Capítulo 1 – Bye, bye terapia!





Cidade de Munique - Alemanha

- Então, Malu. Hoje é a nossa última consulta antes da sua viagem, como você se sente?

Olhei para Carla Marinho, minha terapeuta há 8 anos e dei um meio sorriso. Ajeitei-me na poltrona e dei de ombros. Honestamente não sei como me sinto, mas ela precisa acreditar veemente que eu estou pronta para voltar ao Brasil.

- Bem. Quer dizer... – Respirei fundo e tentei parecer ansiosa. Não que eu seja muito boa em fingir qualquer coisa. – Eu me sinto melhor para enfrentar meus velhos demônios, Carla.

Carla, uma negra de quase 1.75 e cabelos afros me avaliou com seus intensos olhos castanhos. Para meu total alívio ela não desconfiou de mim. Mesmo há anos sem morar no Brasil, Carla mantinha um pouco de seu sotaque carioca que eu tanto adorava.

- E o Thomas, como ele está lidando com o fim do relacionamento de vocês?

Flash's da minha briga com Thomas passaram por minha cabeça, tentei não transparecer meu sofrimento interior. Sei que fiz o melhor por ele.

- Bem. – Menti, deslavadamente. – Ele compreendeu que minha viagem é a trabalho.

- Sim, mas isso não o impediria de sofrer pelo fim do relacionamento, Malu.

Engoli seco. Ela está fazendo aquilo que sempre faz quando quer me desmascarar. Não posso vacilar, não posso vacilar!

- Ele sofreu. Quem não sofreria após 5 anos juntos? Você que nos apresentou sabe como Thomas mudou minha vida e vice-versa. – Senti um aperto no peito ao lembrar de 5 anos atrás quando encontrei Thomas Kiefer no banco de espera do consultório de Carla. Eu tinha 20 anos, ele 22. Alto, dono de um porte atlético, loiro, olhos azuis intensos, um sorriso doce e um passado cheio de traumas, como o meu. Foi paixão à primeira vista. Comentei dele com Carla e ela foi a fada madrinha do nosso relacionamento.

Por 5 anos eu me mantive salva do passado, mas não salva de mim mesma.

- E conte-me como será para você trabalhar com Michel.

Ouvir aquele nome em qualquer situação que fosse me causava um arrepio que passava por toda a minha coluna cervical. Era como abrir um buraco dentro do meu peito me obrigando a olhar a profundidade do meu passado. Novamente forcei um sorriso, sustentando o olhar avaliador da minha terapeuta e respondi.

- Tranquilo! Eu já nem me lembro do porque eu sofri por ele. - Ela riu, balançando a cabeça negativamente. Sabia que eu gostava de fazer piada para amenizar minha própria tensão. – O passado tem que ficar para trás, não é?

- Sim, Malu. Você lembra de todas as vezes que teve crises e crises de choro por não conseguir superar o que te aconteceu no Brasil, não lembra? – Assenti. – Uma das provas de superação será você e Michel dividindo o mesmo ambiente de trabalho.

Eu queria dizer a Carla toda a verdade sobre a minha ida ao Brasil. Dizer que fui obrigada, que se fosse por minha vontade própria jamais deixaria a Alemanha, e que não estava tão preparada assim para a famosa prova dos 9 com Michel, mas eu necessitava daquilo. A vida começava a me cobrar esse reencontro.

- Eu sei, Carla. Eu vou conseguir.

- Eu sei. – Ela se levantou e abriu os braços me chamando para um abraço. – Ah, garota! Sentirei sua falta!

Nos abraçamos e foi inevitável não chorarmos.

Depois de 8 anos eu não teria mais consultas com Carla Marinho em sua sala que cheirava a alfazema e erva doce, não reclamaria mais do frio da Alemanha ou acordaria com o sorriso de Thomas iluminando meu dia e nem trataria cada dia de trabalho como uma guerra diária. O que de fato era mesmo. Eu estava sendo obrigada a enfrentar o meu passado e a continuar guardando segredos terríveis sobre mim.

- Boa viagem, Malu. A nossa querida terra brasileira te aguarda!

Tive vontade de gritar, de pedir ombro para chorar, mas me limitei a sorrir e aceitar o que o destino ou a consequência dos meus próprios atos me obrigavam a fazer.

Brasil, aí vou eu.
Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 28/08/2015
Reeditado em 02/02/2020
Código do texto: T5361801
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