Capítulo 11 – Os demônios de Malu


Quando entrei pelo corredor, confiante, a primeira pessoa que vi foi Leila. Seus olhos pousaram no meu curativo na testa, feito por Michel, depois me olhou dos pés à cabeça. Eu o fiz passar na minha casa para trocar de roupa, e escolhi meu melhor vestido para a ocasião. Michel estava calado, e realmente não parecia preocupado com o que viria após a minha conversa com Immanuel. Tentei odiá-lo com todas as minhas forças, mas tudo o que vinha a minha cabeça era o quanto eu precisava dele.

Cumprimentei Neusinha com um longo e emocionado abraço.

- Tem um envelope com tudo o que você precisa na sua mesa. – Ela sussurrou em meu ouvido e se afastou.

- Obrigada, querida. – Olhei para Leila, que encarava Michel, fuzilando-o com o olhar. – É isso mesmo que você está pensando. – Me aproximei dela, que baixou a cabeça na mesma hora. – Ele me ajudou. Desde o início. Você é burra, Leila. E nós iremos conversar depois.

Entrei na minha sala, seguida por Michel.

- Isso foi mesmo necessário? – Ele perguntou com a voz carregada de culpa.

- Se você estiver com dó vai lá secar as lágrimas dela.

Michel deu uma risadinha, mas voltou a expressão de culpa. Não, eu não vou demonstrar nenhum sentimento. Não, não e não!

- Você vai ligar para ele? – Perguntou. Eu sabia que falava de Immanuel.

- Sim. Eu quero acabar com isso o quanto antes. – Ele balançou a cabeça, assentindo. Perdido em seus próprios pensamentos, vi quando me deu as costas e foi rumo a porta. Foi naquele mesmo momento em que meus pés tomaram vida própria e o joguei na porta, selando nossos lábios desesperadamente. Eu vivia numa corda bamba eterna que se caísse para direita, era a Malu do Michel e para a esquerda, a Malu que viveu anos na Alemanha.

Ele segurou meu rosto, tão afoito quanto eu. Sua respiração era ofegante. Mordi seu lábio, com mais força que o normal e fitei seus olhos verdes que pareciam tão mais vivos quando me olhavam, lembrando um pouco ao Michel da minha adolescência. Toquei seu rosto e o beijei de uma forma que até para mim mesma foi surpreendente. Senti quando as mãos dele levantaram meu vestido, deixando-o na cintura. E depois fez o mesmo com minha perna, me encaixei com facilidade e voltei a beija-lo.

- Michel... – Gemi, quando suas mãos apertaram minha bunda e seus lábios beijavam meu pescoço. Giramos de modo que eu ficava encostada sob a porta, sendo totalmente dominada por ele.

Coloquei meus pés no chão, novamente. E assisti prazerosamente Michel a descer a alça do meu vestido, deixando alguns beijos na região do meu colo. Ele viu meu sutiã, sem alça e deu um sorriso cheio de luxuria. Eu joguei a cabeça para trás quando senti sua boca em meu mamilo, sugando com força, e me pressionando a sua virilidade.

- Malu... – A voz saiu rouca, bem próximo do meu ouvido. Ele passou o polegar pelo meu mamilo, até deixa-lo entumecido. Eu comecei a erguer sua camiseta, mas parei no momento em que meu celular tocou. Michel me olhou, esperançoso de que eu não fosse atender.

- Pode ser importante. – Respondi, arrumando o sutiã e o vestido no corpo. Me afastei, indo em direção a mesa onde estava meu celular. Olhei no visor e não reconheci o número, mas algo já me dizia ser Immanuel. Ouvi Michel abrindo a porta e não tive como segura-lo. Talvez seja melhor desse jeito. É como tem que ser, afinal.

Respirei fundo antes de finalmente atender a ligação.

“Maria Luíza.”

- Olá, Immanuel!

“Ich werde Sie am Ende Ihrer verachtens Hündin”*

Dei um meio sorriso. Ele só fala comigo em alemão quando está muito irritado, mas ainda forçava a manter a suavidade na voz, como se falasse com um ente querido.

“Sie verlieren Ihre Ausbildung, Immanuel? Deutsch Männer gelten als die am besten ausgebildeten Wesen auf dem Planeten!”**

“Und auch die grausamste. Italiener sind Mädchen in der Nähe von uns.”***

“Ich glaube nicht, ich bezweifle. Kommen Sie an die Firma müssen reden.”****


Finalizei a ligação com um sorriso vitorioso nos lábios. Ele vem ao meu encontro. Coloquei o celular novamente sob a mesa e me sentei para ver o envelope que Neusinha deixara para mim.

Haviam vários papéis. Alguns eram de um hospital Psiquiátrico de Berlim, falando sobre o perfil de Immanuel. Outro era policial, a respeito da moça de 15 anos que ele abusou. Li tudo atentamente, e confesso que não me choquei com nada. O que me surpreende é Ernest Babinsky ter sido abandonado pela esposa, mas agora faz sentido o filho ser como é.

Ele chegou uma hora depois. Estava elegante com um terno escuro, que o deixava ainda mais temível. Seu olhar encontrou o meu e um sorriso nasceu em seus lábios. Immanuel sentou-se à mesa e me olhou, numa curiosidade ameaçadora.

- Espero que a nossa conversa seja boa o bastante para me impedir de acabar com você nesse momento. – Falou, ainda mantendo o mesmo sorriso agradável. – Oh! Me perdoe pelo machucado na testa.

Joguei o envelope para ele. Immanuel franziu o cenho.

- Logo você que se gaba tanto de as mulheres viverem a sua mercê acabou estuprando uma garota de 15 anos... – Foi um prazer inigualável vê-lo olhar as provas e perder a pose. O rosto ficou branco. – Mas eu compreendo. Ver a sua mãe traindo seu pai deve ter sido horrível mesmo. Traumático. Por que não punir todas as mulheres, não é? São iguais a sua mãe.

- Não que você saiba o que é ter uma mãe. – Retrucou, friamente.

- Bom, tendo em conta que a sua foi embora, estamos na mesma, certo?

Ele fechou os punhos, com ódio. Apesar de teme-lo, me forcei a continuar.

- Imagina que horror se eu vou até a Alemanha e faço um escândalo sobre a minha descoberta. O seu pai odeia escândalos, você sabe bem disso... Posso até ler as manchetes nos jornais de Berlim “Filho de Ernest Babinsky é acusado de estuprar uma adolescente”. Escândalos são ruins para os negócios.

- Eu vou ter tanto prazer em te matar com as minhas próprias mãos, Maria Luíza. Da mesma forma que eu devia ter matado aquela imbecilzinha.

Era sempre assim que ele se referia as mulheres. Com desprezo, nojo, um ódio que era culpa de seu próprio trauma.

- Você não vai me matar, Immanuel. Você só se é poderoso quando está batendo em alguma mulher, perto do seu pai eu sei muito bem como as coisas funcionam.

- Você deveria morrer, Maria Luíza. Você não tem mãe, não tem pai... – Eu tentei não me abalar diante de suas palavras. – Você é completamente sozinha no mundo, além de ser uma mulher perturbada.

- Eu tenho muito o que viver, Immanuel. Muito. – Rapidamente minha mente vagou para o rosto de Michel. Engoli seco. – Se você me deixar em paz de uma vez por todas eu deixo essa história para lá, mas se você insistir eu viajo para a Alemanha e falo tudo o que sei.

- Você sabe que temos os nossos segredinhos, não sabe? Se eu me ferrar, te levo junto. – Ele piscou e deu um sorriso de canto. Eu sabia do que falava do acidente ocorrido há alguns anos.

- Se esse assunto parar na polícia vão verificar que as minhas digitais não estão naquele volante, apesar de você ter me feito uma lavagem cerebral.

- Você me paga, Maria Luíza. Ah, você me paga...

Immanuel ficou de pé, exalando toda a sua elegante fúria. E naquele momento eu soube que tinha vencido uma batalha contra um dos meus maiores demônios. Eu o observei ajeitar o terno e sair da minha sala. A porta foi batida com agressividade. E só depois que ele saiu que eu pude de fato respirar e também tremer.

Neusinha entrou na sala alguns minutos depois com um copo de água nas mãos. E eu nunca a adorei tanto como agora.

- Como você está?

- Agora eu estou ótima! – Bebi a água rapidamente. – Ótima!

Ela riu, segurando a minha mão de forma maternal. O que me fez lembrar de minha tia.

- Obrigada Neusinha. Você pode chamar o...

Não precisei completar minha frase. Michel abriu a porta da sala. Não soube definir o seu olhar. Era de quem sabia o que eu ia fazer, mas tinha mais alguma coisa, talvez uma dor, não consegui definir. Esse era o nosso problema. Nós nunca deixaríamos de nos magoar. A nossa razão sempre falaria mais alto. Algumas vezes éramos traídos por nossas emoções, mas a razão... Ah, a razão.

- Então... – Ele colocou a mão na barba por fazer e deu um sorriso triste. Eu engoli seco e baixei a cabeça. – Bem que você disse que ainda teria o prazer de me despedir.

Era surpreendente vê-lo fazer piada de si mesmo, geralmente quem fazia isso era Bernard. Balancei a cabeça, concordando. Queria parecer indiferente, mas toda vez que ele me lançava aquele olhar triste eu só tinha vontade de me jogar em seus braços.

- A diferença é que naquele dia eu não me importava com você. – Declarei, mas não consegui olha-lo nos olhos. – Ou achava que não.

- Entendo.

- Chame a Leila. – Pedi. Mesmo confuso, ele saiu da sala para chama-la. Quando voltou, ficou no meio da sala, silencioso. Leila me olhou com o mesmo desprezo que uma garota de longos cabelos escuros me olhou há alguns anos, mais precisamente no meu ensino médio.

- O que a senhora deseja? – Perguntou, polidamente.

Michel olhou para o teto, como se pedisse algo a Deus. Deve ser paciência ou forças.

- Pode se desarmar, você já sabe que vai ser demitida. E devo admitir que fazer isso é um prazer imenso já que me dá nojo olhar para a sua cara cínica. - Leila olhou para o Michel, esperando que ele intercedesse. Dei uma risada de canto. – Não adianta olhar para o Michel. Ele não vai te salvar.


Leila lançou um olhar traído para Michel, depois bufou com raiva. Fiquei de pé e depois fui para a frente da mesa, sentando-me sob ela. Cruzei as pernas e lancei a ela o meu melhor sorriso.

- Invadir o sistema da sua chefe dá justa causa, Leila. Vai perder todos os seus direitos por ser uma completa imbecil. Bom, não quero me cansar com você. Pegue suas coisas e suma da minha frente. E para sempre, eu espero. Só volte aqui para assinar os papéis da demissão.

Ela abriu a boca duas vezes, pensei que fosse falar algo, mas não falou. Eu esperava que confirmasse a minha intuição sobre sua semelhança com Elena, mas ela apenas saiu da sala com passos agressivos, deixando-me sozinha com Michel. Demita-la foi simples. O problema era ele. Cruzei os braços e baixei a cabeça novamente.

Meu coração disparou quando Michel veio em minha direção, parando na minha frente e me forçando a olha-lo. Eu nem notei que chorava. Ele segurou meu rosto, suavemente e me deu um beijo na testa antes de sair num silêncio que aumentou a minha angústia. No fundo sabe o quanto é difícil para mim. Outra vez a vida nos afastava. Só que dessa vez eu o via partir diante dos meus olhos e era covarde demais para ir atrás. Uma vez a minha tia me disse que o amor era muito covarde. Ela estava certa. Amor é o sentimento mais covarde que existe.







Eu vou acabar com você sua cadela desprezível. *

Você está perdendo a sua educação, Immanuel? Homens alemães são considerados os seres mais educados do planeta! **

E também os mais cruéis. Os italianos são moças perto de nós. ***

Eu não duvido. Venha até a empresa precisamos conversar. ****

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 03/11/2015
Reeditado em 11/06/2022
Código do texto: T5436095
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