Alexandria - Capítulo 2

Fantasma da noite

A aparição sombria que antes os observava agora havia se desintegrado. A família de Jorge junto com o forasteiro conversava na cozinha sem a mínima sensação de estar sendo observado. Levantavam satisfeitos da mesa fazendo comentários elogiosos à mãe de Jorge, que estava particularmente feliz pelo retorno do marido.

- Ah... Isso é que é comida! Não vou mentir, mas aquela gororoba que o Sérgio chama de almoço! Só como por que ainda é melhor do que areia! – Afirmava Rony mostrando-se satisfeito passando a mão no estômago.

- Não diga isso do Sérgio amor, assim ele pode ficar chateado... – Reclamava Ana com pena do companheiro de jornadas dele.

- Eu concordo, é tão bom quanto do meu antigo orfanato. As madrinhas faziam a gente limpar todo o bosque e a casa, mas valia a pena. – Comentava Cássio.

- Não é muito diferente daqui... – Esclareceu Jorge.

- Hoje você não precisa me ajudar Jorge. Leve o Cássio pra dar uma volta, ele é novo na cidade. Mostre a vila para ele! – Sugeriu a mãe de Jorge agarrando a mão de Rony e sorrindo para os dois como quem espera ansiosamente para ficar só.

- Acho uma ótima idéia Ana, vai lá Jorge, quando ele conhecer melhor a vila vai querer ficar.

- Tudo bem, então vamos lá cara, temos muita coisa pra ver – Disse Jorge contente puxando apressadamente o amigo que demorou a responder.

- Anram! Mas não voltem muito tarde! – Advertiu o pai dele balançando de leve o dedo indicador esticado.

- Beleza, obrigado mãe. Vamos Cássio, antes que ela mude de idéia!

- Engraçadinho... – Brincou ela.

- Vou te mostrar a praça central e o litoral. Lá tem um campo de cata-ventos, é o que vai gerar energia pra vila. – Disse Jorge.

- Parece interessante... – Comentou Cássio.

- Tá se aproveitando da situação hein? – Brincou Arthur que ainda se mantinha sentado e só agora levantava da mesa.

- Eu? Imagina... – Disse Jorge prolongando o “i”.

- Então vamos, já estou descendo também. – Disse Arthur limpando os lábios.

- Vai ficar de sentinela de novo? – Indagou a mãe.

- É, estou substituindo para um colega meu.

- Pra mim ele está se aproveitando da sua boa vontade!

- Que nada, de toda forma ele não vai poder me negar quando eu quiser tirar folga. Vamos lá? – Disse Arthur acenando para os garotos.

- Vamos lá Cássio, tchau mãe, tchau pai. – Disse Jorge.

- Tchau rapazes. – Respondeu Rony.

- Divirtam-se, e não voltem muito tarde. – Advertiu a mãe.

- Tudo bem. – Respondeu Jorge meio incomodado com o tratamento infantil.

Assim que os três saíram, Ana e Rony cessaram o riso exagerado de boas vindas. Eles se entreolharam em silêncio por um tempo e depois começaram a falar. Os olhos de Rony exalavam uma forte preocupação quanto ao rapaz que trouxera para a vila.

- Ele parece ser um bom rapaz, de qualquer forma não podemos deixá-lo ir e correr o risco de ele dar com os dentes na língua.

- Eu também estava pensando nisso Rony, mas não vamos tomar ações precipitadas. Ele vai acabar ficando. – Disse ela tentando acender uma possibilidade positiva na cabeça nublada de preocupações do esposo.

- Tenho medo de que isso venha a trazer problemas. – Pensava ele em voz alta.

- Você fez o certo Rony, e além do mais eles são só garotos!

- E se eles forem espiões dos mercenários? É isso que está me preocupando. Eles podem ter colocado eles estrategicamente ali para que nós os salvássemos e assim poderiam seguir nosso rastro.

- Rony, eles são só jovens.

- Ei sei, amanhã vamos discutir isso com Silas e o bando de mercadores. Por hora os sentinelas estão sob ordens pra manter os olhos nos movimentos deles dois. Temos que ser cautelosos, se ele for mesmo um espião.

- Tudo bem, o que acha de darmos uma volta também hein? Já faz um tempo que não fazemos isso. – Sugeriu ela puxando-lhe levemente para a porta.

- Acho uma boa idéia. Vamos.

Perto da casa de Rony, na casa do líder, a jovem enfermeira assistente de Silas ainda admirava os símbolos criptografados e bem desenhados no caderno de Bô. Ela mexia os lábios devagar sussurrando fingindo que estava lendo, escorregava os dedos levemente como se estivesse num estado de transe, contemplando aqueles símbolos nebulosos.

- Ainda admirada com esse caderno Aline? Eu não pago hora extra aqui não viu?! – Brincou o Mestre.

- Não Mestre, só estou...

- ...Xeretando, só isso. – Completou com a voz compassada e suave, levando os braços para as costas e sentando numa cama vazia perto dela.

- Tá, que seja. – Concordou pouco preocupada com a opinião do líder.

Ao se levantar e dar alguns passos à frente, viu que a garota estava parada numa página com a figura de um corpo humano indicando fluxos sanguíneos e destacando as glândulas do corpo humano. A figura desbotada e amarelada era recortada e colada no caderno, suas legendas eram riscadas, indicando algumas partes do corpo.

- Por que ainda está tentando entender esse caderno? Sabe que só está perdendo tempo. – Disse Silas franzindo a testa.

- Eu queria saber pelo menos um trecho...

- Se ele escreve dessa maneira é por que ele não quer que nenhum curioso leia.

- E por que ele não quer que ninguém leia? Porque é algo importante, mas pra que todos esses desenhos de bichos, plantas, pessoas, será se ele é médico?

- Talvez um ajudante. Aline vá pra casa, quando ele acordar poderemos saber da boca dele do que tudo isso se trata. Ficar tentando entender isso não vai levar a nada além de dor de cabeça pra você.

- Mas e o amigo dele? Ouvi dizer na entrada que eram dois, onde está o outro?

- Está com o Rony, por quê? – Perguntou já sabendo qual seria a resposta de sua discípula.

- É isso, talvez ele saiba algo, tchau mestre! –Disse contente andando a passos largos rumo a escada que leva para a saída.

O caderno pequeno de capa totalmente preta e com as margens desbotadas pairava fechado sobre a mesa ao lado da cama de Bô que dormia como uma pedra. Além da janela por entre as flores da varanda o Líder lançava um olhar errante e profundo que cintilava como quem pensa um turbilhão de coisas ao mesmo tempo. Ele abaixa levemente a mão em direção ao caderno e o pega sem abri-lo, apenas fecha a janela e a cortina, deixando Bô repousando em sua cama.

Na parte morta da cidade, saltando com a leveza de um gato de um edifício para outro, um vulto negro fazia um passeio solitário e veloz. Sua capa longa e negra lhe dava contornos fantasmagóricos, ela servia para amortecer a queda de seus pulos e planar de um prédio para outro. Ele pára na beira de um prédio e olha na direção de uma silhueta humana que se movia contra a claridade da lua a uns cinqüenta metros. O vento em vão tenta derrubá-lo, enquanto suas vestes tremulavam como uma bandeira. O último resquício de noite acabara de morrer, e um vento frio e forte vinha do mar. Seus óculos de três lentes, com uma sobressalente no centro da testa, se direcionavam atentamente para o sentinela que se mantinha atento para frente, analisando a força de tensão de seu arco e flecha.

- Lobo negro, na escuta? – Dizia uma voz digitalizada que vinha de sua cintura.

- Na escuta, pode falar. – Respondia ao contato puxando rapidamente o aparelho do bolso levando-o para junto do rosto.

- Estamos vendo as ruínas, chegaremos à entrada em cinco minutos creio eu. – Dizia uma voz que se atrapalhava constantemente com a própria saliva.

- Certo, já estou dentro da área deles e fiz todo o reconhecimento dela e de suas defesas, e devo admitir, eles são bem espertos.

- Como assim? A vila é fortemente armada? – Dizia a voz empolgada.

- Não se trata de armas, e sim estratégia. A vila deles está situada junto ao litoral. Eles não ocuparam os prédios na periferia da cidade, então boa parte dela é abandonada como disfarce para quem vem de qualquer lado do deserto, excerto para quem chega pelo mar, mas lá a segurança é mais rígida, tem até um forte com armas de longa distância, pois lá a cidade é exposta por causa de uma estação eólica situada sobre um campo enorme de dunas. Esse cinturão de área morta serve para que se pense que não há ninguém aqui, mas bem antes de chegar à vila existem vários sentinelas espalhados pelos prédios, ou seja, eles podem nos encurralar facilmente antes mesmo de desconfiarmos que exista uma vila aqui.

- Hum, interessante... Realmente estaríamos em desvantagem se atacássemos imediatamente.

- Exatamente, então vou resolver logo esse problema.

- O que vai fazer? Matar todos os sentinelas? – Perguntou a voz num tom de deboche.

- Tem alguma idéia melhor? – Desafiou a voz por trás da máscara que cobria a completamente o rosto do espião.

- Faça o que você achar melhor, me avise quando terminar, eu darei ordens para a caravana parar, assim você terá tempo suficiente para nos abrir caminho.

- Faça como quiser, terminarei isso em pouco tempo, aguarde meu toque.

- Tudo bem Lobo Negro, quando terminar fique nos aguardando na entrada.

- Ok. – Terminou de falar guardando o aparelho com a mesma agilidade que o tirou.

O desconhecido de rosto coberto tinha uma habilidade acima do normal para dar pulos longos de um prédio para outro. O balanço do tecido de sua roupa dava a ele a impressão de ser um fantasma flutuando no ar, uma alma perdida vagando sem destino. Algo chamou sua atenção, uma das construções menos destruída era particularmente alta. Ele rapidamente se lançou em sua direção na velocidade de um cavalo sem fazer ruídos, apenas o tecido que se batia contra o vento não lhe tornava totalmente invisível sonoramente.

No edifício alto havia guardas que mantinham sua atenção para o deserto fúnebre e estático, de costas para a ameaça que os espreitava. Conversavam sem olhar para o rosto do outro, sentados no teto do prédio em cadeiras de praia, ladeando um telescópio de pequeno porte, cada um tinha um arco e flecha automática, uma jarra de água e pratos cobertos de comida. Chegando mais perto percebeu que havia finos fios que ligavam as sentinelas com os que estavam ao lado. Começou novamente a se mexer rapidamente saltitando até chegar perto do prédio, se agarrou na beirada da janela no andar debaixo dos sentinelas e foi escalando o resto com a facilidade de uma lagartixa, parecia uma criatura sinistra se arrastando baixo sobre a parede.

- Fácil demais. – Disse contente com sua investida.

Os dois sentinelas caem totalmente desacordados no chão derramando a jarra de água enquanto o copo rolava sobre o chão descrevendo trajetórias circulares. O estranho avistava mais um ponto iluminado em um prédio vizinho e se lançou na sua direção em um longo pulo abrindo sua capa logo após.

Perto da arborizada e freqüentada praça central, que fica em frente a casa de Silas, muita gente se reunia para sentar e jogar conversa fora, aquele era como se fosse o coração da vila, era um ponto bem situado. Cássio olhava atento para a casa branca de três andares onde seu amigo repousava depois dos trágicos incidentes que os dois enfrentaram na noite anterior.

- Vou indo para meu posto, divirtam-se. – Disse Arthur para o garoto.

- Valeu Arthur, até amanhã. – Se despediu seu irmão.

- Divirtam-se rapazes. - Acenava Arthur com o mesmo olhar de preocupação que sei pai demonstrou há pouco.

- Obrigado. – cumprimentou Cássio.

Depois de um tempo andando pela praça as pessoas começavam a notar a presença de Cássio. Como era uma vila fechada e sem contato com as demais, pois apenas os mercadores saiam, era comum das pessoas o encararem com arrogância e medo. Enquanto Cássio e Jorge cruzavam a praça, as pessoas cochichavam entre si e espremiam os olhos com as pálpebras num gesto de incredulidade, mas ninguém se atrevia a chegar perto dos dois.

- Certo Cássio, essa daqui é a Praça Central, na verdade é a única praça da vila ainda, por isso muita gente vem pra cá. – Explicou Jorge.

- Pelo visto eles não são muito acostumados com forasteiros né? – Comentou Cássio.

- Não fica preocupado com isso cara, é muito raro aparecerem estranhos por aqui, mas fica tranqüilo, todos já sabem que você na verdade foi resgatado de uma tragédia. – Disse pousando a palma da mão esquerda sobre o ombro de Cássio, tentando animá-lo com tapinhas de leve.

- Quer ficar aqui ou ir à praia ver o campo dos girassóis?

- Como assim? Vocês plantam girassóis na praia? – Perguntou se virando rapidamente para Jorge.

- Oi, é você que é o cara de fora né? – Perguntou uma garota que surgiu de repente. Ela era a mesma que antes folheava o caderno de Bô, a discípula de Silas.

- Oi Alice, resolveu dar folga para a Casa de Repouso hoje? – Brincou Jorge numa fala risonha arqueando as sobrancelhas, inclinando levemente a cabeça.

- Você é mesmo uma graça Jorge. – Rebateu num tom meio seco de sarcasmo. – É que o mestre me pediu pra avisar que ele vai falar com a vila às nove horas, sabe, a história do gerador. Ah, eu adoro ver o mestre discursando, ele fala como se levitasse do chão, aquela voz macia e compassada... – Dizia ela exageradamente olhando para o ar.

- Tá bom Alice, já sabemos que você gosta do Mestre. Eu vou levar ele pra ver o campo de girassóis, não quer vir com a gente? – Disse num tom de segundas intenções.

- Bem que eu queria, mas é que estou indo pra casa agora, preciso de um banho. Mas não esquece, nove horas estejam na praça, o Mestre Silas pediu para que ele estivesse lá. Aliás, qual é mesmo seu nome? – Disse tentando em vão corrigir a postura. – Desculpa, é que estou meio desatenta hoje.

- Cássio. – Respondeu sem muito ânimo, apenas o suficiente para não ser mal-educado.

- Ah sim, prazer, sou a Alice, sou discípula do Mestre Silas, trabalho cuidando dos doentes e feridos, quer dizer, ainda sou só uma aprendiza. – Disse estendo uma mão em sinal de cumprimento e arrumando o cabelo com a outra, que estava meio bagunçado.

- Prazer. – Respondeu apertando a mão tentando não ser muito indiferente com a garota que acabava de conhecer.

- Então já vou indo meninos, até mais. – Se despediu Aline quase correndo.

De volta à área morta que envolvia a cidade, dentro de um prédio de quatro andares sujo e coberto de plantas, uma silhueta humana era solta no chão como uma pedra que afunda num lago, sem movimentos como um boneco. O homem estranho que circulava discretamente pelas ruínas dos prédios, saltava do mesmo prédio, em direção à próxima sentinela sem se importar com a altura nem a distância entre os edifícios. Enquanto saltava, um som muito apagado de várias coisas sólidas caindo lhe chamou a atenção, era um sentinela que o havia visto e corria para se esconder. O garoto que estava em uma das ruas cheias de escombros corria enquanto o habilidoso fantasma de três olhos o perseguia calculadamente, lhe dando vantagem na corrida. O rapaz de cabeça raspada amedrontado puxava um arco e flecha das costas e tencionava a corda imediatamente com a flecha enquanto corria, demonstrando grande habilidade com o instrumento bélico. O primeiro disparo passou próximo ao tórax do inimigo, mas o estranho nem sequer precisou se mover para escapar da flecha que rasgava o ar.

- Você precisa praticar mais menino. – Disse com calma a voz por detrás da máscara.

- Que... quem é você? – Perguntou o rapaz ainda pasmo com a frieza do estranho ante a sua flecha.

- Você não precisa saber quem eu sou, e sim praticar mais com esse brinquedo em suas mãos. – Disse em tom de sarcasmo junto com impaciência.

- Pois fique parado aí pra você ver se eu não te acerto! – Desafiou irritado com o insulto do estranho. – Por que você precisa de uma máscara? É um fugitivo?

- Sou só um mercenário, e você já tomou demais o meu tempo...

O mercenário começou a andar em passos largos na direção do sentinela, que não hesitou em fazer o segundo disparo mirando certeiro no tórax do seu adversário, que por sua vez em um movimento rápido e preciso desvia da flecha em um pulo oblíquo para a esquerda. Aproveitando-se do impulso dá um novo pulo em direção ao prédio lateral dando alguns passos sobre a parede indo na direção da vítima, que desesperadamente no ímpeto de se defender pega um maço de flechas e as dispara todas juntas. O mercenário completa seu salto desviando de todas as flechas em seu salto da morte, pulando rapidamente na direção do garoto e lhe desmaiando com um golpe certeiro na nuca com o cotovelo direito, que o desligou completamente.

De onde estava podia ver que havia mais uma sentinela em cima de outro prédio logo a frente do caminho para o qual o garoto correu. Ele deu mais uma olhada breve para o rapaz que permanecia deitado nos escombros cheios de capim alto e correu na direção da próxima sentinela. Do rumo da cidade surgia uma silhueta masculina que aos poucos era descoberta pelas sombras dos edifícios e pegava a claridade da lua. Era o Arthur. Ao ver o sentinela desacordado que acabara de ser atacado pelo estranho, se apressou em socorrê-lo.

- Jonas, Jonas! O que houve contigo? Jonas. – Dizia Arthur preocupado sacudindo o rapaz largado no chão cheio de capim e areia.

- Am? Arthur? É você? – Respondia Jonas meio atordoado abrindo os olhos com muito esforço.

- Por que você está desacordado no chão? Alguém te atacou? – Perguntava nervoso chacoalhando o garoto ainda tonto tentando erguer a cabeça.

- Cuidado Arthur, tem um mercenário vagando pela área morta, esconda-se! – Advertiu Jonas preocupado.

- Mercenário? Meu Deus! Será que são os mesmos que atacaram os garotos que o pai encontrou? – Pensou Arthur

- Provavelmente...

- Ele disse algo pra você?

- Não Arthur, mas ele afirmou que era mercenário, melhor nos escondermos.

- Como ele é Jonas?

- Ele tem uma capa longa e negra, parece uma assombração, olhos medonhos, todo coberto por uma armadura e consegue dar pulos enormes que uma pessoa normal não seria capaz. – Disse Jonas já se levantando e recobrando o equilíbrio.

- Pra onde ele foi? Sabe me dizer? – Perguntou Arthur ajudando Jonas a se levantar de vez.

- Ele foi para aquela direção, provavelmente foi atrás dos outros sentinelas. – Disse indicando a direção com o dedo indicador.

- Volte para a vila e avise a todos, rápido, eu vou atrás desse cara. – Disse Arthur apressando o garoto.

- Toma cuidado! – Disse o garoto dando dois tapas no ombro de Arthur correndo rapidamente na direção da cidade.

Arthur observa os rastros deixados na areia pelo mercenário e vai correndo apressadamente na sua direção, pegando no chão o arco-e-flecha de seu amigo Jonas. Após seguir o rastro por duas ruas, o rastro some definitivamente, como se ele tivesse evaporado.

Em uma sentinela no topo de um prédio de sete andares, próxima havia dois sentinelas conversando distraidamente, procurando matar o tempo da rotina cansativa jogando cartas. O fantasma negro estava logo abaixo pulando de uma varanda para outra, fincando as garras afiadas na parede preparando o próximo pulo. Ao chegar ao topo se depara com os dois sentinelas conversando e bebendo risonhamente. Os dois estavam de frente um para o outro, não tendo como pegar um sem chamar a atenção do outro. Ele pega dois coquinhos ocos que tinha guardado dentro de uma pequena bolsa presa à cintura. Com a mão esquerda segurando na beirada do prédio, usa a direita e arremessa um côco, que ao ser lançado produziu um assobio agudo e morto.

- Eu tenho uma trinca ás, ganhei! Haha! – Dizia um dos sentinela rindo.

- Ei! De onde foi que você tirou tantos ás? – Perguntou indignado o outro sentinela.

- Ah não! Nem vem que eu não tô enrolando!

- Ah fala sério, eu não ganho uma!

- Hm? – Disse espantado o dono da trinca olhando para o ar.

- Que foi agora?

- Ouviu isso?

- Ouviu o quê?

- Sei lá, um zumbido estranho, pareceu um pássaro. – Explicou-se espantado.

- Um pássaro? Nesse deserto?

- Viu só? Ouviu?

- Opa, dessa vez eu ouvi! Será se é uma ave noturna – Disse levantado para ver se via um pássaro voando. – Como uma Coruja.

- É mesmo, deve ser uma coruja. – Concordou o outro se levantando também para olhar a possível ave voando na frente do prédio.

Enquanto os dois estavam debruçados sobre o peitoril do prédio, silenciosamente o homem de capa preta sobe no andar mansamente calculando bem os movimentos, ele os pega ao mesmo tempo, sufocando-os com as mãos. Os sentinelas logo caíram no chão desacordados da mesma forma que os anteriores.

- Coruja não, Carcará! – Disse zangado com os sentinelas desmaiados.

Ao lançar-se novamente para procurar mais uma sentinela, Arthur sem saber qual direção tomar para procurar, avista o carcará pulando de um prédio para outro usando as varandas e janelas, agarrando-se nas paredes como lagartixa.

- Mas que tipo de mercenário é esse? – Pensou Arthur tomando cuidado para não ser visto.

Arthur foi seguindo os pulos do Carcará à longa distancia por precaução, e percebeu que ele estava indo na direção das sentinelas. Sem muito tempo para pensar, ele dispara uma flecha em sua direção que produzia um som de cigarra. O Carcará logo ouviu o zumbido estranho vindo à sua direção e parou sobre uma janela quebrando a vidraça da mesma com o impacto. Por um momento ele manteve-se parado para observar de onde vinha o zumbido. Vem à mente do Carcará o seguinte pensando: será se estão querendo me pegar com o meu próprio truque? De repente uma bomba estoura na sua frente lhe deixando atordoado, suas garras se desprendem do peitoril da janela e ele despenca de uma altura de quatro andares. Desesperadamente ele tenta se agarrar a alguma coisa durante a queda, no entanto a única coisa que consegue é bater com as costas em um ar-condicionado velho no segundo andar, que despenca com seu peso indo direto ao solo. Enquanto o Carcará tenta recobrar a visão e se livrar do zumbido no ouvido, um peso pousou sobre seu tórax lhe tirando o pouco ar que ainda tinha nos pulmões. Com a visão ainda embasada pelo clarão, pode ver uma sombra contra a luz de um arqueiro, mirando uma flecha próximo da sua cabeça.

- Quem é você mercenário? O que você quer aqui?

- Mercenário? – Dizia o Carcará ainda grogue.

- Não se faça de doido, é você que está atacando os sentinelas! – Disse a sombra pisando de leve sobre o pescoço do Carcará.

- Hahaha... – Riu sarcasticamente.

Marcos Paulo Silva
Enviado por Marcos Paulo Silva em 22/07/2011
Reeditado em 22/07/2011
Código do texto: T3110651
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