Segunda-feira - Capítulo 12

Capítulo 12

“Tinha terminado, então. Porque a gente, alguma coisa dentro da gente, sempre sabe exatamente quando termina.”

Rafael sentou-se sob a sua mesa. O silêncio era absoluto na sala da Pellegrino&Machado – Advocacia. Ben, seu melhor amigo digeria suas palavras sem conseguir acreditar no que acontecia com o amigo. Rafael respirou fundo, sentindo uma dor de cabeça invadi-lo, e que só piorou quando lembrou que teria que buscar Renata a noite na faculdade.

- Eu não sei o que dizer, Rafael. – Ben finalmente falou, depois de um longo silêncio. – Eu juro que estou perplexo em saber que seu pai, um advogado de tamanha competência tenha caído na besteira de se envolver com gente como os Ferrarese.

- Foi ganancioso e agora paga por isso. O problema é que estou incluído nessa, contra a minha vontade! – Exclamou, com raiva. – E eu não posso falar nada pra Renata para não a envolver nisso. Não quero que os Ferrarese saibam do meu relacionamento.

- E a Adriana?

- Vou terminar com ela também, mas isso eu já devia ter feito há muito tempo, convenhamos.

- E o que você vai fazer com a Renata, cara? Você simplesmente vai terminar tudo?

- Eu vou terminar de uma vez por todas, Ben. De um jeito que ela não vai me perdoar! E você tem que me prometer que tudo o que eu te disse vai morrer contigo.

- Você sabe que pode confiar em mim, cara! – Rafael assentiu, ainda consternado com a reviravolta que acontecia em sua vida. – Por quanto tempo você vai ficar fora?

- Eu não sei, mas vou dar um jeito de me comunicar com você. Ben, eu preciso que você cuide da Renata e a faça seguir em frente, não deixe ela sofrer pela minha ausência.

- Eu vou cuidar dela cara. Foi graças a vocês dois que conheci a Tess, sou muito grato por isso.

Os dois amigos trocaram um abraço. Rafael queria poder respirar tranquilo, mas não conseguiu. Tinha muito o que resolver.

(...)

Rafael optou por chegar atrasado para buscar Renata, que já o esperava em frente ao ponto de ônibus. Ele a viu parada, abraçando a si mesma para se proteger do frio e teve vontade de congelar aquela cena. Os cabelos castanhos esvoaçando com a ventania que fazia na noite em São Paulo e o meio sorriso que nascera em seus lábios ao vê-lo ali. “Tão bonita. Tão minha.” – Pensou, desolado.

- Oi! – Ela entrou no carro e o olhou carinhosamente. – Tudo bem?

- Estou bem. – Ele respondeu, mas não a olhou. – E você?

- Estou ótima! Nossa, que frio, Rafael!

- Po rque você não trouxe uma blusa?

- Eu pensei que hoje não esfriaria, sei lá. – Ela deu de ombro e Rafael assentiu, ligando o carro. Renata começou a contar sobre as aulas da faculdade e por algum momento sua voz preenchia todo o sofrimento dele, que sabia que a qualquer momento precisaria acabar com aquilo. – Você está me ouvindo?

- Estou, eu tenho ouvidos. – Renata franziu o cenho, não entendendo a resposta seca, mas também não fez comentários.

- Parece que você está em outra dimensão, Rafael.

- Estou com dor de cabeça, Renata, só isso.

- Quer um remédio?

- Eu quero que você fique quieta até chegarmos a minha casa. É possível?

- Uau, parece que realmente estamos num dia ruim, hein! – Ela balançou a cabeça, impressionada com a grosseria vinda de Rafael, que a todo custo tentava manter a pose indiferente. – Vou calar a boca então.

- Ótimo!

- Sabe do que eu estava me lembrando?

- Não, mas diga.

- Nem comemoramos nosso aniversário direito.

O rapaz deu de ombros.

- É só aniversário, Renata. Todo ano a gente faz aniversário.

- Ah, é claro! – Ela concordou, com ironia. A frieza dele começava a magoa-la. E então o silêncio prevaleceu dentro do carro.

Quando chegaram à casa de Rafael, Renata cruzou os braços, com raiva. Ela se sentou no sofá e o observou fazer o mesmo, no outro sofá. Numa distância física que a irritou.

- Mas que diabos está acontecendo com você? Isso é a crise dos 23 anos?

- Já te disse que é dor de cabeça.

- Se você está com dor de cabeça porque me trouxe para dormir aqui?

- Se você não quer dormir aqui eu te levo em casa, sinceramente tanto faz, garota!

E a cada resposta dele Renata sentia sua raiva aumentar desproporcionalmente. Ela ficou de pé e colocou a mão na cintura.

- Se você está nervoso com alguma coisa não venha descontar a raiva em mim!

- Tudo bem, Renata!

- Tudo bem uma pinoia Rafael Pellegrino! – Ela apontou o dedo contra o rosto dele, que começou a massagear as têmporas. Depois se levantou, dando as costas para uma furiosa Renata. – NÃO DE AS COSTAS PARA MIM, AGORA QUEM ESTÁ BRABA SOU EU!

Rafael se virou, após dar um longo respiro. Eles se olharam por um longo tempo, em silêncio. Renata começou a morder o lábio, nervosa. O coração começou a bater mais rápido. O pressentimento ruim voltara com força total. “Não, não pode ser com ele.” Sem pensar ela o puxou pela mão e o beijou, desesperada. Lágrimas caiam pelo seu rosto. Ela pegou as mãos do rapaz e colocou em sua cintura, queria sentir o seu toque, saber que o pressentimento ruim era só uma bobagem, queria ouvir de Rafael o mesmo “eu te amo” apaixonado que já ouvira outras vezes. Precisava que ele a beijasse da mesma forma que a beijou na festa no pub, como se Renata fosse a melhor coisa da vida dele. E isso não aconteceu. Rafael não correspondeu ao beijo.

- Você já está chorando, meu deus! Que inferno, garota, toda vez é isso! – Ele gritou, encenando tão bem que começava a enganar a si mesmo.

Renata balançou a cabeça várias vezes, sentindo como se o mundo começasse a girar mais rápido que o normal.

- Rafael, não faz isso. Eu imploro, não faz isso!

- Não faz o que, Renata?

- Não faz isso com a gente, não dessa vez.

- Você está louca?

- Eu vou subir, tomar um banho e quando a gente se falar de novo isso vai ter passado, ok?

Rafael deu de ombros e então Renata subiu rumo ao quarto dele, e só voltou meia hora depois, usando as roupas do rapaz.

- Rafael. – Ela murmurou, vendo-o sentado no sofá, assistindo televisão.

- Renata. – Ele não a olhou e nem se moveu quando a viu sentar-se ao seu lado.

- Você está melhor?

- Não.

A garota começou a bater nele, com raiva. Não sabia o porquê fazia isso, mas precisava urgentemente que Rafael tivesse uma reação humana ao estado em que ela se encontrava. Ele tentou segurar a mão dela, mas não conseguia. Os dois acabaram caindo no chão, com Renata totalmente sem controle.

- Qual é o teu problema? – Ela perguntava, entre tapas e arranhões.

Rafael levou um arranhão no pescoço que o fez perder a paciência totalmente.

- Eu estou perdendo a paciência, Renata! – Ele gritou, dominando os braços dela, que tentava se soltar, furiosa. Com certo esforço, segurou o pescoço da garota e a beijou.

- Não! – Ela se jogou para o lado, tentando fugir de Rafael, mas não teve forças para continuar resistindo ao desejo incontrolável que havia se misturando em meio a sua crise de fúria. Eles se beijaram desesperadamente, como se precisassem do outro para a fácil tarefa de respirar. Renata abriu a camisa dele numa única puxada e teve a blusa arrancada com a mesma força. Ela continuava em busca de sentir que Rafael ainda era o mesmo, que os sentimentos ainda eram iguais e que nada tinha mudado. Ele precisava sentir Renata mais uma vez para poder sair da vida dela.

Como as coisas precisavam ser e não necessariamente como Rafael queria que fossem.

(...)

No dia seguinte quando acordou Renata estava no sofá, deitada encolhida como um bebê. Ela abriu os olhos e sentou-se lentamente, depois vestiu suas roupas. Rafael na poltrona a observava em silêncio. O olhar estava distante, como se apenas a presença física estivesse ali. Ele não disse nada, nem precisava pois ela já sabia. Alguma coisa ia acabar naquele momento.

O rapaz abriu a boca duas vezes, mas não conseguiu pronunciar nada. E perguntou-se mais uma vez se era realmente possível sentir um vazio tão grande como sentia agora. Renata levantou-se e foi até a cozinha, ele a seguiu, tão quieto que mal parecia estar ali.

- Eu quero terminar com você, Renata. - Rafael viu a respiração controlada de Renata através de suas costas. Ela colocou a mão na pia, mas não o olhou. – Eu... – Ele continuou forçando a voz a parecer natural. – Eu acho que..

- ...Que o seu amor acabou no momento em que eu me declarei para você? – Completou Renata e se virou rapidamente e foi na direção do rapaz. – Um dia e meio e todo o “sentimento” simplesmente morre?

“Se você soubesse... – Ele pensou, desejando abraçar Renata. – Ah se soubesse o quanto eu sou louco por você, sua idiota!”

- É. – Rafael balançou a cabeça, assentindo. – Exatamente isso. Eu achei que o que eu sentia era amor, mas acho que me confundi. Não tem sentido nós ficarmos juntos, não é?

Renata não soube explicar a vontade repentina que teve de abrir um buraco no chão. O desejo doloroso de voltar naquela segunda-feira à noite onde o seu caminho se cruzara o dele e ter prestado atenção na rua. Tanta coisa poderia ter sido evitada se ela tivesse ido ao show com Tess.

- Você pensa igual a sua mãe então? Deve achar que nós somos de classes diferentes. Você o rapaz burguês, estudado com uma boa profissão e eu pobre bolsista que não tem onde cair morta. No fim o que vale é o relacionamento capa de revista como o seu e o da Adriana!

Rafael lembrou brevemente de sua conversa mais cedo com Adriana, e de como ela fora compreensiva quando ele revelou sobre Renata. “Não é porque vocês terão que se separar que as coisas acabam pra sempre.” – Dissera a ex-noiva. “Você vai ser muito feliz, Rafa. Eu sei disso.”

E o rapaz torcia para que Adriana estivesse certa.

- Talvez eu pense isso sim, exatamente isso. – Respondeu, sem pensar.

Sua visão parecera se distorcer ao dar um tapa no rosto de Rafael. Ela nem sentira quando lágrimas começaram a brotar de seus olhos.

- Eu não vou te perdoar.

Rafael sabia que era um caminho arriscado fazer Renata odiá-lo, mas era também a melhor forma de fazê-la ir em frente.

- Acho que posso lidar com isso. – Rafael massageou a bochecha que fora desferido o tapa e apesar da pose firme, sentia vontade de fugir com Renata para um lugar em que nunca mais as pessoas se intrometeriam em seu relacionamento. – Então...?

Ela balançou a cabeça, que doía, como se estivesse com uma bola de concreto de 500kg dentro, mas nada comparado ao que acontecia dentro do coração de Renata. “Eu li em algum lugar que amar só era bom se doesse, mas eu não tinha noção de que era desse jeito.” – Pensou, desolada. Olhou Rafael e por mais magoada que estivesse não conseguia odiá-lo, como deveria, como precisava.

- Eu vou falar novamente... – Renata murmurou, a voz quase inaudível. – Eu não vou te perdoar por isso.

Ela não esperou a resposta, mas quando tentou sair da cozinha foi puxada por Rafael, que a pressionou a parede segurando seu rosto. Os olhos verdes pareciam opacos na visão dela.

- Renata. – Ele encostou o nariz em sua bochecha, mas ainda a segurava. “Só mais uma vez.” – Pensou, num desespero que nunca sentira igual.

- Rafael. – Ela colocou a mão na cintura dele. O que a boca não soube falar, os olhos disseram. Renata implorava para que ele não a deixasse. E ele via isso nos olhos dele. – O que você está fazendo conosco?

- Você vai me prometer uma coisa. – Era o apelo mais sincero que Rafael já havia feito a alguém. Renata voltou a chorar alto. – Você vai me prometer que vai ser muito feliz, que não vai olhar para trás, que não sofrerá por minha causa. E que fará o que as pessoas inteligentes fazem: você vai seguir em frente.

Ela não soube o porquê de tê-lo respondido, mas o fez.

- Eu prometo.

E então Rafael disse a frase que marcou o dia mais triste da vida deles dois. Eram palavras que eternizavam algo. Algo que ela só descobriria anos depois.

- Há uma luz que nunca se apaga, Renata. – Ele beijou a testa dela, depois saiu da cozinha. Sem olhar para trás. Era o adeus de Rafael.

Ela pegou sua bolsa do sofá e saiu da casa dele correndo desesperada e totalmente sem direção.

Só quando já estava na rua que a garota parou na calçada, sem fôlego. Não conseguia parar de chorar. Renata então fechou os olhos com força, desejando que aquilo fosse só um pesadelo que seria esquecido ao acordar. E que toda a dor que sentia ia passar. Mas não passou. Por muito tempo não passou. Só se transformou numa ferida incurável, obrigando a seguir em frente. Como fora pedido por Rafael e como a vida a partir de agora pediria a ela e sem a menor gentileza.

- Há uma luz que não se apaga. – Renata repetia totalmente descontrolada. – Há uma luz que não se apaga.

Ela começou a sentir um início de pânico e de repente sua casa parecia longe demais para ir a pé. Foi até em direção a uma lanchonete do outro lado da rua, e continuou repetindo a frase dita por Rafael. Um rapaz se aproximou dela, parecendo notar seu descontrole.

- Moça, você está bem? – Ele a segurou pelos ombros. – Meu Deus você está gelada!

- Há uma luz que não se apaga.

O rapaz a levou para dentro da lanchonete.

- Alguém me dá um copo de água, por favor!

Ele a soltou para buscar água do outro lado da bancada, mas a deixou sentada numa cadeira. As memórias vieram de forma agressiva, como um livro sendo aberto por um leitor impaciente que só queria ler as melhores partes da história.

“Eu nunca parei para pensar nisso. Acho que eu me preocupo mais com a necessidade que eu tenho de estar sempre perto de você.”

- Necessidade. Sempre. Você. – Ela repetia, roboticamente. Estava tendo talvez a pior crise emocional de sua vida. As lágrimas caiam por sua bochecha. Os lábios estavam secos e brancos. Era uma garota sem vida.

“- E eu vou falar algo que você não quer ouvir.

- Rafael não!!

- Eu estou apaixonado por você, Renata Mendes. Eu estou completamente na sua, ou seja lá como se diz esse tipo de coisa.”

E ela continuou repetindo as palavras como se estivesse em transe.

- Apaixonado. Por. Você.

“Eu achei que o que eu sentia era amor, mas acho que me confundi. Não tem sentido nós ficarmos juntos, não é?”

- Moça, pelo o amor de Deus você está delirando?? – O rapaz voltara com um copo de água, ele a abraçou, completamente sem jeito. Renata sentiu-se num deja-vu. Já tinha vivido essa cena, só que quem a segurava nos braços era outro.

- Rafael...

Primeiro a sua visão fora diminuindo, depois começou a ouvir tudo muito distante, até que, como naquela segunda-feira à noite seu corpo fora ficando mais leve. Sem incômodos. Sem pessoas implorando para que ela voltasse. Era uma paz boa de sentir.

A dor que novamente fora causada por Rafael havia por algumas horas parado de incomodar Renata.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 01/07/2015
Reeditado em 15/04/2022
Código do texto: T5295655
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