Capítulo 14 – Pai

Alguns dias depois...

- Como você tem coragem de vir a minha casa num sábado as 8:00 da manhã dizendo que encontrou meu pai em um bar? Você está se drogando, Michel?

Michel bufou, com raiva. Ele estava tão lindo que eu tive que me focar para dar credibilidade ao que falava com tanta insistência.

- É sério, Malu! Eu não viria aqui se não fosse realmente importante!

- Michel, o meu pai nem deve estar vivo.

- Ele não apenas está vivo como tem os mesmos olhos que você! Gregório nos viu naquele bar onde Bernard comemorou o aniversário.

- Pelo o amor de Deus...

Meu Deus! Ele sabe o nome do meu pai.

Eu o olhei, desconfiada. Ele não teria coragem de vir até minha casa para brincar com um assunto sério desses. Michel tem humanidade. Franzi o cenho, depois me aproximei dele, ameaçadoramente. Ficamos numa proximidade que se algum vizinho meu passasse, imaginaria que estávamos nos beijando.

- Eu vou te matar se estiver fazendo graça comigo, Michel Taino.

- Eu não brincaria com isso, Maria Luíza. Também sou pai e só passei por merda com o meu. Se tem um assunto que eu respeito é esse!

- Ótimo.

- Você está tão sexy nessa camisola rosa. – Ele sorriu, canalha. E eu não consegui evitar meu sorriso. – Sério...

- Eu não vi graça.

- E sorriu porquê?

- Vai embora! – Pedi, desviando o olhar para que ele não visse que eu ria.

- Malu... – Michel colocou a mão no meu queixo, de forma delicada. A voz dele não tinha mais tom de graça. Era aquele tom mais urgente. Seus olhos eram serenos, gentis o que fez meu coração disparar automaticamente. Dei um passo em sua direção, que segurou a minha cintura.

- Por que você faz isso, hein? – Perguntei, e meus olhos fecharam quando seus lábios tocaram o meu pescoço. – Eu pe-pedi para você ir embora...

Ele apertou minha cintura com mais força, e depois levantou minha perna alisando minha coxa. Sabia que a qualquer momento algum vizinho passaria, mas não conseguia me conter e nem conter Michel. Eu nunca consegui, na verdade.

- Vamos naquele bar hoje à noite? – Perguntou, no pé do meu ouvido. A voz me provocando. Arrepiei na mesma hora. Suas mãos agora alisavam meus braços. Eu via que Michel também controlava seus instintos.

- Sim... – Tive que não me controlar para gemer quando os dentes dele morderam meu queixo e em seguida seus lábios encontraram o meus, numa pressa que não era apenas a dele, como também a minha. Ele ergueu minha perna de novo, depois fez o mesmo com a direita até que me segurou com muita habilidade. Contemplei seu sorriso sacana quando o beijei por vontade própria, deixando uma mordidinha em seu lábio. Ouvi o barulho da porta ao lado sendo aberta e Michel me soltou na mesma hora. Marlene, minha vizinha se preparava para sua corrida matinal.

- Bom dia, Malu! – Ela cumprimentou, animada. E deu um aceno de cabeça para Michel, que me abraçou por trás e retribuiu ao aceno. – Dia lindo, não?

- Bom dia, Marlene. Sim... Belo dia. – Olhei de soslaio para Michel, que sorriu. Marlene foi esperar o elevador. Alguns minutos depois parou no nosso andar e ela foi embora.

Ficamos abraçados por alguns minutos, talvez curtindo algo que era um tanto diferente para nós dois e o peso da nossa história. Ele encostou o queixo no meu ombro.

- Então eu venho te buscar a noite... – Murmurou, me girando pela cintura e novamente me abraçando. Ele olhou para o meu apartamento, depois fixou suas íris verdes em mim. O desgraçado é lindo de doer. Acho que essa definição também é mais apropriada para nós dois. Um relacionamento lindo, mas de doer. – Ok?

- Ok!

- Eu vou te beijar e vou embora, ok?

Revirei os olhos, mas ri, totalmente encantada. O que é nojento, mas é verdadeiro. E nos beijamos outra vez. Não sei explicar quem é que transforma a atmosfera a ponto de deixar o momento tão natural como acontece quando estamos juntos. Na verdade, nem sei se quero saber. Tem coisa que a gente descobre e perde a graça.

Michel foi se afastando, mas ainda segurava meu rosto, selando nossos lábios. Eu queria pedir para ele ficar? Sim, queria. Mas vou pedir? É claro que não.

- Até mais tarde. – Falei, correspondendo até demais aos encantos dele. – Vai logo!!

- Já vou!

Ele foi se afastando, mas ainda me olhava com um sorriso tão maravilhoso que tive que forçar meu pé a não sair do lugar e puxa-lo novamente ao meu encontro. Meu coração batia tão forte que tive certeza de que Michel era capaz de ouvir.

Entrei em casa e fechei a porta. Encostei-me a ela e fui deslizando, até sentar no chão. Soltei uma respiração profunda e angustiada, que eu sabia significar minha incapacidade de falar os meus sentimentos.

- Eu vou explodir se não conseguir falar para ele.

(...)

Nos reencontramos a noite. Michel me buscou na porta do condomínio. Eu tentei não parecer ansiosa demais quando o vi encostado ao seu carro parecendo parte da paisagem da bela obra de arte que era a noite estrelada e bonita em São Paulo.

- Está preparada? – Perguntou, com um meio sorriso. Só então me dei conta de que eu estava prestes a ver meu pai. E foi um golpe que por alguns minutos me fez congelar. – Malu?

- Oi.

Ele se aproximou e segurou minha mão, um gesto de apoio. Trocamos um sorriso que deixou todo o meu receio de lado.

- Eu estou com você.

- Eu sei.

Entramos no carro e Michel deu partida. No caminho pedi para ele me contar a respeito do encontro com meu pai.

- Foi meio maluco, confesso. – Disse, antes de então começar a contar.

Segundo Michel, depois que fui embora ele voltou para o bar onde acontecia a comemoração de Bernard (que ficou tão bêbado que dormiu no chão do banheiro). E no meio da madrugada um homem se aproximou dele, perguntando sobre mim. Inicialmente Michel ficou desconfortável, mas depois notou a semelhança entre nós e a conversa fluiu. “Ele é um homem solitário, distante, parece não gostar de ninguém, mas, fala da sua tia com muito sentimento.”

Aquela informação fez minha garganta se formar num nó.

- Como sabe que ele estará lá hoje?

- Depois que ele foi embora eu perguntei para o garçom se era comum vê-lo no bar.

- E aí?

- Ele disse que sim. Eu vou ficar numa mesa próximo a vocês.

- Michel, eu... – Como falar para ele que eu não me sentia totalmente pronta para essa conversa?

- É a sua história, Malu. Você precisa saber disso... – Ele suspirou, parecendo entender o meu dilema. – Mas se você não quiser eu vou entender.

- Não. – Respondi, firme. – Eu quero.

- Eu vou estar lá e vou ser o ombro que você terá para chorar, caso necessário. – Eu lancei a ele com um meio sorriso. – Até se quiser me bater vou estar disponível. Você já provou que sabe brigar, não é?

Eu ri, trêmula, ao lembrar de nossa briga em sua sala.

As palavras de Michel tinham sido categóricas naquele dia. “Você tem que se lembrar dos nossos bons momentos, Maria Luíza. Você precisa lembrar.” E lembrei, de fato. Lembrei de tudo. Anos de terapia jogado no lixo. E no fundo eu precisava disso. Dele.

Michel fez de tudo para harmonizar o momento, fez piada, relembrou de coisas do passado e conseguiu arrancar alguns suspiros de mim quando dava aquele sorriso sacana que era capaz de me destruir por dentro.

Quando o carro estacionou em frente ao bar fui invadida por um medo interior imenso. Michel novamente segurou a minha mão com força e descemos do carro. Entramos no bar, que por sinal estava bastante movimentado e ao som de um country antigo.

A voz de minha tia soou em meus ouvidos.

“Um dia, quando você for adulta entenderá tudo, Malu.”

A hora da verdade tinha chegado.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 06/12/2015
Reeditado em 28/07/2022
Código do texto: T5471472
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