Capítulo 7 – O abraço que selou a trégua


Antes de tomar coragem de voltar a empresa eu passei pelo menos duas horas olhando fotos das duas mulheres mais importantes da minha vida: minha mãe, Ana Clara e minha tia, Ana Paula Teixeira. Perdi minha mãe muito nova, tinha apenas 14 anos e nenhuma ideia do que a vida me reservava. Com o falecimento de minha mãe, minha guarda passou a ser da minha tia, já que nunca conheci o meu pai e nem sei o real mistério que guarda o sumiço dele. A única coisa que soube aos meus 12 anos é que ele largou a minha mãe no hospital após me registrar em seu nome e ainda disse “Boa sorte na vida, Clara”. Eu digo que há mistério porque minha mãe e minha tia nunca se deram realmente bem. Elas se suportavam. E o motivo era o meu pai. E isso só foi estabilizado (não esquecido, que fique claro) quando minha mãe adoeceu numa cama de hospital vítima de câncer no pulmão, em decorrência de anos como fumante. Minha mãe era uma mulher amargurada e triste. Minha tia parecia se culpar por algo que nunca consegui entender, e apesar disso tudo ela se tornou a enfermeira e também a dona da minha casa. Eu não me lembro de muita coisa do processo doloroso que fez a minha mãe ir à morte, mas guardo a cena da hora que ela morreu com exatidão. E ainda me dói lembrar.

Depois da morte dela eu e minha tia deixamos o interior de São Paulo e fomos para a capital, onde conheci Michel e Bernard. A partir daí minha vida mudou de uma forma que jamais fui capaz de entender. E viver na verdade é uma eterna busca do entendimento. Ás vezes esse entendimento vem e às vezes não.

Respirei fundo e guardei as fotos na caixa, depois levantei e fui tomar banho. Não posso fugir do Michel, mas posso ao menos fingir que não me importo com o fato dele ter me dispensado como se eu não fosse uma mulher atraente. Preciso ser racional e admitir que não posso passar o restante da minha vida brigando com ele. Em algum momento precisaremos deixar nossas diferenças de lado. Quer dizer, EU terei que deixar todo o meu rancor para trás. Michel parece que virou a nossa página faz tempo. E ele está certo, não? As pessoas seguem a vida.

- Bom, eu espero não me arrepender da humilhação de pedir desculpas para o Michel. A última vez que eu pedi desculpas para alguém... sinceramente nem me lembro quando foi.

(...)

Quando cheguei na BMP parte dos funcionários não tinham chegado, mas quem eu realmente precisava ver já estava presente. Deixei minhas coisas na mesa e atravessei o corredor que nos separava. Olhei a mesa vazia de sua secretária e fingi vomitar. Dei duas batidas na porta e entrei. Michel estava parado em frente a um espelho no canto esquerdo, arrumando ou tentando arrumar sua gravata.

- Ei, Malu! – Cumprimentou, dando um sorriso que realmente parecia feliz por me ver. Retribuí o sorriso e tomada pela vida própria dos meus pés, fui até ele e comecei a ajeitar sua gravata. Nossa proximidade era tanta que consegui distinguir seu perfume. Era a mesma fragrância almiscada que ele usava desde a adolescência, um presente de sua mãe. – Ah, obrigado. Eu não tenho jeito para isso. Quase nem uso, só mesmo em ocasiões necessárias.

- E hoje é uma ocasião necessária? – Perguntei, o fitando fixamente.

- Sim. Hoje eu e o pessoal do "Publicidade" iremos numa reunião na zona Oeste com um fotografo para iniciarmos os testes para o comercial do dia dos namorados.

- Entendi.

- Espero que você não se importe de eu não ter te avisado...

- Tudo bem, não tem problema. Eu estava trabalhando em casa mesmo.

- Sério? – Ele parecia perplexo.

- Sim.

Sentei-me na mesa e continuei arrumando a gravata, mas quando senti uma mão passando pelas minhas coxas, arfei. Michel me olhou, serenamente e deixou nossos rostos bem próximos.

- Você está bem? – Perguntou, novamente sendo sincero e me quebrando por completo.

- Estou. – Finalizei com a gravata, mas não conseguia olha-lo. – Pronto.

- Valeu, Malu. – Ele se afastou para ir até o espelho. Michel inegavelmente ainda era um dos homens mais bonitos que eu já tinha visto na vida. Talvez seja o mais bonito. E isso é perturbador demais. Michel é mais alto que eu, tem olhos verdes que quando no sol ficam ainda mais verdes se é isso é realmente possível. Um rosto suave, que agora com um pouco de barba o deixou ainda mais atraente. Lábios sensuais. Um físico de quem certamente não largou o habito adquirido na adolescência de lutar boxe. E eu odeio o fato dele ser bonito desse jeito. – E aí? O que achou?

Ele sabe que estou de baixa guarda, por isso está sendo realmente gentil comigo. Novamente fui até ele e fiquei na frente do espelho. Meu coração tão rápido que me perguntei se Michel conseguia ouvir. Estou me sentindo com 15 anos perto dele. Isso não é bom.

- Acho que você está ótimo. – Arrumei seu cabelo escuro e molhado, jogando-o todo para trás. – Ah não, ficou horrível. – Rimos juntos. A mão dele pousou na minha cintura. Eu soltei um longo suspiro. – Acho que é melhor para frente. - Voltei a arrumar os cabelos, mas dessa vez para frente. – Preciso te apresentar um amigo.

- Que amigo?

- O amigo cabeleireiro, sabia? – Michel riu, balançando a cabeça. O cabelo dele estava quase na altura do queixo. E então me puxou ao seu encontro. Estávamos abraçados de uma forma bem estranha, mas eu não queria que ele me soltasse de forma alguma. – Pronto.

- Malu... – Ele murmurou, roçando sua barba em meu rosto. A voz meio rouca. As mãos invadindo minha blusa e me arrepiando o corpo todo. O problema de lembrar do lado bom do Michel é que basicamente não conseguia me manter longe dele. Isso não foi bom dos 15 aos 17 anos, agora com 24 é um grande PROBLEMA. Nossos lábios finalmente se roçaram. Queria lembrar que da última vez que nos beijamos e fui dispensada, queria lembrar do ódio descomunal que sinto, mas a única coisa que me vinha a cabeça era provar que ainda sou atraente aos olhos dele.

- Eu preciso te falar uma coisa... – Falei, entre seus lábios. A mão dele foi para o meu pescoço.

- Fala. – Ele mordeu o meu lábio inferior e quase, quase mesmo nos beijamos.

- Me desculpa por aquele dia em que me descontrolei. - O meu pedido de desculpas o pegou de surpresa. Michel franziu o cenho, e sem muita coragem, continuei. – Sei que foi uma atitude muito idiota a minha, mas não sabia como agir diferente. Finalmente entendi que preciso de você aqui na empresa, então estou disposta a deixar minhas mágoas de lado para trabalharmos juntos.

- Estou surpreso com esse pedido de desculpas. – Sorri, sem jeito. Apesar do alívio que dá, pedir desculpas é muito difícil. – E... Tudo bem, está desculpada. Eu não sei se devo pedir desculpas pela minha atitude, mas...

- Não... – Eu balancei a cabeça, negativamente. – Teve o seu lado bom.

- Teve? – Ele perguntou, me puxando novamente ao seu encontro. Seu sorriso canalha voltou a fazer meu estomago girar de uma sensação tão boa que eu não sabia dar nome.

- Sim, teve, mas eu ainda te odeio, ok?

- Eu também odeio você.

Michel passou a mão por meu rosto, carinhosamente. Coração disparado, mão tremendo, pensamentos confusos. Queria xinga-lo por me fazer lembrar o quão bom era estar ao seu lado e esquecer do mundo lá fora. Ele me abraçou apertado e eu retribuí, completamente inebriada por seu cheiro.

- Esse abraço sela uma trégua entre nós, certo?

- Certo. – Eu deitei a cabeça em seu peito e relaxei, sentindo sua mão fazer desenhos por minhas costas. – Você tem que ir, não tem?

- Tenho.

- Então vai!

- Acho que não quero mais.

- Por que?

- Eu estou bem aqui.

- Michel... – Ele segurou meu rosto e por alguns segundos eu tive certeza de que me beijaria. – Vai logo!

- Não consigo, Malu!

- Então eu vou.

No momento que me soltei dele, a porta se abriu e Leila entrou na sala.

- Michel eu preciso te mostrar o que... – Ao me ver, sua expressão mudou. Parecia envergonhada. – Desculpe, eu não sabia que a senhora estava aqui. – Ela ajeitou os papéis que segurava.

- Eu já estou de saída. – Dei um sorriso bem falso para ela – Boa reunião, Taino. Depois me fale como foi. - E saí da sala balançando meus cabelos, que são lindos, loiros e ORIGINAIS.

Não confio nessa garota. E não confio nessa “relação” dela com o Michel. Algo nela me lembra a Elena. Até o jeito de me olhar lembra a maldita Elena.


Horas depois...

E mais tarde, quase final do expediente recebi um e-mail com o título

“Prontos para mais um Prêmio? –
Comerciais do ano de 2014”.


Olhei na cópia do e-mail e tinha o nome de Michel. Levantei de minha cadeira e segui para o outro lado do corredor. Neusinha e a jaburu ruivo já tinha ido embora. O 3º andar era tanto executivo como administrativo, e comparado aos demais que comportam setores com equipes grandes e muitas salas. No andar que trabalhamos tem 2 salas executivas (a minha e de Michel), o setor do RH que é mais para o final do corredor, e uma escada que dá acesso aos outros andares. Tem também um elevador que parece que foi fabricado em 1970, mas serve para quem não curte muito andar de escada.

- Michel? – Entrei em sua sala e o encontrei trabalhando em seu notebook. Ele me olhou fixamente e depois sorriu. Desgraçado lindo. – Eu atrapalho?

- Não, senta aí. – Obedeci. – O que foi?

- Recebi um e-mail sobre uma premiação e não entendi bem. Você já viu?

- Não. Espera um pouco.

Minha mente vagou para o dia em que Immanuel me mostrou a lista de 300 funcionários da BMP do Brasil e eu encontrei o nome de Michel. Foi a primeira vez depois de anos de terapia que tive uma crise de choro. As idas ao consultório de Carla que eram uma vez na semana passaram a ser três. Isso é quando eu não ligava para ela de madrugada aos prantos para conversarmos.

Eu não queria voltar.

- Ah... – Ele sorriu, animado. – Há dois anos a BMP concorre a esse prêmio de melhores comerciais do ano. E cada ano acontece numa cidade turística diferente. Já fomos para Gramado, Santa Catarina e esse ano vai ser no Rio de Janeiro, no Leblon.

- Eu nunca conheci o Rio de Janeiro, mas falam que é lindo.

- Fui uma vez só lá, logo quando entrei aqui, mas não pude conhecer muito. É um lugar realmente único. O Paulo sempre me deixava ir nas premiações e geralmente eu levava o Bernard comigo.

- Ah, jura? – Perguntei, com ironia. Ele revirou os olhos sorrindo. – Será que você vai se incomodar se esse ano eu for contigo?

Michel balançou a cabeça, sinalizando um não, e mantinha no rosto uma agradável expressão de contentamento.

- Eu acho que você vai gostar bastante do povo carioca.

- Assim espero.

Novamente meu estomago deu um giro, de expectativa. Uma viagem para o Rio de Janeiro. Só nós dois... Será que isso vai dar certo?

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 10/10/2015
Reeditado em 11/06/2022
Código do texto: T5410007
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