Pais e filhos e metáforas ruins.

Meu sentimento, relação e tudo o que diz respeito ao Lilo é muito ambíguo, é oito ou oitenta. Acontece que eu sempre fico no trinta e seis, ali no meio do caminho: entre abraçá-lo forte e lhe dar um chute no saco, eu escolho passar abaixo do radar fazendo absolutamente nada. Até pouco tempo atrás isso me parecia genial, mas naquele instante, vendo (e mais do que tudo, sentindo) a frieza do meu pai, percebi que se manter sempre neutro pode poupar mágoas, mas extingue alegrias e surpresas na mesma proporção. Se por um lado consegui poupar algum tipo de decepção por parte de Lilo, também extingui seu zelo por mim, mesmo que aos poucos. Quando você age com indiferença perante as pessoas, receberá delas exatamente o mesmo, cedo ou tarde.

Foi sempre o silêncio. Não foram discussões, objetos quebrados, alguns “eu te odeio” ou batidas fortes de porta. Ok. Vez ou outra eu discutia com ele, quebrava copos, batia a porta do quarto em sua cara, mas não havia tempo para reações ante esses fatos: logo em seguida o silêncio atroz e gigante anestesiava qualquer coisa que a discussão, que os cacos de vidro ou que o eco da porta batendo poderia ter causado. Em ambos.

Já estava quase parando de chover e o Sol era uma moeda de ouro esquecida lá em cima, bem no zênite. Se eu não tivesse visto meu pai apanhar o jornal, rumar para a varanda e sentar-se na rede, poderia jurar que era um picolé gigante que estava ali do meu lado, tanto que eu ficava toda hora vigiando-no com o rabo do olho, prevendo que a qualquer momento se derretesse e formasse uma poça de Lilo no chão.

Dei uma última olhada com o canto dos olhos e ufa, ele ainda estava sólido.

Lilo estava de atestado e, portanto, não foi trabalhar. Quer dizer, não na escola propriamente dita, pois ele continuou corrigindo provas em sua escrivaninha. Sempre achei que escrivaninhas mostravam mais ou menos que tipo de pessoa você é. A escrivaninha de meu pai mostrava que ele tinha um monte de provas para corrigir e que organização não era lá sua praia, o que pode ser meio contraditório e de fato é: ele adorava organização em todos os aspectos de sua vida, mas isso não se aplicava à sua escrivaninha. Perguntou se eu queria mais ovos ou mais bacon – ao passo que eu respondi que sim, os dois, quero bastante dos dois, obrigado pai – e me deixou sozinha na varanda. Fiquei olhando para o céu, distante, tentando criar metáforas para o que via. “O sol estava a pino, como uma moeda de ouro esquecida por alguém lá em cima”. Não, espera, já falei o lance da moeda. “O arco-íris tremeluzia partindo das montanhas, como uma ponte para alguma dimensão imaculada”. Nossa... horrível.

Para minha defesa, geralmente sou boa com metáforas.

Thainá Mocelin
Enviado por Thainá Mocelin em 01/07/2015
Código do texto: T5295614
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.