Capítulo 10 – É o céu na boca do inferno esperando você – Parte 1


Abri a porta da minha sala no momento e dei de cara com Maria Luíza, que acabara de chegar na empresa. Ela estava de óculos escuros e usava uma blusa de manga comprida azul e calça jeans preta. A expressão totalmente distante, praticamente sem vida. Senti o alerta de que algo errado acontecia, mas quando tomei impulso para ir até ela, Leila me puxou para dentro.

- Você não sabe quem está aqui do Brasil, para a total infelicidade da nossa adorável chefe! – Exclamou, a voz banhada de excitação e alegria.

- Quem? – Perguntei, sem muito interesse.

- Primeiro de tudo, eu não consegui fazer com que o contato lá da Alemanha me confirmasse certas coisas, mas ela me disse que o herdeiro da BMP e a loira tiveram algo. Ele exerce um tipo de poder sobre ela.

- Você está falando do Immanuel Babinsky? – A pergunta saiu quase aos gritos. Leila assentiu, achando que eu compartilhava de sua empolgação. – Como você fez ele vir aqui?

- Eu cobrei um favor do rapaz do T.I e ele invadiu o e-mail da Maria Luíza, foi muito fácil. - Meu queixo caiu, de espanto. – Qual é! Você me pediu.

- Sim, mas...

Leila não me ouviu e continuou falando alegremente. Eu abri meu notebook e procurei por fotos de Immanuel Babinsky na internet. Tive que me sentar na cadeira para ter certeza que não via errado. Era o homem da foto que vi na sala da Malu há algumas semanas.

- Michel? – Eu ouvi Leila me chamar e demorei algum tempo para olha-la. – Você ouviu o que eu falei?

- Não, desculpe... O que você dizia? - Fechei o notebook lentamente quando a vi se aproximar. Leila sentou-se na mesa, segurou meu rosto e selou nossos lábios.

- Eu estou te dizendo que Immanuel Babinsky é o único homem capaz de dar um jeito na loira. E nossa... – Seus olhos tomaram um brilho de perversão. – Parece que ele é sádico. Algo assim... Gente, que loucura.

Aquela blusa de manga comprida da Malu escondia algo. Os óculos escuros. Eles já se encontraram. É óbvio.

- Leila quando foi que ele chegou?

- Ontem. Por que? – Leila ficou de pé e colocou a mão na cintura. – Michel você parece preocupado com ela ou é impressão minha?

- É claro que não, Leila! Eu preciso... – Me levantei também nesse momento a porta foi aberta. Maria Luíza ficou parada por alguns segundos, seu olhar fixo em mim. Até que balançou a cabeça, parecendo decepcionada, não sei. E o mais estranho é que a decepção dela também foi a minha. Ela saiu fechando a porta lentamente. Esqueci de Leila na sala e fui atrás dela, sem chamar a atenção das pessoas que passavam. Vi quando ela entrou na sala de reuniões. Respirei fundo e fiz o mesmo.

Malu estava de costas para mim, me aproximei, receoso e girei seu corpo. Ela estava com os braços cruzados, em defesa. Eu os descruzei. O azul de seus olhos que quase sempre eram sagazes me fitavam agora opacos, como se a chegada de Immanuel tivesse apagado tudo o que a mantinha viva. Ergui a manga de sua blusa e vi aquelas marcas que provavam que os boatos ditos por minha secretária eram verdadeiros. Eu tive uma súbita vontade de chorar quando percebi o que acontecia. Mesmo que eu não soubesse a história de Maria Luíza com ele vê-la naquele estado fora horrível.

- Agora você deve estar bastante contente, eu imagino. – Comentou com ironia, porém a voz tremia muito. Lágrimas começavam a deslizar por sua bochecha. Ela se afastou, rude. – Você conseguiu se defender de verdade. Você e aquela imbecil conseguiram trazer o pior monstro que já conheci na vida! COMEMORA MICHEL TAINO!

- Malu, essas marcas... – Eu ainda olhava para o seu braço, abismado. – Nós temos que fazer alguma coisa.

Ela entendeu o meu desespero como piada e começou a rir com raiva. O riso forçado viraram lágrimas. Quis abraça-la e dizer que me arrependia, mas era tarde. Eu tinha estragado tudo.

- Sabe... Uma das coisas que me fez ter medo de voltar ao Brasil foi saber que eu poderia encontrar você. – Sua declaração me pegou de surpresa, mas não a interrompi. - Eu ainda me lembro do desespero que senti quando vi seu nome na imensa lista de funcionários com quem trabalharia aqui. Obviamente, não poderia passar o resto da minha vida fugindo do meu passado. E por que diabos eu fugiria de Immanuel Babinsky? Quando cheguei aqui queria me vingar, Michel. Queria que você sofresse um pouco do que eu sofri, mas tudo acabou contribuindo para que eu me lembrasse de como era ter você na minha vida.

Flashs do nosso final de semana no Rio de Janeiro passaram por minha cabeça. Ela jamais acreditaria que aquilo tinha sido especial para mim. Não depois de eu ter trazido alguém que a perturba como Immanuel Babinsky.

- Só que estar na sua vida – Ela puxou a respiração para concluir o que iria dizer. – É também saber da sua capacidade de me destruir.

No momento que a vi sair da sala fui mais rápido e a segurei pelos ombros. A mágoa em seu olhar fez eu me sentir o pior ser humano da face da terra.

- Malu nós vamos fazê-lo ir embora! Vou descobrir um jeito de reverter isso. Não sei o que ele foi para você, mas se ele te machuca desse jeito é...

- Você não tem ideia do que Immanuel Babinsky é capaz de fazer. – Ela tentou se soltar e não conseguiu. Eu precisava de mais informações sobre essa história. – Você não tem ideia do que ele é capaz de fazer caso descubra o que você foi na minha vida. E sinceramente? Torço para que ele descubra e faça você se arrepender de ter nascido, como já fez comigo.

Eu a soltei, então. E aquela foi última vez que a vi naquele dia. Immanuel Babinsky chegou na empresa e mal cumprimentou os funcionários, indo direto para a sala de Malu, onde ficou lá o dia todo. Na minha cabeça eu só conseguia imaginar ele a machucando. E se não fizesse algo iria enlouquecer.

Chamei Neusinha de canto e a encarreguei de uma missão urgente. Ela não estava entendendo o motivo do meu pedido, mas sabia que a chegada de Immanuel era algo ruim. Se eu o trouxe até o Brasil, era a minha obrigação manda-lo de volta para o seu país.


No final da noite, quando fui para a casa de Bernard, ele parecia já saber de toda a situação. Maria Luíza mandara uma mensagem no seu celular pedindo para que se encontrassem.

- Por que ela não quer a minha ajuda? – Perguntei, e quase na mesma hora percebi que ainda mantinha o mesmo ciúme no que se dizia respeito a Malu e Bernard.

- Meio óbvio, não? Ela está te protegendo desse cara. - Suspirei, desolado. De vingado, de repente eu me sentia o vilão da história. – Michel, o que está feito, está feito. Pelas palavras dela esse cara é doente. Então antes que ele acabe com a Malu nós precisamos descobrir um jeito de manda-lo de volta para o seu país. 

- Eu vi o braço dela, ela estava cheia de marcas... – Comentei, lembrando da sensação agonizante que era ver aquelas marcas em Maria Luíza. – O cara é sádico, Bernard.

- Eu queria entender porque ele tem tanto poder sobre ela... A Leila não descobriu isso? – Ele perguntou, pensativo. Balancei a cabeça, negativamente. – Sádicos costumam ter várias vítimas, talvez ele tenha mais vítimas na Alemanha.

- Encarreguei a Neusinha de descobrir isso. Juro por Deus, Bernard que não sabia que a Leila já tinha resolvido tudo... O final de semana com a Malu no Rio de Janeiro foi algo que...

- Que...?

- Mexeu comigo. – Bernard riu, como se tivesse contado alguma obviedade. – Não vem com suas frases de efeito sobre nós dois! Você sabe muito bem que tem muito mistério atrás do sumiço dela.

- E isso não impediu de vocês se envolverem. As coisas parecem realmente claras para mim, Michel. – Fiquei em silêncio.  – Só vocês que não se aceitam porque tem mágoas e mentiras. Ela não conta o que viveu na Alemanha ou o que a fez ir embora. Você não conta que tem um filho com a Elena.

- Você sabia que a tia dela tinha morrido?

- Não. – Sua expressão tornou-se surpresa. – Quanto tempo faz?

- 8 anos.

- Exatamente quando ela sumiu do Brasil. Ninguém sabe como a Maria Luíza foi para a Alemanha.

- Não tenho ideia. – Falei, com sinceridade. Bernard colocou a mão no queixo, pensativo. – O que?

- Vou tentar descobrir isso, mas antes temos que fazer esse cara ir embora.

Foi quando, de repente uma lembrança me veio à cabeça.

- Bernard, você lembra do vestido que a Elena usou na formatura da escola?

- Michel o que isso tem...

- Você lembra ou não? – Ele se levantou, foi em direção a estante da sala e pegou uma caixa. Era a sua caixa de fotos da nossa época da escola.

- Esse aqui vermelho, não? – E me passou a foto. Um trio de jovens sorridentes. Eu, Elena e Bernard usando roupas elegantes de festa. Os olhos castanhos de minha ex-mulher eram vitoriosos. – O que tem?

- Me lembro de pedir a Malu para usar esse vestido. – As lembranças começavam a vir muito rapidamente. – Nós tínhamos ido comprar juntos e eu disse que ficaria lindo nela... Me lembro de ter reparado que a Elena usava o mesmo vestido no dia da formatura, mas fui tão babaca que deixei passar. Ela me disse que a dona Ana Paula veio na porta do salão, onde recepcionava as pessoas e disse que a Malu não viria a formatura.

- Sim, me lembro disso. Você quis ir atrás dela, mas a Elena não deixou. Depois nós ficamos bêbados e você foi para a casa dela.

- No dia seguinte Maria Luíza não estava mais aqui. Fui até a casa dela e estava tudo fechado.

- Sim. Por que você lembrou disso agora?

- Ninguém sabe se realmente a Malu não foi até o salão de festas.

- Michel... – Bernard me olhou, sério. Parecia mergulhado em suas próprias lembranças. – Me questionei isso um tempo depois que nos formamos, mas nunca te falei, pois, de certa forma a Elena nos envenenou contra a Malu. Nós falhamos nisso.

- Sim, falhamos. Eu vou atrás de algumas informações e você fique ao lado da Malu. Para tudo.

- Eu vou cuidar dela.

E assim que deu início a investigação para me ajudar a entender o sumiço de Maria Luíza.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 21/10/2015
Reeditado em 28/07/2022
Código do texto: T5422193
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