Segunda-feira - Capítulo 14

Lembrando que esse é o capítulo que inicia a narração da Renata. Acho que mais um ou dois capítulos e finalizaremos Segunda-feira.

Me aguardem :^)

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Capítulo 14

Renata Mendes

- Eu aqui completamente doida com a preparação para o jantar do seu noivado e você procurando rugas no rosto, Renata? Tenha dó!

- Eu acho que estou com cabelos brancos, Tess. – Larguei o espelhinho com bordas brancas no sofá. Eu estou na crise dos 26 anos, quem diria?

- Renata, me poupe! – Ela me puxou pela mão para nos sentarmos ao redor de um monte de papéis que estavam no chão da sala da minha casa. – O Ben disse que uma cliente dele comentou que essa loja aqui tem vestido ótimos!

Tess me passou um panfleto com o nome “Carpe Diem Boutique”. Por mim, eu ia ao jantar de calça jeans e tênis, mas se eu for é capaz que minha melhor amiga arranque meu pescoço. E agora que ela está grávida de 5 meses é melhor não provocar seu humor sensível.

- Tudo bem, eu vou até lá ver alguma coisa.

- Renata. – Ela colocou a mão nas têmporas. – Pelo o amor de Deus e suas ovelhinhas abençoadas. Eu sei que você tem aversão a vestido, mas por favor, é o seu noivado, não esquece disso!

- Tá bom, tá bom!

Tess continuou falando sobre meu noivado, vestidos, festas e um monte de coisas que eu não conseguia me interessar. Não porque eu esteja feliz, eu só não sei se estou contente no momento. Acho que finalmente caiu a ficha de que eu vou noivar. Noivar por conveniência.

Noivar.

Deus do céu. Eu realmente vou noivar.

5 anos se passaram desde que Rafael fora embora de minha vida. Nunca recebi uma carta, um e-mail ou sequer uma ligação dele. Eu nem sei se ele está vivo. Talvez ele só esteja vivo dentro de mim. O que é um problema. É um problema eu ainda pensar no único homem quem eu realmente amei, não é? É um problema eu ainda lembrar dele quando vou a lugares que fomos juntos num passado que permanece vivo dentro de mim. Eu fiz o que todos me pediram, eu segui em frente. Me formei na faculdade com louvor, o trabalho de Psicologia Criminal foi um sucesso, tanto que até hoje meus ex-professores usam como exemplo na faculdade, trabalho num hospital de nome, moro num apartamento que está em meu nome, tenho um carro moderno, vou noivar com um cara que eu gosto e já viajei para fora do Brasil. Isso é bom, não? Então porque diabos eu não supero alguém que foi embora da minha vida? Porque eu continuo esperando ele aparecer na minha porta com um sorriso canalha dizendo qualquer mentira que eu vou acreditar porque ainda tenho sentimentos por ele? Ele me magoou, sumiu do mapa e eu nem sei o porquê. Isso não é mais do que suficiente para eu deixar de sentir qualquer resquício de amor?

- Renata, você está com o pensamento longe, não é? – Tess perguntou, e pelo seu sorriso amigável, acredito que saiba que estou pensando nele.

- Desculpe. – Suspirei. – Só estava pensando em bobagens.

- Você vai hoje lá na loja?

- Vou. Quer ir comigo?

- Eu até iria, mas a família do Ben vai lá em casa, sabe como é!

- Sei sim.

Tess não era muito fã da família de Ben, mas pelo bem do seu relacionamento, ela fingia gostar deles. Não que Ben não soubesse disso, é claro.

- Bom, então eu vou lá. Você deixa a chave lá na portaria, ok?

- Deixo! – Ela respondeu, olhando algumas revistas de vestidos para noiva. – Divirta-se! E qualquer coisa me liga.

- Beleza!

Peguei minha bolsa do sofá, abri a porta de casa, quando surpreendentemente Ben aparece na minha porta.

- Oi! – Ele me cumprimenta, alegre. – Minha redondinha está aí? – Perguntou, com um sorriso bobo.

“EU OUVI ISSO SEU IDIOTA!” – Tess respondeu lá da sala.

- Sempre um amor minha redondinha. – Ele murmurou, num tom mais baixo. – E aí? Está indo aonde?

- Ver o vestido para o jantar. – Respondi, revirando os olhos. – Um saco.

- Agora?

- Sim. Porque?

- Não, nada! – Ele deu de ombros, parecendo de repente querer disfarçar algo. – Bom, espero que dê tudo certo lá!

- Valeu!

Nos despedimos um beijo no rosto. E eu segui sem muita empolgação ao elevador no lado direito do 9º andar.

(...)

“O bom de sair numa segunda-feira as 15h da tarde para ir ao centro de São Paulo é que o transito é bem menor do que o normal.” – Pensei, tirando o carro da garagem. “Ah, droga, a quem quero enganar? Não tem vantagem alguma!”.

Apertei o volante com força e dei partida no carro. Cheguei na boutique 1 hora depois, o que considerando os tempos atuais é um milagre. Estacionei o carro do outro lado da rua e só quando desci reparei que o bairro era repleto de coisas para noivas. Desde sapatos a acessórios.

- Qual é o número do lugar mesmo? – Olhei no papel que estava dentro da bolsa. – Ah, é logo em frente!

Caminhei tranquilamente quando deparei com algo curioso. A loja além de vazia só tinha uma vendedora. Franzi o cenho, mas abri a porta, receosa. Notei que havia um rapaz no balcão, mas ele estava de costas. Uma sensação engraçada de que eu já o conhecia de algum lugar me invadiu, mas tratei de ignorar logo.

- Olá! – Cumprimentei, sem jeito. – Hã, eu gostaria de ver alguns vestidos. É para um jantar de noivado, sabe?

- Claro! – A vendedora deu um sorriso amistoso. – Tenho alguns modelos bem bacanas, se você quiser ir para o provador eu levo até lá!

Mesmo sentindo que havia algo de errado naquela loja vazia e na vendedora amistosa demais, eu assenti e segui até o provador. Entrei e ao me olhar no espelho lembrei o porquê de evitar lojas. Eu não sou muito fã de espelhos.

A vendedora trouxe o primeiro vestido. Era branco, até o joelho e de alcinha. Eu adoraria se tivesse 15 anos.

- E aí? – Perguntou ela, ansiosa.

- Eu não gostei muito. Quero ver outro.

- Sim, só um momento!

Ela demorou cerca de 15 minutos para voltar. Nesse tempo eu pude relembrar dos fatores que me fizeram aceitar o noivado e tive um tipo de crise de consciência. Inferno! O Alexandre é um cara legal. Tem um emprego legal. É uma boa companhia. Porque isso não é suficiente para eu ficar feliz?

Ajeitei o sutiã de frente ao espelho e não tive tempo para uma reação aceitável quando o mesmo homem que estava de costas no balcão entrou no provador e sentou-se no puff rapidamente. O grito que estava pronto para sair da minha garganta foi calado pela minha surpresa. Ele passou o vestido no cabide e me olhou com seus incríveis olhos verdes que pareciam tão conectados a mim quanto eu a eles.

- Eu não acredito nisso! É certo que eu estou tendo um pesadelo!!

- Renata...

Isso é um pesadelo? Como Rafael ousa me atormentar em pesadelos?

- CALA A BOCA! – Berrei, dando um passo pra trás. Minha respiração já começava a falhar. – EU ESTOU TENDO UM PESADELO OU ALUCINANDO!

Rafael manteve-se em silêncio, apenas me observando, preocupado com o fato de eu ter um troço. Eu olhei o rosto dele e tive uma espécie de falta de ar. O desgraçado está bonito como se os 5 anos não o tivessem afetado em nada. Quer dizer, agora ele tem barba, mas isso só o deixou melhor.

Eu odeio o Rafael.

- Renata, calma. – Ele se levantou e deu um passo em minha direção. Cada passo dele, era um passo meu para trás. – Eu não sou alucinação ou sonho seu! Não dá pra ser gostoso que nem eu e ser sonho.

- NÃO!

Foi então que me deu um beliscão na coxa como se por acaso fossemos um casal de namorados que estava tendo uma briga daquelas bem bobinhas, sabe? É claro que eu tive uma reação bem apropriada. Eu bati nele com tudo o que eu tinha perto. Voou bolsa, celular, o vestido, cabide, tudo que minhas mãos foram capazes de pegar.

- COMO VOCÊ TEM CORAGEM? COMO VOCÊ PODE APARECER ASSIM E AINDA DEBOCHAR? – Gritei, completamente descontrolada. Só então pude ver que ao jogar o celular na testa de Rafael provoquei um cortezinho leve. É pouco para o que ele merece. – FALA ALGUMA COISA!

- Mas você..

- CALA ESSA BOCA!

E voltei a bater nele, como se isso fosse possível de acabar com toda a dor que senti. Bati até a hora que minhas lágrimas, as malditas lágrimas foram me fraquejando e os braços dele me rodearam naquela onda de conforto e paz. Aquele abraço que fazia o mundo lá fora parecer minúsculo, porque dentro do abraço dele era o maior e melhor lugar existente. E ele foi me lembrando de forma gradativa como era bom estar ali.

- Eu queria te dizer um monte de coisas, e irei dizer, mas a principal delas é... – Droga ele tá sendo sincero. Porque ele não facilita o meu lado e faz alguma idiotice? - Eu sinto muito por toda a dor que eu te causei. E você tem todo o direito de me odiar, de não me querer mais por perto, mas eu tinha que vir. Eu precisava.

Ele tocou meu rosto com suavidade, e por um momento eu permiti ser vencida pelas minhas emoções, mas foi rápido. Anos aprendendo na marra a voltar a ser racional. Não posso fraquejar.

Empurrei Rafael e fui para o outro lado do provador. Sequei minhas lágrimas e balancei a cabeça várias vezes. Era possível uma cena ser tão ridícula como essa? Eu de calcinha e sutiã discutindo com uma pessoa que eu não vejo há 5 anos?

- Eu sinceramente não quero saber o que aconteceu com você. Na verdade, eu tinha absoluta certeza de que nem vivo você estava. Não faz mais diferença.

- Faz, você sabe que faz. Você não teria essas suas reações explosivas se ainda não se importasse comigo.

- Você queria ser tratado como um lorde?

- Não foi isso que eu disse, Renata!

- Se você quiser ser tratado como um lorde por favor, avise! – Peguei minha camiseta do chão e a coloquei de qualquer jeito. – Que inferno. Como é que você sabia que eu estaria aqui?

- Eu falei para o Ben dessa loja. A dona dela é minha amiga da faculdade... E ele me avisou que você viria hoje.

O que explica o comportamento estranho do meu futuro compadre. Homem como sempre acobertando o seu semelhante.

- Bem conveniente, não? – Ele revirou os olhos. Inferno! Como é que pode o tempo beneficiar tanto um homem? – Sinceramente, Rafael! Vamos nos poupar. Não precisa me falar mais nada.

- Eu só vou embora depois que eu falar tudo o que eu tenho pra falar.

- VOCÊ QUER CONVERSAR NUMA DROGA DE PROVADOR?

- Não, aqui eu quero tornar realidade o sonho que você teve há 5 anos.

Ele me puxou pela cintura e tratou logo de segurar minhas mãos. Demorou uns 3 minutos até a boca dele tomar poder da minha.

- EU VOU CHAMAR A POLÍCIA!

- Chama, eu falo pra eles que minha futura esposa teve um surto e esqueceu que eu sou o homem da vida dela. – Rafael sugou meu lábio e bem, nos beijamos. O maldito tem uma influência inacabável sob a minha pessoa. É como se eu precisasse dele para eu mostrar o que realmente há dentro de mim.

- Ah, deixa eu contar a eles então que o “homem da minha vida” - fiz as aspas com o dedo só para irrita-lo. - me largou sem mais ou menos!

Virei o rosto, com raiva. Rafael deu um suspiro, entediado.

- Como pode ter continuado tão chata e teimosa, meu deus? – A pergunta foi feita bem perto do meu ouvido, ao mesmo tempo em que ele me pressionava na parede com vontade.

- Eu vou noivar, Rafael. Você tem noção disso?

- Creio que sim.

- E eu gosto dele!

- Isso é bom e também é importante. - Ele deu uma risadinha, me provocando. Sua língua abocanhou o lóbulo da minha orelha. Foi complicado me manter impassível. O maldito sabe como me levar a loucura. – Eu não estou aqui pra fazer você esquecer dos seus compromissos com ele. Só estou aqui para te lembrar de como é bom estar comigo.

E ele me olhou daquele mesmo jeito que me olhou há 5 anos atrás, quando eu não tinha a menor ideia de como era amar alguém. De quando eu achava que jamais encontraria alguém pra entender a minha necessidade de entender todas as pessoas quando eu nem conseguia entender a mim mesma.

- Não era pra ser tão bom.

- O que? Estar comigo?

- É.

Rafael sorriu e me beijou novamente, e eu correspondi com todo o fervor que a porcaria de um reencontro pede. Não que eu tenha esquecido de todos os anos de sofrimento, mas o certo naquele momento era eu estar ali. Com ele. Nos braços dele. Sendo dele. E então Rafael fez o sonho de 5 anos atrás se tornar realidade. E foi tão bom como no sonho. Me arrisco a dizer que até melhor.

Um tempo depois quando caímos no chão, ambos sem folego pra continuar, eu o olhei de soslaio. “Insuportável, idiota, cretino mentiroso... E é tão bonito o rosto.”

Ah, não! Droga, eu estou tendo uma crise de ternura. Não, Renata, não!

- E então? Como é estar noiva? – Como a pergunta me pegou desprevenida, eu tratei de desviar o olhar. Ele sentou-se no chão, seminu.

- É bom, algumas pessoas sempre perguntam quando é que vem o bebê. Outras falam que já estava mais do que na hora.

Rafael riu, mas depois sua expressão se fechou. Eu me sentei ao seu lado.

- Eu não sei se aqui é o lugar mais adequado para conversarmos, mas com a gente as coisas sempre foram ao contrário, então... – Eu abri a boca pra falar, mas Rafael continuou falando. – Renata, você sabe que merece uma explicação. Então depois que eu falar tudo o que eu tenho pra falar eu vou embora da sua vida de uma vez mesmo.

- Tudo bem.

Ouvi por quase 45 minutos Rafael me contar o que o levou a ir embora de São Paulo. Desde a negociação com os mafiosos a como foi a vida dele na Espanha, lugar em que ele esteve todo esse tempo. Primeiro eu tive um choque horroroso, uma vontade de gritar com ele, de perguntar porque diabos ele não fugiu comigo do Brasil. Depois tive um início de compaixão. E por último veio uma tristeza deplorável.

Era isso que o amor fazia com a gente. Era isso que Rafael Pellegrino era capaz de fazer comigo.

- Eu me lembro de ter visto na televisão sobre a morte dos Ferrarese. – Comentei, após ele terminar de falar. – Então você e seus pais só puderam voltar agora?

- Só eu voltei. Meus pais preferiram viver por lá, eles ainda têm medo de alguém da máfia ir atrás deles.

- E você não?

- Eu nem pensei nisso, sinceramente... Eu sabia que precisava te ver. E aqui estou.

- Você sabia que eu estava pra noivar...

- Sim. Eu tive notícias diárias suas. Soube todas as vezes que você teve crises de choro. E não pense que eu não sofri junto. Eu só não podia arriscar perder você. Quer dizer... – Ele respirou fundo. – Perder, de certa forma eu perdi.

- Você entende, não é? Quer dizer... Eu passei 5 anos fingindo que estava bem, fingindo que você não me fazia falta e que...

- Eu entendo, eu entendo...

Rafael deu um sorriso triste diante das minhas palavras quase chorosas. Eu me ajeitei no colo dele como uma criança assustada e olhei para minha mão. O anel de compromisso logo daria lugar a uma aliança de noivado. Todo um projeto de vida seguro. Tudo o que eu queria há 5 anos e não tive. Tudo o que eu tenho agora e não sei se quero.

- Eu amo você. – Ele disse baixinho, quase como um segredo só nosso. – Eu nunca deixei de amar você nesses 5 anos. Ao contrário, esses 5 anos só me fizeram ter certeza do quanto eu preciso de você.

- Eu não posso. – Murmurei, fazendo o balançar a cabeça, positivamente. – Eu compreendo o que te levou a ir embora, mas eu não posso largar tudo de novo por sua causa.

- Eu sei.

- Eu te amo muito, Rafael. – As palavras saíram tão repentinas da minha boca que eu me surpreendi na hora, mas continuei falando. – Eu vou te amar para o resto da minha vida... – Respirei fundo e continuei. - Mas... Eu só não confio mais em você. Quando eu finalmente confiei você foi embora e...

- Shh... Tudo bem, Renata... Tudo bem... – Ele me apertou em seus braços com força. Eu respirei o seu cheiro, pedindo a deus que ele não fosse mais capaz de me acalmar. E o pior é que me acalmou.

Fomos embora 1 hora depois. Eu não comprei vestido, não vi nada relacionado ao noivado, nem lembrei do anel que brilhava em meu dedo. Passei o resto do meu dia ao lado de Rafael Pellegrino como se jamais ele tivesse me deixado ou me magoado de forma tão profunda. Eu tentei controlar as minhas emoções. Juro que tentei não ser tão feliz, nem tão leve, nem tão serena com ele. Eu juro que tentei controlar as batidas do meu coração a cada vez que eu ouvia sua risada meio grossa, meio suave pertinho do meu ouvido. Juro que tentei...

Ah, que inferno o amor.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 07/07/2015
Reeditado em 07/07/2015
Código do texto: T5302340
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