Capítulo 12 – O aniversário de Bernard


Uma semana se passou após eu demitir Michel e Leila da empresa. Não foram dias fáceis para mim. É claro que tudo seguiu normalmente. Trabalhei, cumpri meu horário, fui as reuniões necessárias e não deixei transparecer o quanto a ausência dele me perturbava. Mesmo sabendo que os olhares preocupados de Neusinha eram claros sobre do quanto eu sofria calada. Mesmo sabendo que quando eu olhava no espelho só via o vazio que uma única pessoa era capaz de me fazer sentir.

No horário do almoço recebi a visita de Bernard. Ele me convidou para ir a uma pizzaria na zona Sul. Não houve menção do nome de Michel, apesar dele já estar a par do assunto.

- Você está diferente! – Exclamei, franzindo o cenho enquanto o olhava de forma avaliadora. Ele revirou os olhos, com graça.

- Estou mais gostoso.

- Muito. Um tesão.

- Você sabe que eu sou sim. – Foi a minha vez de revirar os olhos. – Eu estou o mesmo de sempre, Malu. Não viaja.

- Está diferente sim. Parece mais magro. Ei! – Sorri para ele. - Seu aniversário está chegando, não é?

Ele balançou a cabeça, assentindo. Vi quando segurou o volante com mais força, parecendo tenso. E automaticamente lembrei que seu aniversário também lembrava a mãe, com quem nunca teve um bom relacionamento.

- É sobre isso que eu quero conversar com você também. – Disse, quando estacionamos em frente a pizzaria. – Mas vamos comer primeiro, estou faminto.


O almoço foi leve e divertido. Bernard me contou como era a sua rotina de trabalho. “É difícil trabalhar com um monte de mulher, não vou negar, mas é legal. Cada dia é uma novidade.” Depois me lembrou que sua vida amorosa estava parada, mas que não se importava com isso no momento atual que vivia. Isso foi a deixa para entrarmos no assunto “Michel”.

- Ele me ligou hoje de manhã, queria entender o porque do RH não ter liberado a carteira de trabalho dele... – Eu engoli seco, mas disfarcei. – O que você fez, Malu?

- Eu? Nada!

- Malu...

Eu suspirei, alto.

- Ok. Eu pedi para segurarem a carteira dele. Não sei se fiz o certo quando o demiti. – Bernard me olhou fixamente, depois franziu o cenho. – O que?

- Ele não parecia chateado com isso. Acho que está mais chateado com a história de vocês.

Eu juro que quis parecer que estava nem aí, mas eu sou constantemente traída por mim mesma.

- Por que?

- Ele me disse que não aguenta mais essa situação que vocês vivem.

- Ah...

- Bom, sexta-feira depois do expediente vou comemorar meu aniversário num bar bem bacana ao lado da loja. Ele vai estar lá. Eu espero que você vá também.

- Eu estarei lá. É claro.

- Sem problemas vocês dois no mesmo lugar?

- Bernard... – Dei uma risadinha. – Eu e Michel somos o casal de ex-namorados mais sociáveis do planeta.

- Ah, a ironia...


                                   Dias depois...


Só voltei a ver Michel no agradável Bar que Bernard escolheu para comemorar seus 25 anos. Foi uma situação estranha. Nos cumprimentamos de longe, com um aceno de cabeça. Ele me olhou dos pés à cabeça, mas não esboçou uma reação qualquer. Olhei para o meu vestido, tão demoradamente escolhido e suspirei, desolada. Michel tem o direito de se sentir assim. Eu encontrei Bernard e o parabenizei. Ele viu para quem eu olhava, sem conseguir disfarçar.

- Você esperava por isso, não é? – Perguntou, num tom de voz que só nós dois pudéssemos ouvir.

- Sim, só... – “Nunca fico acostumada com a beleza dele. Ou com o poder que ele exala. Ou com o ciúme que sinto.” – É estranho, afinal, faz um tempo que eu não o vejo.

- Entendo. – Bernard segurou minha mão. – Vem, vamos beber!

- Vamos.

Dei uma olhada rápida onde Michel estava. Uma loira de cabelos no ombro parou ao lado dele.

Bernard e eu começamos a beber coisas leves, pois ele ainda recebia parabéns de suas funcionárias e até de alguns clientes que gostavam muito dele. Era engraçado vê-lo tão contente e agitado, quase como se fosse a última vez que fosse viver aquilo.

- É muito bom esse bar, não é? – Ele perguntou, depois que recebeu parabéns de sua funcionária.

- Demais! – Exclamei, observando a decoração, totalmente americana. Bernard cansado de beber em copos, virou uma garrafa de champanhe. – Vai com calma!!

- Eu preciso beber bastante, Malu! Vem, vamos dançar!

Eu nem tive tempo de responder, Bernard me puxou pela mão e me levou para o centro do bar. Nos movimentamos sob as batidas de um pop americano. A mão de meu velho amigo passava por minha cintura, e em seguida eu desci até o chão sensualmente. Quando me levantei, Bernard colou sua testa na minha.

- Malu. – A voz era rouca e meio enrolada.

- Oi...

- Eu preciso dizer isso para você, mesmo sabendo que talvez me arrependa. - A urgência em suas palavras fez com que eu ficasse em silêncio. Ele precisava falar. – Eu fui muito apaixonado por você na adolescência.

- Bernard...

- Escuta, só escuta. – Ele pousou o dedo indicador sob meus lábios. Eu sentia olhares me queimando as costas, mas me recusava a olhar. – Eu me apaixonei por você, foi uma coisa de adolescente e eu deixei para lá por causa do Michel. Sei que você também sentia algo por mim, não era nada perto do que sente por ele, mas era algo... Sempre soube que vocês se amavam. É verdade. Você só não admite. O que eu vou fazer agora talvez seja a última vez que eu faça...

Então aconteceu ali. Diante de 30 pessoas. No aniversário de meu velho amigo e parte que completava o trio da nossa história. Foi um beijo angustiado, doloroso. Bernard me apertou pela cintura e depois segurou o meu rosto com suavidade. Era uma gentileza que contradizia seu jeito de me tratar. Lembrei com um carinho especial de uma época que também sentia algo por ele, mas as nossas diferenças nos impediam de admitir, e também, claro, o meu relacionamento com seu melhor amigo. O beijo durou tempo suficiente para perdermos o ar e quando nos afastamos, Bernard beijou a minha testa e saiu cambaleando para dançar com suas funcionárias. Eu fiquei parada, o olhando aturdida, sabendo que se me virasse teria de encarar Michel.

Não que isso tenha adiantado, já que ele parou atrás de mim alguns minutos depois. Eu me virei, o encarei por alguns segundos e saí na mesma direção que Bernard. Notei, tensa, que ele me seguia.

- Bernard. – Murmurei, ao lado dele, que novamente segurava uma garrafa de champanhe nas mãos. – Chega de beber.

- Deixe ele beber, Malu. É uma data especial. – Michel sentou-se na poltrona vazia, ao lado da mesa que Bernard bebia com as funcionárias. – Não é todo dia que se faz 25 anos e ganha um beijo como aquele.

Não faltou muito para o sarcasmo transbordar por sua boca. Michel deu um meio sorriso em minha direção, depois olhou para Bernard, que respondeu o olhar com deboche. Eu me sentei a mesa e tapei os olhos com as mãos.

- Meninas... – Michel murmurou para as funcionárias, a voz cálida, impossível de negar qualquer a coisa a ele.. – Vocês podem nos dar licença? É uma conversa de velhos amigos.

E como não existe mulher na terra que é capaz de resistir ao sorriso de Michel Taino, as moças deixaram a mesa livre para nós três.

- Então! – Ele continuou sorrindo irritantemente. – Tem algo que eu deva saber?

- Você é ridículo. – Sibilei, ameaçadora. O que o fez rir mais ainda. – Ele me beijou porque está bêbado.

- Não me vem com essa! – Rebateu ele. – Ele te beijou porque é apaixonado por você!

Revirei os olhos e o ignorei. Bernard colocou o cotovelo na mesa e apoiou o rosto na mão, fingindo estar entediado com nossa discussão.

- Eu não sou apaixonado por ela, Michel. Se eu fosse você saberia. – Disse, calmamente. Ele cheirava a champanhe e cigarro. – Se bem que tem muita coisa aqui que precisa ser dita, vocês não acham?

Michel o encarou por um longo tempo. Eu não soube estudar aquele olhar. Era tanto um olhar de surpresa como também um olhar de medo, como se Bernard fosse revelar seu maior segredo.

- Por exemplo? – Perguntei, cruzando os braços.

- Que você está arrependida de ter despedido o Michel, mas orgulhosa como é não irá admitir.

- BERNARD! – Gritei. O desgraçado riu. Eu odeio gente bêbada!

Michel e eu nos olhamos, mas eu não sustentei seu olhar por muito tempo.

- Afinal, todo mundo tem o direito de se arrepender. Michel está arrependido do que fez contigo, mas quem disse que é fácil vencer o orgulho do diabo loiro de nome Maria Luíza? – Ele agora olhava para Michel. – Tanta coisa a ser dita, não é?

- Bernard, você... – Ele começou a falar, mas Bernard estava mesmo decidido a falar o segredo. Eu sentia meu estomago girar de ansiedade.

- Ela tem que saber a verdade! Vocês já não são cheios de segredo?

- Não cabe a você decidir isso, não acha? – As palavras saíram entredentes e um tanto ameaçadoras.

- O que eu preciso saber?

- De nada! – Michel respondeu e levantou-se na mesma hora, me puxando junto com ele.

- Michel! – Eu gritei, tentando me soltar.

- VAI LÁ, MICHEL, UMA HORA OU OUTRA ELA VAI DESCOBRIR MESMO QUE VOCÊ TEVE UM FILHO COM A ELENA!

Demorei alguns minutos para processar aquela informação que veio sem a menor suavidade. E quando a processei foi igual a levar um soco no nariz, aqueles que acontece quando seu adversário te pega de surpresa. Michel me soltou automaticamente, como se nossos corpos tivessem dado choque. Eu encarava um Bernard sem ar por ter gritado a revelação a plenos pulmões. Era por isso que ele havia bebido. Precisava falar, e só bebendo teria coragem. As pessoas na festa estavam indiferentes a nossa discussão graças a música. Lentamente olhei Michel, que não conseguiu corresponder. Saí de lá correndo no momento que veio o total choque. Um filho com a Elena.

Era esperado algo assim, é claro.

Só parei quando já estava na rua. Eu mal conseguia respirar, e me forçava para o ar voltar. Elena era completamente obsessiva por Michel, se fosse preciso, passaria por cima de qualquer um por causa dele. Como fez na nossa formatura em que me humilhou diante de sua turminha de amigos. Me lembro com exatidão dela me dizer que Michel só me pediu em namoro porque queria tirar a minha virgindade. E foi naquela noite também que eu perdi a minha tia para sempre. Tudo se entrelaçava. Elena me tirou Michel e ainda por cima conseguiu dar um filho a ele. Um laço eterno.

- O que você esperava?

Eu ouvi a voz angustiada e quase chorosa de Michel ao meu lado, mas continuei presa em meus próprios pensamentos. Se Elena é mãe de um filho de Michel, por que eles não moram juntos? Por que eu nunca a encontrei?

- Eu não sei o que esperava... Mas me diga, vocês começaram a namorar depois que eu – fiz aspas com o dedo – “sumi”? Deve ter sido uma benção para a Elena, não é? Principalmente depois daquele dia na formatura. – Michel franziu o cenho ao ouvir minhas palavras. Eu sabia que falava demais, mas não conseguia me conter. – Quer dizer... Que mentira ela inventou para você naquele dia? Deve ter dito que eu estava com outro e é claro que meu então namorado não se preocupou em ir atrás para saber a verdade.

- Por que você não me conta a sua versão daquele dia?

- TALVEZ PORQUE NÃO FAÇA A MENOR DIFERENÇA? – O grito se misturou as lágrimas que desciam quentes por minhas bochechas. Michel passou a mão no rosto e vi então o sofrimento em seu semblante. – VOCÊ É PAI DE UM FILHO DA ELENA A GRANDE RESPONSÁVEL PELO PIOR DIA DA MINHA VIDA!

- Por que? O que ela fez?

Percebi que ele queria me fazer falar e por isso parei no mesmo instante. Eu o olhei por um longo tempo e não soube definir meus sentimentos em relação ao que acontecia. Era verdade que ele tinha culpa pelo nosso relacionamento mal acabado. Era verdade que eu nunca facilitei para ele. E também que Elena tinha nos vencido. Eu só devia aceitar isso e não o bombardear de acusações.

- Eu só segui em frente, Malu... – Conforme falava, vi que seus olhos brilhavam, ameaçando chorar. Respirei fundo, não sei se estou preparada para isso. – Eu nunca a amei e continuo não a amando, mas depois da sua partida fiquei sem saber o que fazer, e ela estava sempre ali, me rondando, sempre solicita. Só aceitei o que achava estar destinado a mim. Foi um erro, eu sei, mas ela me deu a melhor coisa da minha vida, o meu filho.

Era uma cena um tanto inusitada de se imaginar. Michel e seu filho. Ele sorriu, e então a primeira lágrima desceu por sua bochecha. Me obriguei a me manter parada no mesmo lugar, para não abraçá-lo.

- Fiquei anos esperando você aparecer, Malu. Eu fui na sua casa no dia seguinte, não tinha mais nada, é como se você e sua tia nunca tivesse morado ali... Não tinha uma carta sua de despedida ou um telefonema.

Eu queria falar para ele que o dia após a morte da minha tia tinha sido o pior pesadelo que vivi desde que perdi a minha mãe, mas algo me impedia. Não parecia a hora de Michel descobrir que a morte dela de certa forma também o envolvia. Fechei os olhos, impedindo as imagens daquele dia de voltarem. Quando os abri, um par de olhos verdes e chorosos me olhavam, como se pedissem desculpas.

Ele não tinha culpa. A grande e pesada verdade sobre o nosso relacionamento era essa: Michel não tinha culpa de não termos ficados juntos no passado. Eu passei muito tempo o culpando para finalmente perceber que agindo sozinha, Elena era muito mais esperta que nós dois juntos.

- Eu não tenho como voltar atrás, Malu. Não dá para voltar naquele dia e fazer diferente, de ter me negado a ir sozinho para o baile porquê você estava com vergonha de que eu a visse com o vestido antes da hora... – Ele tocou o meu rosto, suavemente. Eu abri um meio sorriso, mas por dentro me sentia destruída. – Eu só posso fazer diferente a partir de agora... Desde que você me permita isso.

Eu olhei para os olhos dele. Pro verde mais bonito que eu já tinha visto na vida. Lembrei de como eram capazes de me assustar, e de me fazer viajar. De como eu o amava no passado, e não aceitava isso. E de como eu continuo sentindo demais por ele. Depois me veio a imagem do filho dele na cabeça, uma cópia dele e da Elena. Ela tinha dado a ele a benção de ser pai. Coisa que nunca poderei fazer. Dei um passo para trás, e mais outro. Até parar ao lado do meu carro.

- Malu... – A voz dele por um momento me fez parar. Coloquei a mão na porta do carro. – Não vai embora.

- Eu não posso. – Minha voz saiu num fio, quase inaudível. – Eu simplesmente não posso.

Entrei no carro, e o liguei apressada, antes que a voz dele vencesse o meu orgulho. Elena tinha conseguido então. Me tirou Michel, a chance de ter uma vida ao lado dele e ainda lhe deu um filho.

Elena, que todos julgávamos como louca e passional era na verdade a grande autora da minha história com Michel. E como todo autor, quando o personagem não lhe é mais conveniente, ele simplesmente some da história.


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Eu honestamente considero o capítulo 13 um dos melhores capítulos que já escrevi para Um Dia. É +18 e conta a verdade sobre Elena. Personagem que está para chegar na história.


Prévia capítulo 13 - Quem é você, Elena?

"Moravam em uma casa espaçosa o bastante para Elena ter um quarto onde pudesse fugir de sua mãe histérica e receber visitas noturnas de Henry. Sara tomava remédios para dormir, o que deixava a madrugada livre para os dois.

Elena desconhecia o significado de três palavras: escrúpulos, culpa e moralidade."

Posto em breve!!

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 03/11/2015
Reeditado em 11/06/2022
Código do texto: T5436101
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