Quebrados

 

Eu nunca acreditei muito em destino, para ser sincero, sempre achei que destino era coisa de novelas. Seu destino é você quem faz. É o plantar e colher. É o que você faz no mundo, o que você faz para si e para os outros. Sempre fui convicto em minhas opiniões. Ou ao menos era até ter Maria Luíza de volta em minha vida.

Passei a manhã de domingo pensando se deveria ou não ir até a casa dela. E o pensar te faz criar teorias que nem sempre são verdadeiras, mas dentro da sua cabeça tudo pode ser real.

- É isso que as mulheres fazem, filho. – Eu colocava roupas em Miguel, que recém saíra do banho. Apesar dele não compreender o que eu dizia, me olhava como se soubesse e entendesse do meu problema. – Elas te enlouquecem.

Quando terminei, penteei o cabelo dele, que se ajeitou em meu colo, sonolento. Tirei meu celular do bolso e olhei o visor, pensativo.

“Dane-se. Eu preciso saber o que está acontecendo.”

Procurei o número de Samanta no telefone e fiz a ligação. Ela me atendeu na primeira chamada.

- Bom dia, seu Michel!

- Bom dia, Sam. Como vai?

- Estou bem e o senhor? O Miguel está bem?

- Sim, está... Sam eu sei que hoje você está de folga, mas se importaria de vir aqui ficar com ele? Preciso resolver uma coisa, não vou demorar. – Tentei transparecer maior naturalidade possível.

- É claro. Em 30 minutos estarei aí!

- Muito obrigado, Sam. – Sorri. – Hã... Maria Luíza está em casa?

Foi nesse momento que Samanta, ao gaguejar em sua resposta, me fez ter a certeza de que eu devia ir até a casa de Maria Luíza.

- A dona Maria Luíza?

- Sim?

- Hã... Não... Ela saiu cedo e não voltou até agora.

- Certo. Eu estou te aguardando então.

- Tudo bem, até logo.

Finalizei a ligação e guardei o celular no bolso. Miguel já havia dormido no meu colo. Deitei ele na cama e o olhei por alguns minutos.

- Como crescem rápido... Meu Deus...

Fui para a sala e esperei por Samanta em silêncio, mas quando você está ansioso, ficar em silêncio é um alimento para suas paranoias. Não demorou muito e eu já estava criando situações que começavam a abalar meu psicológico. Quando me deixei ser guiado para o mergulho profundo dentro dessas situações, Sam chegou e foi um alívio.

- Oi, seu Michel! demorei? - Perguntou, ao encostar a porta do meu apartamento.

- Não. Ele está dormindo. Já dei banho nele, ok? Quando acordar vai estar faminto.

- Deixa comigo!

- Não vou demorar.

- Tudo bem. Pode ir tranquilo.

Peguei minha chave do carro, me despedi de Samanta e saí em silêncio. A verdade é que era um silêncio só por fora. Por dentro eu estava cheio de perguntas e criando teorias cada vez mais fortes.

Quando parei o carro em frente ao prédio que Maria Luíza mora, voltei a me questionar se chegar na casa dela de surpresa era atitude mais correta a se fazer. De repente tive um medo absurdo de não gostar do que me esperava. Não demorou muito e me recordei do início dessa loucura que foi o retorno dela a minha vida. Da nossa primeira vez juntos desde a sua volta ao Brasil à primeira briga. Do quase “eu te amo”. Do que deveria ser e não foi. E parece que nunca vai ser. Bom, pelo menos não tão cedo. Ou talvez nunca.

Desci do carro, segui até a entrada do prédio, depois me identifiquei com o porteiro, mas não dei meu nome verdadeiro por motivos óbvios. Tive que assegurar ao porteiro umas 10 vezes de que eu não invadiria a casa de Maria Luíza.

- O senhor me desculpa as perguntas, mas é que da última vez que permiti que subissem no apartamento dela sem avisa-la foi um tormento. – Ele segurava o interfone, tentando contata-la. – Mas que diabos, ninguém me atende.

- É comum? – Perguntei, com todo o cuidado para ser bastante discreto.

- Desde que o namorado alemão dela veio para cá sim.

Sabe quando você sente seu ouvido tapando naturalmente? Você começa a não ouvir mais nada e consequentemente sua visão fica meio turva. Eu apoiei a mão na parede e tentei respirar fundo.

- O senhor tem certeza?

- Ah, rapaz! Ele está sempre a agarrando pelos corredores. – Respondeu, sem notar a minha situação. – Bem, ela não está atendendo. – E me olhou, analisando. – Você parece um rapaz de bem. Pode subir, Maurício.

De fato, só consegui ter uma reação quando apertei a campainha do apartamento de Maria Luíza. Eu então me dei conta de que não queria ver o tal namorado. Que se dane! No fundo mereço isso. – Pensei, com raiva. Mas não deu tempo de virar as costas e ir embora como faria um bom covarde. Um rapaz bastante alto, olhos claros e cabelos loiros me encarava com um sorriso bobo. Imediatamente o reconheci da foto com Maria Luíza.

“Quem é, Thomas?” – A voz de Maria Luíza veio de lá de dentro. Eu ainda olhava o atual namorado da mulher que achei sentir algo o suficiente para ficar comigo.

A situação que já era bastante desconfortável piorou quando Malu veio até a porta. Seus olhos arregalaram ao me ver, mas tentou disfarçar. E não por minha causa, mas por causa do namorado.

- Thomas... Entra lá e termina o bolo. – Pediu, dando um sorriso forçado para ele, que agora me olhava de forma hostil.

Demorou alguns minutos até ele de fato entrar. Maria Luíza encostou a porta, cruzou os braços, mas não me olhou. O silêncio dela foi ainda pior do que qualquer coisa que pudesse falar.

- Então...? – Perguntei, tentando controlar o tom da minha voz. – Será que eu mereço uma explicação ou devo concluir que...

Surpreendentemente, Maria Luíza falou. E não foi uma explicação ou qualquer coisa que indicasse vergonha pelo o que vi.

- O que faz aqui? – Perguntou, mas a voz era tão baixa que eu me esforcei para ouvi-la.

- É isso que você tem para me perguntar? – Rebati, sem acreditar que era realmente aquilo que ouvi. Era inevitável o meu descontrole. – De todas as perguntas possíveis você me pergunta o que diabos estou fazendo aqui? Aliás quem deveria fazer as perguntas sou eu, não é?

- Michel eu... – Ela não conseguia me olhar, parecia envergonhada, mas consigo mesma. Quase chorava. – Eu...

- Ele é o seu ex-namorado, não é? – A pergunta a pegou de surpresa. Ela franziu o cenho. – Eu vi uma foto dele na sua sala.

- É. – Ela cruzou os braços contra o corpo. - Ele é meu ex.

- Pelo jeito ele não sabe que é ex.

- Sabe, mas ele veio para o Brasil para me reconquistar.

- Bom. – Eu respirei fundo e forcei um sorriso duro. – Ele não tem ideia do quem eu sou, certo?

- Não.

- E você... Hã... Não pretende, sei lá... Contar? - Eu tentei não perder o meu total controle com Maria Luíza, mas se ela continuar me respondendo desse jeito não sei se serei capaz.

E aconteceu aquilo de novo. O silêncio. O silêncio de Maria Luíza era ainda pior do que quando brigava comigo. Ela me olhou por um longo tempo, mas a expressão era a mesma, chorosa e o olhar angustiado. Eu quis tanto ouvir qualquer coisa que salvasse o meu desejo de desistir de tudo.

- Maria Luíza! – O grito a fez se encolher. – Meu Deus, cara. – Lembrei que estávamos num lugar que passava diversas pessoas e tentei controlar meu tom de voz. Puxei seu braço para afastá-la da porta. – Eu não posso carregar isso pra sempre! Eu... – Respirei fundo. – Não posso carregar a culpa do nosso relacionamento ter dado errado quando estou tentando fazer diferente.

E ela continuou quieta, apenas me olhava com os grandes olhos azuis numa agonia que era profunda demais para conseguir compartilhar comigo. Ou talvez não pudesse, quisesse.

- Chega! Pra mim chega. – Declarei, surpreendentemente com a voz calma. Vi uma lágrima deslizar por sua bochecha e quase, mas quase fraquejei. – Não dá. Eu não consigo lidar com isso. Eu nem reconheço mais você, Maria Luíza!

- Michel... – Ela segurou minha mão. – Eu queria muito poder te explicar tudo, mas...

- Você não pode. – Eu a vi balançar a cabeça em um sim. – Certo. Seja lá o que tem para resolver com seu ex ou atual resolva. Eu não vou ficar vivendo um triangulo amoroso com você. Aliás, para viver um "triangulo amoroso” eu teria que no mínimo ter meus sentimentos retribuídos. Ou não, sei lá. Foda-se! – Dei de ombros, magoado, irritado e inegavelmente triste. Tirei a mão dela da minha. Ela chorou, mas não falava. E eu queria desesperadamente ouvir alguma coisa. – Tchau, Malu.

Dei dois passos e ela correu até mim, encostando-me a parede.

- Você sempre teve seus sentimentos retribuídos, Michel. Sempre. – Eu a olhei, magoado. O mundo e suas estranhas voltas. Maria Luíza tocou meu rosto. – Eu sei que erro, que escondo as coisas de você, que o faço querer desistir de mim, mas não duvide do que sinto.

Coloquei a minha mão sob a dela, sentindo seu toque macio.

- Eu custo a aceitar que você não é mais a minha Maria Luíza.

- Não fala isso...

- Alguém aqui precisa trabalhar com a verdade, não é?

Beijei sua mão e mais uma vez a afastei. Inevitavelmente acabei me perguntando até quando a minha vida com Maria Luíza seria assim, de distâncias.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 30/04/2016
Reeditado em 05/06/2022
Código do texto: T5620630
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