam.

- Comam rapazes, o jantar está quentinho. – Dizia ela contente com o marido em casa.

- Uhuu! Estou morrendo de fome. – Comentava Jorge animado esfregando as mãos.

- Sente-se Cássio, é uma pena você não poder mais voltar para casa. Mas pode ficar conosco viu? A vila precisa de rapazes como você.

- Obrigado senhora.

- Sabe, aqui na vila nós não recebemos muitos forasteiros. – Comentou ela.

- Hum, dá pra perceber... – Concordou ele vendo umas garotas olhando de longe pela janela conversando.

- Você vai se adaptar a vila logo logo. É um lugar muito hospitaleiro. Você pode desempenhar muitas funções aqui. Pode ser mecânico, sentinela, mercador... tem muita coisa pra fazer aqui. – Sugeriu Arthur lhe passando a salada.

- Ser mercador é muito legal, podemos viajar por aí, conhecer novas vilas... ampliar nosso mapa... ver as garotas de outras vilas... – Dizia Jorge animado cutucando-o com o cotovelo.

- Antes vocês precisam treinar bastante, se tornarem fortes. Ser mercador também é algo arriscado, não são apenas coisas bonitas. – Advertia o pai debruçado sobre a comida como um cão faminto que defende o alimento.

- Calma Rony, não coma assim! – Reclamava ela contendo a mão ligeira dele.

- Desculpe Ana, é que faz tempo que não como algo preparado por suas mãos. – Dizia ele puxando as mãos dela e as beijando.

- Ah pai, qual é?! – Reclamava Jorge.

- Obrigado senhor Rony, mas eu e Bô já temos um destino.

- Quem é Bô? Um amigo seu de outra vila? – Perguntava ela puxando novamente a mão para empunhar a colher. – Pode comer mais Cássio, fiz especialmente pra vocês.

- Não senhora, já está bom. – Agradecia tentando se desvencilhar de mais uma colher cheia de arroz.

- É o garoto ferido que está sob os cuidados de Silas. – Explicou Rony. – Mas que história é essa de já terem um destino? A vila de vocês está destruída, além do mais é arriscado voltarem e dar de cara novamente com aqueles mercenários, sabe-se lá onde eles estão, melhor dar um tempo pra poeira baixar.

- Não é pra lá que vamos.

- Ué! Pensei que vocês fossem ficar conosco. – Estranhou Jorge depois de um gole longo no suco.

- E vão! Nossa vila agora poderá se tornar uma cidade.

- Só por que eu cheguei com o Bô?

- Não, estou falando que ela agora estará completa. Finalmente encontramos o gerador que tanto procurávamos para interligar com o sistema eólico da praia.

- Nossa, é sério pai? Dessa vez é sério mesmo?! Por que faz tempos que essa história...

- Sim, ele está no caminhão, os rapazes já devem está levando ele pra central energética. Aquele mercador que encontramos tinha razão, realmente havia uma usina naquele vale. Aquele lago já foi mesmo um rio importante pra ter uma usina daquele tamanho. Eles devem está restaurando ele nesse momento.

- Isso é ótimo amor. – Elogiava ela.

- É sim, finalmente nossa vila será energeticamente independente, não vamos mais precisar abastecer nas cidades do oeste.

- Então vocês não tinham energia própria?

- Não tínhamos, as últimas hidrelétricas ficam no oeste, aqui não existem rios, a água que bebemos é desalinizada do mar, é tudo deserto, mas temos muito vento vindo do oceano, o que nos favorece a produção de energia por cata-ventos, que essa cidade já tinha antes de chegarmos, quando chegamos somente o gerador que estava danificado, então nos instalamos aqui com a esperança de revitalizá-lo. Essa região é completamente esquecida pelo governo hidrôneo, até hoje nenhum andarilho chegou até aqui.

- E por que motivo escolheram um lugar não inóspito para viverem? – Perguntou Cássio dando pouca atenção para o prato de comida.

- Porque assim podemos viver em paz sem que os malditos ratos hidrôneos metam seus narizes onde não são benvindos. São todos uns mesquinhos que acham que podem simplesmente mandar em todo mundo e decidir tudo por nós. Eles estabelecem tributos altíssimos para proteção de cidades e vilas, e nem todas podem pagar o valor que eles pedem, mas acham que eles se importam? – Dizia Rony inconformado empunhando a colher como se fosse uma espada meneando-a.

- Caramba. – Dizia Cássio.

- A nação hidrônea se tornou uma nação para poucos, elitizada e cara, e é por isso que junto com as pessoas desta vila, sobreviventes da guerra da independência, que quero criar uma nação livre e justa, assim como o grande herói Joel de Sá queria que fosse. Eu quero reacender seus ideais de honra e justiça, e tudo vai começar com essa cidade. – Afirmou com um riso discreto que nascia do canto da boca, com a barba ainda contendo grãos de areia.

- Nem mesmo os mercenários se atrevem a se aventurar por esse deserto caudaloso, quanto mais soldados. Somos completamente invisíveis aqui, podemos crescer sem intervenções. – Acrescentava Arthur.

- Faz sentido, isso dá a vocês uma vantagem enorme. – Comentou Cássio enquanto tirava e olhava para um pedaço do peixe.

- Exatamente, essa é a nossa vantagem. Podemos transformar esse deserto ou parte dele em uma floresta com o tempo, e agora que temos o gerador, será bem mais fácil. Atrairemos vilas pobres da região sul e do cerrado, e quando o governo finalmente der conta da nossa existência, já seremos uma nação tão poderosa quanto à hidrônea. Teremos tecnologias, indústrias, mão de obra, aliados e um exercito à altura deles. Será bem mais complicado eles virem intervir em nossas vidas.

- Isso é realmente nobre senhor, essa sua preocupação com as vilas mais pobres. As pessoas desta vila devem estimá-lo muito.

- Sim, eu e Silas fomos os fundadores dela, mas Silas é quem é o líder. Minha função é coordenar os mercadores e abastecer a vila.

- Esqueceu dos treinamentos que você dá... – Acrescentou Jorge.

- E que também foi quem teve a idéia de fazer uma oficina de veículos automotores. – Reforçou Arthur.

- Ah isso não é tão importante assim...

- claro que é Rony, sua função na vila é essencial para todos nós. – Disse Ana, mãe de Jorge repousando sua mão no ombro.

- Só estou fazendo meu papel, só isso. – Disse Rony.

- Olha só rapazes, todo humilde... – Brincou Ana aumentando um tom voz.

- Ah o que é isso? Agora eu tenho um fã clube? – Riu Rony enquanto puxava a colher para a boca com pedaços de salada.

A família ria contente enquanto comia bem. Enquanto de longe algo brilhava nos escombros da cidade morta. Estava vestido todo coberto dos pés a cabeça com pano leve e escuro. Dava a impressão de que ele era um fantasma negro. Ele puxa uma pequena caixinha e começa a falar.

- Encontrei um deles, está na casa do comandante. – Após uma pausa tornou a falar. – Só estou vendo um deles senhor.

A noite já estava caindo sobre a vila, envolvendo-a com suas sombras. Ao longe entre os prédios, o sol se deitava em tons avermelhados que davam aos céus ares celestes. O homem desconhecido continuava a observar atentamente a casa de Rony pela janela, enquanto eles desfaziam a mesa e riam alegremente.

- Entendido, câmbio desligo.

E por trás de sua própria sombra a figura enigmática desaparece se misturando repentinamente a escuridão do ambiente, como se nunca tivesse estado ali, como se fosse fumaça se dispersando no ar.

Marcos Paulo Silva
Enviado por Marcos Paulo Silva em 20/07/2011
Reeditado em 15/10/2011
Código do texto: T3108179
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